O Rio do Esquecimento (léthe) na mitologia, de cujas águas bebiam os mortos para esquecerem do mundo dos vivos, nos tempos que correm, continua atual e, infelizmente, não só para os defuntos.
Enquanto as notícias da catástrofe que se abateu sobre a região serrana do Rio de Janeiro, pela própria gravidade e o número de mortos (548), ainda se agarram à primeira página dos grandes diários, as sempre anunciadas e torrenciais chuvas de janeiro não só trazem em seu caudal as particulares desgraças de famílias friburguenses, petropolitanas e teresopolinas, senão contribuem para revolver as imensas gavetas dos ignorados arquivos da burocracia estatal.
Consoante revela a Folha de São Paulo, o risco de desastre ambiental já fora apontado desde novembro de 2008, em estudo encomendado pelo governo do Estado do Rio. A situação mais grave, segundo o referido relatório, foi identificada nas três cidades de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo. O relatório em apreço indicava as regiões mais vulneráveis, mas não chegava a detalhar os pontos em que o risco para os habitantes era maior. Segundo assertiva do Secretário do Meio Ambiente do Estado, Carlos Minc, o mapeamento de áreas de risco foi feito, tendo ‘apenas’ faltado a retirada dos moradores.
A geógrafa Ana Luiza Coelho Netto, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e coordenadora do trabalho, assinalou que o estudo tinha o escopo de apontar regiões vulneráveis. Por isso, acrescentou, não foi possível detalhar os pontos exatos de risco aos moradores. Não obstante, “a partir do estudo poderiam ter feito um detalhamento maior nas áreas mais problematizadas”.
O relatório em tela sublinhou a necessidade do mapeamento das áreas de risco e sugeriu medidas como a recuperação da vegetação, principalmente em Nova Friburgo, que tem maior extensão de florestas. Nesta cidade, se acentuou que boa parte da população vive em áreas de risco.
Com relação a Petrópolis e Teresópolis, esses centros urbanos convivem com vários fatores de risco diferentes – boa parte da área urbana em montanhas e planícies fluviais – e podem ser atingidos por desastres “capazes de gerar efeitos de grande magnitude”.
Dentro do modelo que semelha privilegiar a reconstrução mais do que a prevenção, o governo do Estado do Rio gastou R$ 8 milhões para contenção de encostas e repasses às prefeituras, contra R$ 80 milhões para reconstrução. Por outro lado, e na mesma linha, o governo da União dispendeu catorze vezes mais com reconstrução (R$780 milhões) – ajudar locais atingidos por enchentes e recuperação de rodovias – do que com a prevenção. As próprias quantias, tanto em nível estadual, quanto federal, já refletem a relativa baixa prioridade de tais despesas.
No conjunto desse quadro decerto deprimente em termos de uma providente ação governamental – promessas e mais promessas de resposta imediata sob a luz dos refletores da mídia; mais tarde, a negligência quanto aos estudos a que não se dá a implementação devida – relembra a imprensa, por oportuno, o escândalo do chamado morro do Bumba, em que sobre um lixão transformado em acidente geográfico, se construiram residências, a que se sucedeu o deslizamento e a desgraça subsequente. Tudo sob as vistas da prefeitura de Niterói, que até obras públicas ali julgou apropriado levantar. Hoje está tudo quase na mesma e as obras nas encostas não foram realizadas.
No Brasil, pelas aparências – e certamente não se confinam ao Estado do Rio de Janeiro – o rio do Lete é uma portentosa corrente, cujas dimensões não só nos confrontam mas sobretudo nos envergonham.
( Fontes: Folha de S. Paulo e O Globo )
sábado, 15 de janeiro de 2011
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