Por ocasião dos desastres naturais e dos escândalos na saúde, o número avultado de vítimas, os enormes prejuízos materiais, casas reduzidas a escombros, hospitais apinhados de pacientes sem tratamento, em indízeis condições não só de respeito humano mas das comezinhas regras de higiene, para não falar de atendimento médico, tudo isso nos fustiga a cada ano e continua a ser tratado como calamidades naturais, inusitados eventos que se espalham pelas páginas dos jornais e do noticiário das redes televisivas, salpicados do condoído interesse das autoridades dos três poderes, sempre prestimosas nas suas visitas aéreas às áreas flageladas e nas promessas de urgente concessão de verbas.
E, no entanto, todo esse ritual de desgraças e de comoção dos poderes públicos nada tem novo, excetuada a acrescida violência de mãe natureza pelos continuados desmatamentos e a construção de moradias em locais manifestamente inadequados. Vamos porventura culpar as vítimas pelas casas soterradas, pelas avalanches, pelos bairros rotineiramente inundados, ou, em outra variedade de menosprezo pela nossa gente mais humilde, o criminoso descaso nos mínimos cuidados devidos àqueles que por necessidade têm de recorrer a hospitais indignos desse nome ?
Pela cobertura da tevê, vimos a repetição da tragédia de janeiro, com os aguaceiros sazonais, as enxurradas, as avalanches, a cheia dos rios, as inundações, a força natural dos elementos, ajudada pelos abates e outras faltas ambientais, a que se soma a singular inação de todos os governos – federal, estadual e municipal.
Essa metafórica ausência do poder público, os cariocas, nesse ano e no último, também a sentiram na circunstância de que o governador não pôde ser contactado,tanto no dia do desastre de Angra dos Reis, quanto na calamidade atual, quando estava em férias na Europa.
Apresso-me em dizer que não sou contra férias, de que os servidores do Estado carecem, como todos os demais. A única objeção talvez seria a de que esta época, pelo seu triste retrospecto, não se afigura como a mais apropriada para o titular deste alto cargo.
Não obstante, todas essas qualificações se tornariam dispensáveis, se as lições passadas não houvessem sido esquecidas – e aqui a responsabilidade é geral. O locutor do jornal, quiçá por vezo profissional, fez questão de sublinhar o número atualizado dos mortos na região serrana. Já chegavam a 250 ! Quão menor teria sido este macabro placar se os três niveis de governo se empenhassem nas obras e nas providências imprescindíveis. Tais esforços devem anteceder às tragédias e não limitar-se a promessas posteriores e a trabalhos de salvamento.
A previdência é indispensável. De nada adianta ouvirmos os geólogos e demais especialistas nos relembrar de onde não se deve construir – seja por causa de enchentes, ou de avalanches. O poder público tem o dever de prevenir, ao invés de vir repreender, depois do fato, o morador que tem de ter outras opções e não ser deixado ao deus dará.
Ao assistirmos os trabalhos de salvamento na região serrana, vimos que em muitos locais os próprios habitantes, com seus rústicos instrumentos, se descobriam forçados a fazer o trabalho que caberia aos órgãos públicos. A precariedade extrema com que intentavam resgatar entes queridos era confrangedora.
Não se pense, porém, que os bombeiros e demais funcionários estivessem ausentes. Na verdade, a sua dedicação alguns deles a pagaram com a vida, soterrados com a sina das vítimas civis. Ali se defrontava um outro problema: a magnitude da calamidade e a incapacidade numérica dos bombeiros em atender a população em todos os sinistros e adversidades naturais. Pela extensão de seus ataques, mãe natureza se transformara em cruel madrasta.
Uma palavra final sobre o escândalo do hospital de Rondônia. Estranhamente o abandono desse ‘estabelecimento de saúde’ só ficou conhecido graças a visita do Jornal Nacional no ar. Por força da reportagem, com os seus pacientes no chão, com outros aguardando operações por muitos meses, pela esqualidez da cena, resulta difícil, quase cínico, definir aquele conjunto de salas como um hospital.
Sem embargo, o Ministério da Saúde comprova a transferência das dotações – e não são exíguas – para o órgão estadual. O funcionário federal faz saber que tem meios de determinar se os recursos foram dispendidos ou não. O que a autoridade federal declara não poder saber é como tais recursos foram empregados. Essa função caberia aos órgãos do estado – e logo nos vêm à lembrança o Tribunal de Contas Estadual, o Ministério Público, e quem sabe outro instrumento, que tenha por escopo que o dinheiro do contribuinte não seja malversado.
Aquela gente humilde, largada no nosocômio de Rondônia, decerto ignora tais detalhes administrativos. Tenha-se presente, no entanto, que esse escândalo só se tornou notório graças ao chamado JN no ar.
Diante de mais essa função pública da Rede Globo, caberia a pergunta: onde é que está o poder público, que de nada sabe a não ser por intermédio da mídia ?
( Fonte: O Globo )
quinta-feira, 13 de janeiro de 2011
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