domingo, 23 de janeiro de 2011

Colcha de Retalhos LXVII

A Santidade nos tempos pós-modernos

O tema decerto não é popular, ou melhor, não parece sê-lo na medida em que era tratado anteriormente. O que significa a santidade no mundo em que vivemos ? Quando faleceu, na tardinha de três de junho de 1963, Angelo Giuseppe Roncalli, o Papa João XXIII, cercou-lhe a morte consternação não só romana, mas mundial, irmanada no respeito e na admiração que lhe votavam, sem distinção, crentes e não-crentes. Desde cedo Roncalli, no exercício de seu apostolado, representou o testemunho de vencer as barreiras humanas, vendo em cada pessoa um igual, não importando origem, religião, ideologia e a própria condição ( sua primeira visita, como bispo de Roma, foi à prisão romana).
Tampouco o sacerdote em todos os avatares de sua longa trajetória mudaria a própria conduta. Seu lema episcopal já traduzia a simplicidade – mas também a amplitude – de sua filosofia de vida: Obediência e Paz. Obediência aos princípios da religião e da mensagem do Cristo; e paz entre todos os homens.
A dois de março de 2000, tive o prazer e a honra de saudar na página de Opinião do Jornal do Brasil, no artigo ‘Um Santo para os Nossos Dias’ a próxima conclusão do processo de beatificação de João XXIII, prenunciado pelo reconhecimento papal, a 28 de janeiro, de um milagre de Angelo Giuseppe Roncalli.
E, no entanto, em meio ao Concílio Vaticano II que para surpresa de muitos o novel Papa anunciara para um punhado de perplexos cardeais, na basílica de São Paulo Fuori i Muri a três meses de sua entronização, o propósito de convocar um Concílio.
O breve pontificado de Papa Giovanni (28 de outubro de 1958 – 3 de junho de 1963) mostrou deveras que ele era o Papa de transição, mas não no sentido que o colégio de cardeais e a Igreja conferira ao termo. Depois do longo pontificado de Pio XII, o que esperar de pontífice com 76 anos, senão benévola e plácida presença à frente da igreja, como se em preparação do advento de seu sucessor. No entanto, ao contrário dessa difundida expectativa, a transição foi bastante diversa, porque ao convocar o Concílio e abrir as janelas dos palácios vaticanos aos novos tempos, Papa Giovanni introduzia a modernidade na Igreja.
Não pretendo aqui discorrer sobre as famosas encíclicas e a larga abertura feita pelo Papa Bom para o mundo, a que se fechara de certo modo o seu antecessor. Quando Angelo Giuseppe Roncalli morreu já o cercava a indizível aura de santidade.O próprio Concílio, sob o Papa PauloVI, considerou a hipótese de proclamá-lo santo.
Como se sabe, nos primeiros séculos da Igreja, os santos eram proclamados pela comunidade dos fiéis. Essa prática que elevava aos altares os leigos e religiosos pela aclamação espontânea dos seus contemporâneos e pósteros, foi na Idade Média assumida pela Igreja e os sucessores de Pedro.
No meu artigo de janeiro de 2000, escrevi cuidadas palavras sobre a sua longa espera para ascender aos altares: “Desde cedo, a posteridade consagraria o Papa do Concílio culto que, pela difusão e intensidade, irmanava-lhe a memória aos santos de particular devoção popular. Talvez esteja na grandeza de seu exemplo de tolerância e caridade cristã, e na por vezes incômoda relevância do legado, o motivo por que o processo de beatificação terá deparado tantos obstáculos e tardanças.”
O beato Angelo Roncalli goza de imensa devoção, que não se restringe seja à Lombardia natal, seja à Itália, mas a despeito dos anos que a Cúria pontifícia cuidou de interpor entre o postulante Servo de Deus e o beato Roncalli, prossegue grande e profundo o culto ao Papa Buono que transcende às situações terrenas e aos vigários de Cristo que se sucederam.
Tais considerações foram provocadas pelo recente anúncio da próxima beatificação de Karol Wojtyla, o Papa João Paulo II, falecido em 2005.
Por vontade expressa de Bento XVI foi derrogado, para a abertura do processo de beatificação de Papa Wojtyla, o prazo de cinco anos estabelecido pela norma canônica. O antigo Cardeal-Prefeito da Congregação da Doutrina da Fé, o ex-Santo Ofício, Joseph Ratzinger, que zelosamente representara a linha conservadora do Papa polonês – com numerosos procedimentos contra teólogos da linha progressista, como o alemão Hans Küng, o holandês Edward Schillebeeckx e o brasileiro Leonardo Boff O.F.M. (que depois preferiu retornar ao laicato). Assim, no longo pontificado de João Paulo II entrou-se na época denominada pelo teólogo do Concílio Karl Rahner de “inverno na Igreja”.
Aparentemente, Bento XVI teve pressa em lançar a causa de seu antecessor, o que foi feito há dois meses de sua morte. Determinado o milagre indispensável para que seja reconhecido como beato, João Paulo II será beatificado em primeiro de maio p.f. Para apressar o processo, Bento XVI louvou-se da precedente dispensa, concedida por João Paulo II, a Madre Teresa de Calcutá. Com relação a esta última, no entanto, a exceção se afigura compreensível, porque a freira albanesa já em vida impressionava pela própria aúra de santidade, o que, com o respeito e a admiração devida ao predecessor de Papa Ratzinger, não semelha ser o caso.
Tudo leva a crer que, ao invés do pressuroso avanço de João Paulo II aos altares, a caminhada do Papa do Concílio continuará a ser lenta até alcançar, através da canonização, o reconhecimento da respectiva santidade. Por prescindir das chancelas oficiais – a glorificação do Papa Bom, do Papa das causas progressistas e da abertura da Igreja será ela bem vista por um Pontífice conservador e pela sua Cúria – a elevação de João XXIII continuará a ser gradual e lenta, levada nos ombros de um vasto Povo de Deus, cuja amplitude e profundidade são vistos talvez com certa inquietação.
Dessarte, também se aplica à santificação de Papa Roncalli o que antes dissera acerca de sua beatificação: ‘para muitos católicos e, sem dúvida, não-católicos, o reconhecimento, posto que tardio, será não obstante sempre bem-vindo’.
Pela usança da Igreja primitiva, João XXIII é santo desde muito. Que não se faça demasiado esperar a confirmação oficial.

A Economia Chinesa.

Um tanto em contraponto à recente visita de Hu Jintao aos Estados Unidos, escreve-se muito na imprensa sobre o crescimento da economia chinesa (orçado em 10%). Com o aquecimento da atividade econômica, tende a reforçar-se a pressão sobre a oferta de bens, o que se reflete no incremento da inflação.
Esta alça dos preços – que oscila no cômputo oficial em torno dos 3,3% e que atinge 5% no setor alimentício – tem causado preocupação na instituição bancária. Os grandes saldos comerciais obtidos pela R.P.C. por força de um câmbio artificial do renminbi sub-apreciado, poderiam aumentar ainda mais a inflação, com todas as distorções que tal possa ocasionar.
O remédio para essa dificuldade poderia ser a apreciação controlada da moeda oficial, o que tenderia a reduzir os enormes saldos da balança comercial, e dessa forma operar na contenção da inflação.
Com efeito, as preocupações chinesas com a inflação não se limitam às suas consequências externas. Condiciona muito mais o governo chinês a crescente irritação do mercado consumidor interno, diante da carestia no domínio dos alimentos.
Essa pressão sobre os gêneros de primeira necessidade poder forçar os movimentos operários por salários mais condignos. Como se sabe, os baixos estipêndios constituem um ingrediente fundamental para aguçar a competitividade do produto chinês. A própria economia brasileira, no seu setor de exportação, tem perdido muito rendimento por obra do virtual dumping da concorrência chinesa, o que se tem verificado em todos os principais mercados de nossas exportações.
Dessarte, semelha provável um ajuste na posição cambial do renminbi, determinado, na verdade, menos pela pressão externa, com os Estados Unidos à frente, do que por considerações internas.
Porque a inflação – e não importa que seja manipulada, a exemplo de tantos países (cf. Argentina) ou não, - eis que os seus danosos efeitos para a economia e as finanças, não podem ser varridos para debaixo do tapete. Mormente no caso de uma economia com o porte da do Império do Meio, com um PNB de cinco trilhões de dólares...

O desaparecimento do Cristianismo no Iraque

Em um processo de virtual extinção da seita caldeia da religião católica no Iraque, a presente situação na cidade de Habbaniya Cece, na província de Anbar, se afigura tristemente ilustrativa de um processo histórico que já foi referido em blog anterior. Nesta cidade, atualmente reside uma única família cristã. Romel Hawal recorda-se que na época de sua infância – tem 48 anos – a maior parte da população na província era do rito caldaico da religião católica. Hoje o seu filho de onze anos não tem colegas cristãos na escola, e não se lembra de haver participado de alguma missa.
O derradeiro cristão vai todo dia à igreja de Nossa Senhora da Paz, para limpar o templo e recordar-lhe o passado. Em sua família, a esposa deseja imitar os demais e partir. Hawal, no entanto, ainda sente a obrigação de ficar. Para tanto, ele recebe apoio de um lado pouco previsível. Muitos de seus amigos muçulmanos, quiçá saudosos de uma comunidade desaparecida, lhe pedem para não partir.
Esse sentimento ecumênico, no entanto, não é sempre a regra. Templos de outros credos estão abandonados, como a igreja assíria de São Jorge Martir (danificada por uma bomba em 2005) e a mesquita xiita Husseiniya Habbaniya, apesar de nova, continua sem imã, por causa de ataques contra os xiitas nessa região de predominância sunita.
Semelha, portanto, muito pouco provável que este processo de afastamento de outras crenças que não a majoritária, possa ser revertido. No caso cristão, em que a comunidade se confunde com uma única família, sem sequer possibilidade de realização de culto, a permanência da família de Romel Hawal constitui um sinal melancólico que torna a escolha do êxodo, seja para comunidades remanescentes ainda no Iraque, seja para outros países no Oriente Médio, não mais mera possibilidade, mas inelutável fatalidade.

( Fonte: International Herald Tribune)

3 comentários:

Mauro disse...

É uma questão de lógica: se há santos, estes o são por seus atos e convicções, e não pela burocracia eclesiástica. De que serve então clamar por ela? Se se acredita em santos, então quem seriam os homens para dizer quem o é? Em tempo - não acredito em santos, mas há vidas inspiradoras para todos os gostos. O debate descrito pelo blogueiro é na verdade muito mais sobre qual grupo controla a igreja e o marketing associado.

Mauro M. de Azeredo disse...

A aura de santidade é raro atributo, decorrência de excelsas virtudes e qualidades, produto do trabalho e da conduta, cujo beneficiário não a pretende nem reivindica, e que por obra da graça a recebe por acréscimo. Praticar com alguém em aura de santidade é ocorrência rara, mas que não foge a nenhum interlocutor, como o demonstrou Papa Giovanni na admiração e no respeito que lhe professavam antigos inimigos religiosos, ateus professos (como o Presidente Pertini da Câmara dos Deputados)e que jamais hesitaram em reconhecer-lhe o brilho inigualável da respectiva personalidade, a par de traduzirem tal reação em mostras de inusitada e serena deferência.Não confundamos as tentativas burocráticas de pósteros em ignorar-lhe a existência. São vãos intentos que
a Providência divina disporá a seu tempo.

Mauro disse...

Concordo e reitero: há vidas inspiradoras e pessoas sábias para todos os gostos. Alguns os chamam de santos... (o que é até injusto, pois apropria para uma divindade o que um ser humano construiu, mesmo que ele/a o tenha feito em nome do que acredita). Em tempo: ninguém parece notar que os milagres para se tornar santo estão cada vez mais prosaicos e menos "milagrosos". Embora seja homônimo do blogueiro, não sou o mesmo - faço o esclarecimento para fins de danação eterna, etc.