O Brasil tem feito muitos progressos nos últimos tempos. Se bem que, excluídos alguns países europeus mais próximos, como a França e a Itália, o conhecimento a nosso respeito tenha feito avanços menos significativos, não mais somos apenas a terra do futebol e do carnaval. Tampouco seria o caso, como escreveu o ensaísta Edward Saïd, de nos comparar à Nigéria como uma nação sem traços marcantes.[1]
Muito contribuíu para tanto a nossa progressão econômica, que deu ensejo ao acrônimo ‘Brics’, cunhado por Jim O’Neill, das iniciais de Brasil, Rússia, Índia e China, as consideradas potências emergentes.
É inegável, por conseguinte, a maior afirmação internacional do Brasil. Participamos do grupo dos Vinte – o G-20 – cuja importância o coloca como um virtual sucessor do G-8, o antigo grupo de que participam as principais economias mundiais, com o acréscimo da Federação Russa e da representação da U.E.
No entanto, o panorama nacional parece guardar, com um zelo quase saudosista, práticas e costumes que não semelham coadunar-se com a imagem que compraz a nossos governantes transmitir e gabar-se.
Data dos tempos da chamada ‘guerra da lagosta’[2], que o então presidente francês, o General Charles de Gaulle teria dito que ‘o Brasil não é um país sério’. O conceito que de Gaulle fazia a nosso respeito não tardou a transpirar, e a repercutir na imprensa brasileira. Mais tarde, o aspecto facecioso desse entrevero teve um novo aditivo, eis que o embaixador do Brasil na época acreditado junto ao governo francês terá inclusive reivindicado a autoria da frase.
Por força do carisma do personagem e do ambiente de corte que cercava o general da Resistência ao invasor nazista, a pecha que nos pespegou de Gaulle terá tido uma aderência maior que algum dito pejorativo de outra origem.
Tais considerações vem à baila pelo que os ‘aliados’ da administração de Dilma Rousseff tem causado nesses primeiros dias da sucessora do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Falar-se no caso presente da trégua ou do armistício dos cem dias, que é aquele prazo de crédito de confiança concedido ao governo recém-eleito, em outras democracias, será não um exercício de ironia, mas de sarcasmo.
Na verdade, a diferenciação não para aí. Quando se alude à pausa dos cem dias, a presunção de um comportamento contemporizador vai para a oposição. No caso brasileiro, tal não se aplica, visto que os partidos opositores guardam silêncio ou discrição, que, de resto, tem sido a sua característica usual.
Com efeito, o ‘fogo amigo’ parte da grande aliança situacionista costurada pelo Presidente Lula para a eleição e posterior administração de Dilma Rousseff. E não são incidentes isolados, mas um suceder de ameaças e contestações que mais parecem originar-se de ferrenhos oposicionistas.
Se não, vejamos. Dentre as providências que tomou no apagar das luzes do próprio governo – e não foram decerto poucas nem desimportantes -, Lula assinou Medida Provisória que fixa para o corrente ano o salário mínimo em R$540,00.
O P.M.D.B., pela voz de seu líder na Câmara, achou oportuno valer-se da oportunidade para manifestar a própria insatisfação na distribuição do bolo ministerial, em que a sua quota de verbas em relação à situação anterior teria sido bem menor.
Diante das implicações negativas de regatear tão cedo o respectivo apoio ao governo Dilma, em questão de tal importância para a governabilidade e as finanças públicas, o deputado Henrique Alves julgou oportuno acenar um recuo, embora tenha mantido a sombra da espada de Dâmocles acerca da posição de sua frente partidária na votação da M.P.
Ainda a propósito do valor do salário mínimo, o Ministro Guido Mantega já declarara – e ao fazê-lo não deixou muitas dúvidas quanto ao respaldo de sua assertiva – que o governo vetaria qualquer aumento dos R$ 540,00.
Agora, o Ministro Carlos Lupi, que manteve com Dilma a pasta do Trabalho, atribuída ao PDT, vem discordar publicamente do Ministro da Fazenda, ao dizer que o Congresso é soberano para mudar o montante do mínimo.
Aqui não se trata de questão doutrinária de direito constitucional. É pelo menos estranhável que um ministro discorde ostensivamente de outro. Manda a lógica governamental que em tais questões, uma vez discutidas em privado, nelas se mantenha a união da equipe, ainda mais quando existe a válida presunção de que a presidente Dilma já bateu o martelo na matéria.
Outro episódio de dissonância ministerial nos foi dado pelas recentes declarações do ministro da Segurança Institucional, general José Elito Siqueira. De certo modo, ele se dissociara da homenagem prestada no discurso de posse aos “companheiros que tombaram”.
De acordo com o seu estilo, a Presidente fez referir o pedido de desculpas do general por haver sido ‘mal-interpretado’.
Ao contrário do antecessor, Dilma Rousseff prefere a atuação discreta, embora não se tenha dúvidas sobre o seu engajamento e controle da administração.
Caberia, no entanto, perguntar se tal silêncio, virtual ou não, não admitiria eventuais interrupções, para que não se deixe subsistirem incertezas nos integrantes da orquestra quanto à orientação da regente.
( Fonte: O Globo )
[1] “A nondescript” country.
[2] A ‘guerra’ em apreço se confinou ao envio pela França de uma belonave. Tratou-se de contencioso comercial entre Brasil e França a propósito de uma disputa acerca da pesca da lagosta, que, na prática, se limitou a consequências diplomáticas.
terça-feira, 11 de janeiro de 2011
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Um comentário:
Me parece que a costura feita com o PMDB para a eleição de Dilma trará muitas dores de cabeça para a presidenta. A citada"dissonância ministerial"
recém está começando...
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