domingo, 30 de janeiro de 2011

Colcha de Retalhos LXVIII

Pensando o Impensável

No Forum Econômico Mundial de Davos, alguns economistas ocidentais principiaram a tratar de um tema que até o presente não fora sequer considerado.
A crise da dívida, colocada de início pela ameaçada inadimplência grega e mais adiante pela situação da Irlanda, representa ameaça para a estabilidade financeira da União Europeia, e em particular para a solidez do euro.
Muitas das reuniões dos líderes europeus – e em especial da Chanceler Angela Merkel, da Alemanha, e do Presidente Nicolas Sarkozy, da França – se têm debruçado sobre tal problema para a União Europeia, e as perspectivas de agravamento diante das posições fragilizadas de Portugal e da Espanha, entre outros países da zona do euro.
Agora o debate acena estender-se para eventual crise fiscal que venha atingir o Japão e os Estados Unidos. Bill Clinton foi o último presidente americano que logrou diminuir o endividamento do Tesouro estadunidense. Todos sabemos o que aconteceu com o seu sucessor George Bush Jr. e a consequente explosão do deficit, causada precipuamente pela guerra do Iraque.
Problema similar aflige o Japão, por força da decenal estagnação de sua economia.
A dívida pública desses dois países tem crescido desmedidamente. A sua condição se agravaria se levarmos em conta o envelhecimento relativo das respectivas populações, e suas obrigações da previdência e das pensões com financiamento deficitário.
Nesse sentido, a situação do Japão mereceu atenção particularizada, pelo seu rebaixamento de um ponto por uma das agências classificadoras de ratings corporativos. Assinale-se que o Primeiro Ministro Naoto Kan advertiu que o Japão pode ver-se envolvido em crise financeira de proporções gregas se não se resolver a enfrentar seriamente a questão da respectiva dívida, que deve elevar-se a 210% de seu PNB em 2012.
Embora a situação fiscal dos Estados Unidos não possa ser comparada com a nipônica, alguns economistas começam a tocar na tecla do alarme. Segundo Kenneth S.Rogoff, professor de Harvard :“ Entre dívidas e pensões, todos devem estar conscientes de que isso não pode perdurar eternamente. Teremos sorte, se continuar por mais cinco ou dez anos mais.”
Com a dívida pública aumentada pela explosão dos déficits orçamentários, e a situação agravada com a crise financeira internacional e os dispêndios decorrentes, não há de surpreender que o Congresso americano deva elevar o teto da dívida público na próxima primavera boreal.
Atualmente o total da dívida pública corresponde a US$ 14,03 trilhões, o que representa 95,6% do PNB dos Estados Unidos (US$ 14,7 trilhões). Atendidos os totais acima, a elevação do teto da dívida pelo Congresso se afigura bastante provável.
Na presente situação, não parece provável que a crise fiscal americana ganhe outros contornos mais graves. Para tanto, contribui a posição do dólar americano como moeda de reserva internacional, dada a sua predominância na esfera global. Não obstante, com o passivo estadunidense aumentando, se tornam mais frequentes as menções sobre eventuais opções de outras moedas de reserva, como a aventada de um ‘cesto de divisas’, no âmbito do FMI. Por enquanto, são hipóteses bastante tentativas, amiúde formuladas como simples matérias de discussão.
Se a situação gerida pelo Federal Reserve Bank está sob controle, o mesmo não se aplica a diversos estados da União americana, que se acham à beira da insolvência financeira. Dentre esses, o que está mais próximo da necessidade de um ‘bail-out’[1] é o Illinois, mas tampouco se poderia excluir no futuro o maior estado americano, a California, que atravessa difícil situação fiscal, pelas dimensões da respectiva dívida.

A Revolução Democrática no Egito (Contd.)

O discurso do Presidente Hosni Mubarak não teve qualquer efeito sobre o movimento revolucionário egípcio. As manifestações continuam, agora na presença de tanques do exército que, ao contrário da consueta violência policial, até o presente se tem abstido de intervir de forma pró-ativa. A sua localização tem servido para dissuadir as aglomerações de investir contra prédios públicos (a sede do Partido de Mubarak fora incendiada anteriormente). Em outras oportunidades, a postura dos militares tem sido amistosa, beirando a confraternização.
Mubarak, que assumira o poder por ser o vice-presidente do assassinado Anuar Sadat, é militar, como o eram Sadat e Nasser. Esses últimos dois faziam parte do grupo de ‘oficiais livres’ que derrubaram o desmoralizado rei Faruk em 1952, mantendo-se a chefia nominal do general Muhammad Naguib até novembro de 1954, quando foi deposto pelo coronel Nasser.
Carismático, Gamal Nasser seria o Raïs até a sua morte em 1970, quando Anuar Sadat assumiria o poder. Essa linha castrense na presidência egípcia seria mantida por Mubarak. Não surpreende, portanto, que, na maior crise de seus trinta anos de governo, recorra aos companheiros militares na tentativa de superar o desafio da revolução democrática.
Dessarte, o velho presidente chamou para a vice-presidência – cargo jamais ocupado na sua longa permanência à frente da nação – Omar Suleiman, antes chefe do serviço de inteligência. E em outro posto-chave – formando na prática um tripé militar – chamou Ahmed Shafik, general da reserva, para ser o Primeiro Ministro.
As medidas de Mubarak podem ser ambivalentes. Ou busca o reforço da máquina governamental, a cargo do exército que desde a queda da monarquia tem a primazia do poder, ou o presidente pensa sobretudo em resguardar-se quanto a uma eventual saída, intentando deixar o mando em mãos de sua estrita confiança.
Se nos formos guiar por sinais aparentes, em uma situação fluida, a autoridade do Estado dá sinais de apagões. Assim, os saques em lojas, negócios e mesmo residências se alastram em determinadas vizinhanças, em um cenário análogo ao ocorrido na Tunísia.
Essa omissão do poder estatal – cuja importância não deve ser decerto minimizada, pelo que implica a anarquia – tem sido observada no desrespeito generalizado do toque de recolher, nos saques ( a que segmentos da população buscam contra-arrestar através de milícias) e nos incêndios de prédios públicos e oficiosos (a sede do partido de Mubarak). Há também mostras de postura do exército de não-intervenção – como na cidade de Suez – o que é deveras inquietante para um governo de base castrense como o de Mubarak.

Dúvidas sobre a Mensagem de Medvedev em Davos

Dmitri A. Medvedev, antigo professor de direito civil em São Petersburgo, assumira o compromisso de, como presidente, restaurar a imparcialidade e o profissionalismo nas cortes de justiça da Federação Russa.
Consoante a sua promessa, o país não mais viveria em uma condição de ‘niilismo legal’. Mikhail B. Khodorkovsky, o antigo proprietário da companhia petrolífera Yukos, e hoje na prisão, confiou na sinceridade de Medvedev. Nas declarações de Khodorkovsky – que fora condenado a oito anos de prisão (na Sibéria)por fraude e sonegação fiscal, ora aguarda o seu recurso contra a pena adicional de seis anos que por motivos bastante suspeitos lhe foi cominada recentemente – “ o presidente Medvedev é muito mais inteligível. Ele é um político pragmático que possui determinados ideais compatíveis com a democracia. Eu entendo bem a sua situação, e por isso raramente o critico. Contudo, nós temos o direito de esperar pela sua ação.”
Infelizmente, nessa mensagem do cárcere, o desafeto de Putin se manifesta “sinceramente desapontado ( com o fato de que ) o presidente Medvedev por enquanto não conseguiu corresponder à sua promessa sobre a primazia da lei.”
Tudo indica que a missão presidencial de Medvedev em Davos não colheu os resultados ambicionados. O seu discurso como convidado especial ao Forum buscava atrair o investimento estrangeiro com vistas a auxiliar o baixo crescimento econômico russo. Em tal sentido, o Presidente prometeu postura de favorecimento aos empresários ( ‘business-friendly’), com a introdução de reformas para eliminar a burocracia.
Dada a relação de poder na Federação Russa e as indicações que apontam para a prevalência do Primeiro Ministro Vladimir Putin, a avaliação quanto aos propósitos de Medvedev tende para o ceticismo. Tudo depende da evolução da situação política. Quem será o próximo candidato a presidente em 2012 ? Da resposta desta pergunta muitas dúvidas serão dissipadas.

(Fontes: International Herald Tribune e Folha de S. Paulo)

[1] Ajuda financeira para tornar viável a sua situação econômica, a exemplo dos auxílios prestados pelo Tesouro americano a grandes bancos fragilizados, como o Citibank, por ocasião da Crise Financeira Internacional.

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