Até uma semana antes da eleição, a
opinião pública e os grandes jornais consideravam como um dado inegável (a
given) a vitória da candidata Hillary Clinton.
Existia até às vésperas da eleição
da terça-feira, oito de novembro de 2016, o consenso de que Hillary ganharia.
Essa opinião generalizada, não desmentida pelos principais institutos de
pesquisa eleitoral, acompanhava a maior parte do público.
Michael Tomasky, no seu artigo
publicado em The New York Review a treze de outubro, portanto mais
ou menos a um mês do dia do pleito, se perguntou retoricamente se o impensável
poderia acontecer.
O parágrafo final desse artigo
merece ser citado. Expressa a inquietação do articulista, inquietação esta que
sequer poderia intuir o que iria acontecer e por que tal aconteceu: "Pode-se
reconhecer as falhas de (Hillary) Clinton e mesmo acrescentar algumas. Não
obstante, essa eleição quase não é acerca dela própria. Concerne na verdade se
a gente e as forças que existem para proteger os Estados Unidos de o que
precisamente está acontecendo agora não perderá a oportunidade de enfrentar
essa ocasião e de agir em consequência.
Clinton tem que expor as razões para a sua própria candidatura, assim
como deixar claro tudo o que depõe contra Trump. Na verdade, contudo, ninguém deixou de forma mais
clara o que depõe contra ele do que o próprio Trump. Assinalar este fato não é
defender Hillary Clinton. Isto define o que está em jogo nesta eleição."
Dentro os erros do establishment liberal-democrata pode-se
até referir essa menção de muitos seus partidários de que Hillary Clinton
constituía a solução que se deveria preconizar, diante da ameaça colocada pelo
candidato Donald Trump.
Perpassa os apoiadores de Hillary
- mesmo alguém como M. Tomasky, que sempre a defendera - uma certa aceitação de
seus eventuais defeitos, a tal ponto que número anterior da New York Review que
publica as avaliações das principais figuras exponenciais do estamento
liberal-democrata poderia induzir muitos a perguntar-se porque diabos a apoiavam,
se em tantos aspectos não correspondia a ex-Secretária de Estado por inteiro às
severas exigências que esses membros de seu campo lhe colocavam.
A
posteriori, parece lícito asseverar que há um fator inesperado que
contribuíu para transformar todo esse complexo jogo, tanto de rivalidades
partidárias internas diante de o que seria a primeira mulher presidente dos
Estados Unidos, assim como as previsíveis prevenções da elite do leste americano, como uma espécie de
bruma matinal, que mais rápido de o que se esperava, se desvaneceria diante do
valor maior no mundo político americano, coisa que aconteceria com a certeza da
alba que afasta com a incipiente delicadeza do astro maior as eventuais
remanescentes névoas, antes levantadas contra o casal Bill e Hillary Clinton.
O que realmente aconteceu foi
a brutal e cínica intervenção do diretor do FBI, James Comey, que com as suas bizarras comunicações ao Congresso
americano tratou da investigação do tristemente célebre terminal privado de e-mails de Hillary como se constituísse
uma arrasadora exposição dos erros da então Secretária de Estado. E o fez por
duas vezes, esse senhor republicano de boa cepa, colocado como diretor no
Federal Bureau of Investigations pelo incrível Barack Husein Obama, o 45º
presidente.
Será tão insondável assim
saber a razão pela qual o professor Obama colocou no FBI um republicano que,
seja dito de paso, tratou tanto a
investigação anterior, quanto a segunda (esta objeto de uma nova investida de
Sua Excelência, em que reabria a possibilidade de que houvesse acusações sérias
contra a ex-Secretária de Estado, coisa que não correspondia à realidade). Pena é que Mr Comey levantou essa gorda lebre
justamente na ocasião do chamado voto antecipado. Desrespeitando todas as
regras da Administração Americana - e do Bureau
em particular - Comey - que anteriormente se havia referido de forma
pejorativa, quase vulgar, à suposta desordem das anotações da Senhora Clinton,
em seguida - agora no período reservado ao voto antecipado - ele levantou a
questão se por acaso a senhora Clinton haja cometido algo a que devesse
responder.
Excluída a intromissão por
duas vezes - contra os pareceres das autoridades do ministério da Justiça, e
também da normas sempre obedecida de não trazer questões judiciais para a
liça eleitoral - e muito menos quando os eleitores já estão votando - Mr James
Comey, ao cabo, assinala que não há nada contra a Senhora Clinton. Pena é que o seu comentário agora favorável
não mais tenha tido efeito algum, porque as suas suspeitas haviam sido
levantadas justamente ao ensejo do voto antecipado dos eleitores.
Aliás, há um
artigo do professor David Cole - que encima o número 19 da New York Review - e que sob o título
"O que James Comey fez" que resume à maravilha o
triste trabalho realizado pelo Diretor Comey:
"O que se possa dizer acerca
da recém-concluída eleição presidencial, uma coisa é certa: o Diretor do FBI
James Comey desempenhou uma parte de tamanho fora de qualquer proporção e excepcionalmente
inapropriada. O seu altamente prejudicial anúncio em 28 de outubro, a apenas
onze dias da eleição, que ele havia reaberto uma investigação sobre o servidor
privado do computador de Hillary Clinton assegurou que os críticos dias finais da campanha foram tomados por
insinuações e suposições provocadas pela
ação de Comey.
" Quando Comey anunciou a
cinco de novembro, apenas dois dias antes da eleição, que de acordo com exame
ulterior ele de novo não encontrara base
para crer que Clinton cometera algum
crime, essa assertiva apenas sublinhou o caráter inapropriado do seu anúncio de 28 de outubro. Se ele
houvesse conduzido o reexame de forma confidencial, como o requerem as regras
do Departamento de Justiça, toda a questão teria sido resolvida sem interferir
com a eleição.
"Como aconteceu, o seu
anúncio de 28 de outubro mudou de forma
dramática a trajetória da campanha,
afastou a atenção dos consideráveis problemas próprios de Donald Trump, e
inevitavelmente influenciou as escolhas de muitos eleitores antecipados."
É realmente triste que a candidata
Hillary Clinton, após vencer todos os óbices e prevalecer nas polêmicas
enfrentadas com válidos pré-candidatos democratas como o Senador Bernie
Sanders, tenha sido atingida, na vigésima-quinta hora da eleição, por acusações
tão impróprias quanto as formuladas por James Comey, como de forma magistral o
estabelece o professor David Cole.
Tendo presente que a Política
- aquela escrita com letras maiúsculas, e gravada no mármore ático - há de
prevalecer no final, porque, à vista de sua trajetória pregressa, se aconselha
aos seus detratores e aqueles que porventura a crêem fora das liças políticas,
e de seu objetivo maior, que não se apressurem seja no riso escarninho, seja em
carimbá-la como prematuramente aposentada.
Hillary Clinton, como seu marido, o presidente Bill Clinton, são lutadores de boa cepa, a quem não abate nem a
injustiça, nem o golpe cruel, porque insidioso. Nada como a verdade e a sua
intrínseca força para que retome, com ardor renovado, a sua luta pela Justiça.
Aos seus detratores, e aos amigos do riso escarninho, que pacientem ainda um
pouco, porque a jornada de Hillary apenas começa.
( Fontes: artigo de David Cole; The New York Review - nº 19/2016; Michael
Tomasky - Pode o impensável acontecer? )
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