Hillary
Clinton, depois da inesperada derrota perante Donald Trump, parece incitar reações
peculiares nas pessoas. Contudo, tais atitudes se refugiam ou na reserva, ou na
própria omissão.
Fora os partidários de Donald John
Trump, que, à distância, não se pejam de referir-se em expressões vulgares, de
que - como se verificou no dia da posse - o 'lock
her up' (prenda ela) é a mais comum.
Já as mulheres quando encheram as
ruas e as praças dos Estados Unidos, não a julgaram digna de qualquer homenagem,
e muito menos de qualquer especial menção.
Poderão dizer que o malogro incomoda
as pessoas, que não se sentiriam à vontade em enaltecer alguém que, afinal,
chegou muito perto do próprio grande objetivo.
Não creio, contudo, que tal seja a
motivação do silêncio que lhe foi reservado pelas mulheres de norte a sul, e de
leste a oeste. Será que essa barreira, essa pedra no caminho que impediu a
mulher Hillary de realizar, por primeira vez, o feito de sentar-se na cadeira
patriarcal, e a pleno direito, não mais subordinada a ninguém, criará para o
gênero feminino um desconforto, na medida em que se recusa o cumprimento àquela
que por não realizá-lo, é portadora de uma experiência negativa, de que o
tratamento de alguma forma traga desconforto.
E, no entanto, Hillary Clinton teve
sucesso na medida em que superou o adversário no voto popular, com mais de três
milhões de sufrágios. Em qualquer outro país do planeta, os cargos executivos
são ganhos com pluralidade de votos. Sem restrição de terra alguma - excluídos
os Estados Unidos pelas suas arcanas regras setecentescas - ela seria
proclamada vencedora.
Mas mesmo perdendo, teve fair-play e coragem em assumir aquela
estranha derrota, para um adversário mais estranho ainda.
Nesse dia das mulheres, em que
tantas marcharam, entre alegres e desafiadoras, há de espantar por que nenhuma
delas tenha ousado ou sequer pensado
homenageá-la, exatamente a ela que mais perto esteve de concretizar esse passo,
que, tudo leva a crer, só não ocorreu pelas estranhas cartas de Mr James Comey
para o Congresso Americano. Rompendo com a praxe de não interferir no andamento
da votação, o Diretor do F.B.I. - e por duas vezes - quebrara as regras do
Departamento de Justiça.
Agora, ele se vê confirmado no cargo
pelo Presidente Donald Trump...
Se muitos se impressionaram com
o fair play de Hillary, que ousou
participar das comemorações de quem lhe barrara o caminho com tais inconfessáveis
ajudas, não terá tocado a ninguém o beau
geste de discreta e silentemente tenha acompanhado o marido ex-presidente
Bill Clinton na festança do adversário que lhe passara, com ajuda alheia, uma
senhora rasteira.
Com tal atitude, mostrou muitas
coisas, mas notadamente o respeito pela democracia, ainda que capenga.
Enquanto jornalistas crêem
ridicularizá-la, sugerindo inclusive que de presidente ela passe a candidata a
Prefeita de New York, Hillary mostra preparo e têmpera, ao suportar os
desaires, as grosserias, os risos escarninhos. Talvez o mais difícil de tudo -
pelo que encerra de ingratidão ou falta de sensibilidade - a circunstância de
ser ignorada por um silêncio que por sua inteligência, cultura e capacidade ela
nunca fez por merecer.
Os tempos mudam. Com o seu
lento e inarredável transcorrer, quiçá passem a lembrar-se dela, a cada tropeço
de seu adversário. Não creio que ela os deseje, porque intui quem mais sofrerá com
tais equívocos. Mas o tempo continuará passando, certas figuras que hoje
tronejam se tornarão irrelevantes.
Pode ser até que Hillary
Clinton jamais logre o seu grande objetivo. Mas o silêncio dos medíocres não a
acompanhará jamais. E virá o tempo em que muitos terão vergonha do próprio
mutismo. Cedo ou tarde, o seu posto será sempre grande. Quantos foram os votos
que a levaram a quase fazer esquecer quem agora se compraz em levantar ventos e
falsas promessas.
( Fontes: Carlos
Drummond de Andrade, The New York Times )
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