sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Ferrabrás ataca o Livre-Comércio

                             

       Assim como alguém sai de estreito aposento com ar confinado, ansioso por respirar o oxigênio que demora nas altas montanhas, do mesmo modo reunirá mais condições de entender o que Trump prepara para aqueles infelizes que nele votaram, e dessarte com a bengala da alheia sapiência, vir a poder esperar como alguém que, ainda meio ofuscado pelo conhecimento amigo, possa ter fé e até mesmo acreditar, seja contra a louca, ignava esperança, seja até terçando armas em demenciais arremetidas contra os moínhos gigantes de vento.
        Nessa trilha arriscada, que bordeja abismos e promete o enlevo de ledas, refrigerantes paisagens, será oportuno guiar-se por quem o caminho já o conhece, dominando as suas falazes promessas, com o passo firme do saber apreendido, de suas vistas enganosas e da inexistência de atalhos salvadores, que ao conhecimento substituir-se possa.
         Seja nos cumes escorregadios, seja nas sinuosas veredas, só esse conhecimento pode garantir marcha decerto árdua e trabalhosa, mas ao cabo propiciar-nos o que as vistas de longe acenam, se o caminho for bem escolhido e confirmado com estudo e prudência.
         Em sua coluna hodierna, Paul Krugman nos diz que Mr Trump  parece estar realmente disposto a voltar atrás no engajamento de oitenta anos dos Estados Unidos em expandir o comércio exterior. Nesta quinta, a Casa Branca disse estar considerando uma tarifa de 20% em todas as importações provenientes do México. Fazer isso, significa retirar não só os EUA do Nafta (acordo de livre comércio entre EUA, México e Canadá), senão de todos os acordos de comércio assinados por Tio Sam.
          Trump, segundo explica Krugman, deseja implementar essas novas regras, porque ele vê o comércio internacional como uma luta pela dominação, em que alguém só pode ganhar à custa de outrem.
           Sem o saber, o novo Presidente tem uma visão mercantilista da economia, em que alguém só pode ganhar por conta da perda de outrem.
            De acordo com Krugman, isso é uma falácia. A alça tarifária pode lograr reversão parcial do longo declínio do emprego nas manufaturas, mas não haverá um ganho líquido, apenas reajuste nas colocações do emprego.
           E talvez, nem mesmo isso.  Krugman  mostra que os anos de Ronald Reagan dão ideia de o que vai realmente ocorrer. 
           No resumo do Nobel Krugman o que ocorreu nos anos Reagan foi o seguinte: com o incremento das despesas militares, Reagan aumentou o déficit orçamentário. Essa tendência agravou-se com os cortes nos impostos. Com o consequente incremento da procura por dólares, aumentaram os juros, a que se seguiu o ingresso maciço de capital estrangeiro. O US dólar tornou-se mais forte, e, em consequência da elevação dos preços das mercadorias industriais  a manufatura americana deixou de ser competitiva.  Daí, cresceu o déficit comercial - e o declínio de longo prazo na parte dos manufaturados nas oportunidades em geral de emprego.
           Ao contrário da lenda, portanto, foi nos anos Reagan que se generalizou a menção de "desindustrialização" e o uso do termo "cinturão da ferrugem" tornou-se geral.
            Há grande probabilidade que a história se repita. De um lado, o regime Trump vai aumentar o déficit, com cortes  de imposto para os ricos. Tampouco isso vai aumentar a despesa, porque os ricos costumam poupar, enquanto pobres e classe média enfrentarão substanciais cortes nos benefícios. Além disso, as taxas de juro vão aumentar diante da subida dos empréstimos. Também o dólar vai ficar mais caro.  Aí temos a receita de Reagan para encolher a indústria manufatureira.
             Sem embargo, como Trump está pronto a valer-se de um protecionismo mais extremo do que Reagan - que evitou claras violações de acordos comerciais vigentes - o que poderia ajudar algumas indústrias manufatureiras. No entanto, o valor do dólar vai subir, o que prejudicará a outras indústrias.
              Não se pode esquecer, porém, que desde Reagan as coisas mudaram bastante. A indústria manufatureira é  empreendimento global, no qual carros, aviões e etc. são montados por componentes produzidos em muitos países.
               Se o método à la bruta for empregado quanto aos acordos internacionais no comércio, tais acordos internacionais sofrerão e muito. Assim, algumas indústrias americanas poderão beneficiar-se, mas outras serão atingidas pela perda de mercados ou de peças essenciais, ou mesmo de ambos.
               Os maiores perdedores - como no caso do ACA (Lei da assistência sanitária custeável) - serão os votantes brancos de classe operária que foram tolos o bastante para acreditarem que Trump estava do lado deles.



( Fonte: Miguel de Cervantes, Don Quixote; artigo de Paul Krugman, em The New York Times  )

Nenhum comentário: