Assim como alguém sai de estreito
aposento com ar confinado, ansioso por respirar o oxigênio que demora nas altas
montanhas, do mesmo modo reunirá mais condições de entender o que Trump prepara
para aqueles infelizes que nele votaram, e dessarte com a bengala da alheia
sapiência, vir a poder esperar como alguém que, ainda meio ofuscado pelo
conhecimento amigo, possa ter fé e até mesmo acreditar, seja contra a louca,
ignava esperança, seja até terçando armas em demenciais arremetidas contra os
moínhos gigantes de vento.
Nessa trilha arriscada, que bordeja
abismos e promete o enlevo de ledas, refrigerantes paisagens, será oportuno
guiar-se por quem o caminho já o conhece, dominando as suas falazes promessas, com
o passo firme do saber apreendido, de suas vistas enganosas e da inexistência
de atalhos salvadores, que ao conhecimento substituir-se possa.
Seja nos cumes escorregadios, seja nas
sinuosas veredas, só esse conhecimento pode garantir marcha decerto árdua e
trabalhosa, mas ao cabo propiciar-nos o que as vistas de longe acenam, se o
caminho for bem escolhido e confirmado com estudo e prudência.
Em sua coluna hodierna, Paul Krugman
nos diz que Mr Trump parece estar
realmente disposto a voltar atrás no engajamento de oitenta anos dos Estados
Unidos em expandir o comércio exterior. Nesta quinta, a Casa Branca disse estar
considerando uma tarifa de 20% em todas as importações provenientes do México.
Fazer isso, significa retirar não só os EUA do Nafta (acordo de livre comércio entre EUA, México e Canadá), senão
de todos os acordos de comércio assinados por Tio Sam.
Trump, segundo explica Krugman,
deseja implementar essas novas regras, porque ele vê o comércio internacional
como uma luta pela dominação, em que alguém só pode ganhar à custa de outrem.
Sem o saber, o novo Presidente tem
uma visão mercantilista da economia, em que alguém só pode ganhar por conta da
perda de outrem.
De acordo com Krugman, isso é uma falácia.
A alça tarifária pode lograr reversão parcial do longo declínio do emprego nas
manufaturas, mas não haverá um ganho líquido, apenas reajuste nas colocações do
emprego.
E talvez, nem mesmo isso. Krugman
mostra que os anos de Ronald Reagan dão ideia de o que vai realmente
ocorrer.
No resumo do Nobel Krugman o que
ocorreu nos anos Reagan foi o seguinte: com o incremento das despesas
militares, Reagan aumentou o déficit orçamentário. Essa tendência agravou-se
com os cortes nos impostos. Com o consequente incremento da procura por
dólares, aumentaram os juros, a que se seguiu o ingresso maciço de capital
estrangeiro. O US dólar tornou-se
mais forte, e, em consequência da elevação dos preços das mercadorias
industriais a manufatura americana
deixou de ser competitiva. Daí, cresceu
o déficit comercial - e o declínio de longo prazo na parte dos manufaturados nas
oportunidades em geral de emprego.
Ao contrário da lenda, portanto, foi
nos anos Reagan que se generalizou a menção de "desindustrialização"
e o uso do termo "cinturão da
ferrugem" tornou-se geral.
Há grande probabilidade que a história
se repita. De um lado, o regime Trump vai aumentar o déficit, com cortes de imposto para os ricos. Tampouco isso vai
aumentar a despesa, porque os ricos costumam poupar, enquanto pobres e classe
média enfrentarão substanciais cortes nos benefícios. Além disso, as taxas de
juro vão aumentar diante da subida dos empréstimos. Também o dólar vai ficar
mais caro. Aí temos a receita de Reagan
para encolher a indústria manufatureira.
Sem embargo, como Trump está
pronto a valer-se de um protecionismo mais extremo do que Reagan - que evitou
claras violações de acordos comerciais vigentes - o que poderia ajudar algumas
indústrias manufatureiras. No entanto, o valor do dólar vai subir, o que
prejudicará a outras indústrias.
Não se pode esquecer, porém, que
desde Reagan as coisas mudaram bastante. A indústria manufatureira é empreendimento global, no qual carros, aviões
e etc. são montados por componentes produzidos em muitos países.
Se o método à la bruta for empregado quanto aos acordos internacionais no
comércio, tais acordos internacionais sofrerão e muito. Assim, algumas
indústrias americanas poderão beneficiar-se, mas outras serão atingidas pela
perda de mercados ou de peças essenciais, ou mesmo de ambos.
Os maiores perdedores - como no caso do ACA (Lei da assistência sanitária
custeável) - serão os votantes brancos de classe operária que foram tolos o
bastante para acreditarem que Trump estava do lado deles.
( Fonte: Miguel de Cervantes, Don Quixote; artigo de Paul Krugman, em
The New York Times )
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