terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Anomia penal (II)

                                          

        Este ambiente sem lei, que caracteriza a anomia, é fenômeno que se caracteriza pela relativa facilidade de difusão, se para tanto existam as condições mínimas para que tal fenômeno se torne possível.
       E qual é a razão para que se espalhe por esses Brasis afora, como qualquer um pode verificar neste momento?

       Sua causa é muito simples. Trata-se da falta de qualquer ordem no sistema carcerário brasileiro. A terceirização, quando levada a tais extremos, sem o devido controle do Estado - como se verificou em Manaus - pode descambar na desordem, pela sua rápida difusão, atingindo  estabelecimentos penais em que preexistam as condições para seguir o exemplo dado pelo presídio que sediou o primeiro episódio da barbárie, em que se assiste à inversão do esquema que prevalece nas cadeias.
        Ao contrário daqueles presídios-modelo, de alta segurança, em que é respeitada a impossibilidade de comunicação dos presos com o ambiente exterior, nos demais, pela porosidade das transmissões modernas, como uma mancha de azeite, a sublevação - com todas as características - é transmitida celeremente para o restante do sistema prisional.
        Quanto mais corrupto e mais desregulado for o ambiente recipiendário - reporto-me a cada estabelecimento penal que fique ciente das revoltas nas prisões e da consequente tomada de controle pelo crime organizado - mais rápida e abrangente se realizará a infectação do sistema, com todas as consequências dos fenômenos anteriores - ora imitados com grande receptividade.

         Como se sabe, na maioria das incidências, o descaso do Poder público, ou a sua impotência para manter a ordem dentro do presídio - o que vem a dar no mesmo - tende a criar as condições mais propícias para a irradiação do fenômeno - os servos viram senhores, os seus inimigos - sejam eles outros presos ou mesmo funcionários diligentes, que não se corrompam - são todos 'candidatos' ao massacre, que depois dos motins de Manaus e de áreas vizinhas, tendem a captar com grande elã a vaga de selvageria encetada pela antiga capital da borracha.

          Na verdade, seria injusto atribuir ao presídio de Manaus a causa primária do fenômeno. Ela é, na verdade, determinada pela anomia (falta de regra ou de governo) que lá se implanta pela terceirização dos serviços nesse estabelecimento penal, com a superveniência de um ambiente que constitua uma caricatura do sistema penal, eis que os presos estão submetidos a outra servidão, que se sobrepõe àquela estabelecida legalmente.
           São situações que surgem, pela negligência ou corrupção do serviço público, e que suplantam o sistema prisional, que apenas preexiste para inglês ver. Resulta daí, portanto, a cruel e sangrenta caricatura do sistema prisional - como o Estado vem tolerando a existência em muitos cárceres como o de Porto Alegre, o do Recife e em muitos outros, muito provavelmente.

           As cadeias, ao invés de locais de correção e de criação de condições para que os encarcerados sejam habilitados a retomar existência civil com possibilidade concreta de reinserção na sociedade, se transformaram em centros de 'aperfeiçoamento' do crime organizado, a par de câmaras de informação quanto a outras práticas criminosas.

           Todo esse processo, ora reiniciado pelo massacre de Manaus - que doravante se torna a 'matéria de aperfeiçoamento' para um ávido sistema prisional, na prática até hoje semiabandonado pelo setor público por ele responsável, por uma série de fatores: falta de incentivo político de despejar verbas tendentes a aperfeiçoá-lo e a ficar em condições de atender ao que a sociedade dele espera (vale dizer, a ressocialização do condenado).

             A frase do Ministro de Dilma Rousseff - e não se esqueçam que o Ministro da Justiça (competente também para a administração dos presídios) é o mais antigo e prestigioso posto dentro do escalão político-administrativo - que"preferia a morte a ser mandado para uma prisão" constitui pela sua franqueza a maior censura que se possa fazer à administração pública nesse setor. Pois esse abandono dos cárceres não é senão o resultado do deficiente atendimento das mínimas necessidades desses presídios. Não será através da terceirização do serviço dos cárceres - como se viu em Manaus - que se criarão condições para que este serviço público volte a atender plenamente às próprias funções.



( Fontes:  O Globo, Folha de S. Paulo )

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