Este ambiente sem lei, que caracteriza
a anomia, é fenômeno que se caracteriza pela relativa facilidade de difusão, se
para tanto existam as condições mínimas para que tal fenômeno se torne
possível.
E qual é a razão para que se espalhe por
esses Brasis afora, como qualquer um pode verificar neste momento?
Sua causa é muito simples. Trata-se da
falta de qualquer ordem no sistema carcerário brasileiro. A terceirização,
quando levada a tais extremos, sem o devido controle do Estado - como se
verificou em Manaus - pode descambar na desordem, pela sua rápida difusão, atingindo
estabelecimentos penais em que
preexistam as condições para seguir o exemplo dado pelo presídio que sediou o
primeiro episódio da barbárie, em que se assiste à inversão do esquema que
prevalece nas cadeias.
Ao contrário daqueles presídios-modelo,
de alta segurança, em que é respeitada a impossibilidade de comunicação dos
presos com o ambiente exterior, nos demais, pela porosidade das transmissões
modernas, como uma mancha de azeite, a sublevação - com todas as
características - é transmitida celeremente para o restante do sistema
prisional.
Quanto mais corrupto e mais desregulado
for o ambiente recipiendário - reporto-me a cada estabelecimento penal que fique
ciente das revoltas nas prisões e da consequente tomada de controle pelo crime
organizado - mais rápida e abrangente se realizará a infectação do sistema, com
todas as consequências dos fenômenos anteriores - ora imitados com grande
receptividade.
Como se sabe, na maioria das incidências, o
descaso do Poder público, ou a sua impotência para manter a ordem dentro do
presídio - o que vem a dar no mesmo - tende a criar as condições mais propícias
para a irradiação do fenômeno - os servos viram senhores, os seus inimigos -
sejam eles outros presos ou mesmo funcionários diligentes, que não se corrompam
- são todos 'candidatos' ao massacre, que depois dos motins de Manaus e de áreas
vizinhas, tendem a captar com grande elã a vaga de selvageria encetada pela
antiga capital da borracha.
Na verdade, seria injusto atribuir ao
presídio de Manaus a causa primária do fenômeno. Ela é, na verdade, determinada
pela anomia (falta de regra ou de
governo) que lá se implanta pela terceirização dos serviços nesse
estabelecimento penal, com a superveniência de um ambiente que constitua uma
caricatura do sistema penal, eis que os presos estão submetidos a outra
servidão, que se sobrepõe àquela estabelecida legalmente.
São situações que surgem, pela
negligência ou corrupção do serviço público, e que suplantam o sistema
prisional, que apenas preexiste para inglês ver. Resulta daí, portanto, a cruel
e sangrenta caricatura do sistema prisional - como o Estado vem tolerando a
existência em muitos cárceres como o de Porto Alegre, o do Recife e em muitos
outros, muito provavelmente.
As cadeias, ao invés de locais de correção e
de criação de condições para que os encarcerados sejam habilitados a retomar existência
civil com possibilidade concreta de reinserção na sociedade, se transformaram
em centros de 'aperfeiçoamento' do crime organizado, a par de câmaras de
informação quanto a outras práticas criminosas.
Todo esse processo, ora reiniciado
pelo massacre de Manaus - que doravante se torna a 'matéria de aperfeiçoamento'
para um ávido sistema prisional, na prática até hoje semiabandonado pelo setor
público por ele responsável, por uma série de fatores: falta de incentivo
político de despejar verbas tendentes a aperfeiçoá-lo e a ficar em condições de
atender ao que a sociedade dele espera (vale dizer, a ressocialização do
condenado).
A frase do Ministro de Dilma
Rousseff - e não se esqueçam que o Ministro da Justiça (competente também para
a administração dos presídios) é o mais antigo e prestigioso posto dentro do
escalão político-administrativo - que"preferia a morte a ser mandado para
uma prisão" constitui pela sua franqueza a maior censura que se possa
fazer à administração pública nesse setor. Pois esse abandono dos cárceres não
é senão o resultado do deficiente atendimento das mínimas necessidades desses
presídios. Não será através da terceirização do serviço dos cárceres - como se
viu em Manaus - que se criarão condições para que este serviço público volte a
atender plenamente às próprias funções.
( Fontes: O Globo, Folha de S.
Paulo )
Nenhum comentário:
Postar um comentário