No Brasil existe provérbio que poderá
ser confirmado muito em breve nos EUA: não deseja muito uma coisa, pois ela
pode acontecer. Aprovada no tempo em que os democratas tinham maioria na Câmara
e no Senado, nos dois primeiros anos da
Administração Barack Obama, a Lei do Seguro Médico Custeável (ACA) virou bicho-papão para o Partido
Republicano.
Alcançada a presidência e a maioria no
Senado - na Câmara dos Deputados, enquanto as Cortes de Justiça não fizerem o
que deve ser feito, a falsa maioria do gerrymander
permanecerá - o GOP dispõe de sufrágios
suficientes para derrubar a reforma sanitária de Barack Obama, que os
republicanos tentam manchar sob o apelido de Obamacare.
Falta a muitos dos republicanos a
responsabilidade de admitir que ainda não dispõem de substituto adequado para o
ACA. Com efeito, a maior parte dos
peritos e da indústria sanitária - inclusive associações comerciais que
representam seguradores, hospitais e médicos - já advertiram que revogar a lei
sem um substitutivo adequado pode ser desastroso.
Por outro lado, o seguro sanitário ao não ver futuro de longo prazo para a Lei
não terá incentivo em oferecer planos que esteja disposto a bancar. E as tão faladas Câmaras de seguro sanitário
que foram criadas pelo ACA cairão por
conta da insegurança jurídica, irresponsavelmente criada pelo Congresso
republicano ao repudiar o mandato individual que habilita a adquirir o seguro
sanitário, ou até mesmo rebaixar os subsídios que permitem aos interessados
adquirir as apólices.
Com grande oportunidade, nesta hora da
onça beber água, The New York Times
nos relembra das ocasiões perdidas pelo Presidente Barack Obama de divulgar
para o Povo americano os benefícios trazidos pela Lei do Seguro Sanitário e
quais são os perigos de sua revogação.
Sabemos que pelo voto popular, a
candidata Hillary Clinton teve três milhões de sufrágios a mais do que seu adversário Donald
Trump. Será outro republicano a vencer pelo voto indireto, como foi também o
caso de George W. Bush contra Albert V. Gore, mas nesse último caso com a
agravante de que, além de perder no sufrágio popular, Bush júnior ganhou graças
à primeira intervenção direta no processo eleitoral da Suprema Corte (com
maioria do GOP, é claro)!
Movido por motivos ideológicos, o
Partido Republicano quer porque quer acabar com a Lei da Reforma Sanitária, e
que vá à breca a base da sustentação dessa grande reforma. A oposição dos
republicanos ao que chamam de Obamacare é visceral, como é também visceral o
antagonismo a tudo o que venha do outro lado parlamentar.
A motivação é basicamente política,
e não se funda em realidades factuais. Exemplo disso está na circunstância de
que Mitt Romney candidato republicano a presidente, derrotado por Barack Obama
em 2012,como governador de Massachusetts aprovara reforma sanitária que forneceu
o modelo para o ACA. A repulsa dos republicanos foi tal, que Romney, enquanto
candidato presidencial, se viu forçado a renegar o seu comprometimento com a
reforma médica estadual - que fora da lavra da própria administração
republicana estadual - pela simples razão de que, para todos os efeitos, essa
reforma sanitária se tornara Obamacare
para os políticos republicanos a nível nacional...
E aí está o vício fundamental que
marca a atual campanha do GOP contra o ACA. Ele se baseia em ocas motivações de
fundo ideológico que pouco ou nada têm a ver com o interesse do Povo americano.
E em chegando a tal ponto, no
frigir dos ovos da política, os supostos ideólogos republicanos, querem porque
querem derrubar o tal Obamacare, contra o qual invectivam desde 2010...
Como toda antipolítica - aquela
movida por razões de prestígio e propaganda, sem qualquer base no interesse popular - os
resultados do visceral repúdio do Partido Republicano à reforma de saúde serão
extremamente negativos para quem precisa de assistência médica.
Infelizmente, em política, nem
tudo que é vazio está destinado à lata de lixo da história. Na Pennsylvania
(956 mil) e um milhão de pessoas seja na Georgia, seja na Carolina do Norte,
vão ficar sem cobertura do ACA por terem votado em Donald Trump e nos
candidatos republicanos ao Congresso.
Porque o GOP, com escassa maioria
de 52 contra 48 no Senado, tenta evitar o filibuster[1] pelos democratas, através
da recomendação a comitês congressuais para redigirem projeto de reconciliação
orçamentária, de modo a repudiar a regulamentação do ACA em termos de imposto e
de provisões de despesa, retirando-lhe os fundos previstos pelo Orçamento e com
isso aumentando o déficit. Com as suas inchadas maiorias, vindas do gerrymander, a Câmara de
Representantes não terá dificuldade de repercutir a manobra por ela realizadas
dezenas de vezes (até hoje, felizmente, sem qualquer resultado útil). Será
diferente agora, quando os fanáticos anti-Reforma Sanitária se valem de um
truque orçamentário para mudar a política fiscal, com as danosas consequências
para o Povo Americano que se prenunciam.
As esperanças de reviravolta pró-ACA são tênues, mas existem. À parte os
ideológos direitistas fanatizados, o GOP
ainda tem políticos que valorizam o próprio voto, tendo presente o interesse do
Povo americano. Dessarte, este grupo
inclui Susan Collins, senadora pelo
estado do Maine, que votou contra um
similar projeto de reconciliação orçamentária, em 2015, porque retiraria fundos
da Paternidade Planejada; Bob Corker e Lamar Alexander, ambos senadores do Tennessee, que declararam
preferir repudiar algo desde que o possam substituir com outra válida medida; John McCain,
do Arizona, que sublinhou para a imprensa "que precisamos concentrar nossos
esforços em assegurar que ninguém fique sem suporte válido"; e Rand
Paul, do Kentucky, a quem preocupa que a rejeição possa aumentar muito a
dívida da Federação.
Procurar estropiar o Affordable Care Act (a Reforma
Sanitária, também conhecida como Lei do Tratamento Custeável), por uma
manipulação de voto, de âmbito orçamentário, e não um instrumento de grande
relevância, que estabilizou o mercado sanitário, e deu ao joão ninguém assim
como ao americano comum a possibilidade de dispor de uma base acessível para
bancar os respectivos custos médicos - atualizando de resto a legislação
americana ao que dispõe a lei de tantos outros países industrializados - não
deveria merecer o sórdido tratamento, assim como a desonestidade intelectual
que caracteriza a sectária oposição à Reforma Sanitária. Os seus apoiadores,
como os irmãos petroleiros Koch, os
membros da facção Tea Party, e o vasto segmento de energúmenos que se empenham
em desbaratar o ACA , não pelo que significa, mas pela abstrusa razão de sua
procedência democrata, podem estar preparando com exemplar diligência a
desgraça médica e a ruína particular de muitos infelizes, que acreditaram nas
ocas palavras de demagogos irresponsáveis, como o futuro 46º Presidente.
Erros
tais não ficam decerto impunes. O único problema é que esse exemplar conjunto
de má-fé, burrice convicta, e cínico
oportunismo eleitoreiro vá provocar, se acaso tiver êxito, muitas desgraças,
infortúnio e, sobretudo, inútil sofrimento.
A
estupidez, por organizada e numerosa que seja, acabará desembocando na vasta
cloaca a que se destinam as loucuras da História. O triste disso tudo é que
geralmente quem paga por essa estupidez são os que tem menos defesas contra
ela.
Não se
deve ter dúvidas em como toda essa armação republicana vá terminar. Decerto
muito mal, mas quanta gente será penalizada porque um bando de imbecis dotados
de grande convicção desembestaram por essa estrada da demagogia?
( Fonte: The New York Times )
[1]
recurso parlamentar das minorias, que consiste em 'matar' propostas
legislativas ao assumir a palavra e continuá-la de modo indefinido, até que seja
declarado o fechamento da questão (cloture) pela impossibilidade do voto.
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