quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

A desastrosa demagogia do GOP na Saúde

                        

       No Brasil existe provérbio que poderá ser confirmado muito em breve nos EUA: não deseja muito uma coisa, pois ela pode acontecer. Aprovada no tempo em que os democratas tinham maioria na Câmara e no Senado,  nos dois primeiros anos da Administração Barack Obama, a Lei do Seguro Médico Custeável (ACA) virou bicho-papão para o Partido Republicano.

      Alcançada a presidência e a maioria no Senado - na Câmara dos Deputados, enquanto as Cortes de Justiça não fizerem o que deve ser feito, a falsa maioria do gerrymander permanecerá - o GOP dispõe de sufrágios suficientes para derrubar a reforma sanitária de Barack Obama, que os republicanos tentam manchar sob o apelido de Obamacare.

      Falta a muitos dos republicanos a responsabilidade de admitir que ainda não dispõem de substituto adequado para o ACA. Com efeito, a maior parte dos peritos e da indústria sanitária - inclusive associações comerciais que representam seguradores, hospitais e médicos - já advertiram que revogar a lei sem um substitutivo adequado pode ser desastroso. Por outro lado, o seguro sanitário ao não ver futuro de longo prazo para a Lei não terá incentivo em oferecer planos que esteja disposto a bancar.  E as tão faladas Câmaras de seguro sanitário que foram criadas pelo ACA cairão por conta da insegurança jurídica, irresponsavelmente criada pelo Congresso republicano ao repudiar o mandato individual que habilita a adquirir o seguro sanitário, ou até mesmo rebaixar os subsídios que permitem aos interessados adquirir as apólices. 

       Com grande oportunidade, nesta hora da onça beber água, The New York Times nos relembra das ocasiões perdidas pelo Presidente Barack Obama de divulgar para o Povo americano os benefícios trazidos pela Lei do Seguro Sanitário e quais são os perigos de sua revogação.

         Sabemos que pelo voto popular, a candidata Hillary Clinton teve três milhões de sufrágios a mais do que seu adversário Donald Trump. Será outro republicano a vencer pelo voto indireto, como foi também o caso de George W. Bush contra Albert V. Gore, mas nesse último caso com a agravante de que, além de perder no sufrágio popular, Bush júnior ganhou graças à primeira intervenção direta no processo eleitoral da Suprema Corte (com maioria do GOP, é claro)!

           Movido por motivos ideológicos, o Partido Republicano quer porque quer acabar com a Lei da Reforma Sanitária, e que vá à breca a base da sustentação dessa grande reforma. A oposição dos republicanos ao que chamam de Obamacare é visceral, como é também visceral o antagonismo a tudo o que venha do outro lado parlamentar.

           A motivação é basicamente política, e não se funda em realidades factuais. Exemplo disso está na circunstância de que Mitt Romney candidato republicano a presidente, derrotado por Barack Obama em 2012,como governador de Massachusetts aprovara reforma sanitária que forneceu o modelo para o ACA. A repulsa dos republicanos foi tal, que Romney, enquanto candidato presidencial, se viu forçado a renegar o seu comprometimento com a reforma médica estadual - que fora da lavra da própria administração republicana estadual - pela simples razão de que, para todos os efeitos, essa reforma sanitária se tornara Obamacare para os políticos republicanos a nível nacional...

              E aí está o vício fundamental que marca a atual campanha do GOP contra o ACA. Ele se baseia em ocas motivações de fundo ideológico que pouco ou nada têm a ver com o interesse do Povo americano.

             E em chegando a tal ponto, no frigir dos ovos da política, os supostos ideólogos republicanos, querem porque querem derrubar o tal Obamacare, contra o qual invectivam desde 2010...

             Como toda antipolítica - aquela movida por razões de prestígio e propaganda, sem  qualquer base no interesse popular - os resultados do visceral repúdio do Partido Republicano à reforma de saúde serão extremamente negativos para quem precisa de assistência médica.
             Infelizmente, em política, nem tudo que é vazio está destinado à lata de lixo da história. Na Pennsylvania (956 mil) e um milhão de pessoas seja na Georgia, seja na Carolina do Norte, vão ficar sem cobertura do ACA por terem votado em Donald Trump e nos candidatos republicanos ao Congresso.

              Porque o GOP, com escassa maioria de 52 contra 48 no Senado, tenta evitar o filibuster[1] pelos democratas, através da recomendação a comitês congressuais para redigirem projeto de reconciliação orçamentária, de modo a repudiar a regulamentação do ACA em termos de imposto e de provisões de despesa, retirando-lhe os fundos previstos pelo Orçamento e com isso aumentando o déficit. Com as suas inchadas maiorias,  vindas do gerrymander, a Câmara de Representantes não terá dificuldade de repercutir a manobra por ela realizadas dezenas de vezes (até hoje, felizmente, sem qualquer resultado útil). Será diferente agora, quando os fanáticos anti-Reforma Sanitária se valem de um truque orçamentário para mudar a política fiscal, com as danosas consequências para o Povo Americano que se prenunciam.

                As esperanças de reviravolta pró-ACA são tênues, mas existem. À parte os ideológos direitistas fanatizados, o GOP ainda tem políticos que valorizam o próprio voto, tendo presente o interesse do Povo americano. Dessarte,  este grupo inclui Susan Collins, senadora pelo estado do Maine, que votou contra um similar projeto de reconciliação orçamentária, em 2015, porque retiraria fundos da Paternidade Planejada; Bob Corker e Lamar Alexander, ambos senadores do Tennessee, que declararam preferir repudiar algo desde que o possam substituir com outra válida medida; John McCain, do Arizona, que sublinhou para a imprensa "que precisamos concentrar nossos esforços em assegurar que ninguém fique sem suporte válido";  e Rand Paul, do Kentucky, a quem preocupa que a rejeição possa aumentar muito a dívida da Federação.  

               Procurar estropiar o Affordable Care Act (a Reforma Sanitária, também conhecida como Lei do Tratamento Custeável), por uma manipulação de voto, de âmbito orçamentário, e não um instrumento de grande relevância, que estabilizou o mercado sanitário, e deu ao joão ninguém assim como ao americano comum a possibilidade de dispor de uma base acessível para bancar os respectivos custos médicos - atualizando de resto a legislação americana ao que dispõe a lei de tantos outros países industrializados - não deveria merecer o sórdido tratamento, assim como a desonestidade intelectual que caracteriza a sectária oposição à Reforma Sanitária. Os seus apoiadores, como os irmãos petroleiros Koch,  os membros da facção Tea Party, e o vasto segmento de energúmenos que se empenham em desbaratar o ACA , não pelo que significa, mas pela abstrusa razão de sua procedência democrata, podem estar preparando com exemplar diligência a desgraça médica e a ruína particular de muitos infelizes, que acreditaram nas ocas palavras de demagogos irresponsáveis, como o futuro 46º Presidente.

              Erros tais não ficam decerto impunes. O único problema é que esse exemplar conjunto de má-fé,  burrice convicta, e cínico oportunismo eleitoreiro vá provocar, se acaso tiver êxito, muitas desgraças, infortúnio e, sobretudo, inútil sofrimento.

               A estupidez, por organizada e numerosa que seja, acabará desembocando na vasta cloaca a que se destinam as loucuras da História. O triste disso tudo é que geralmente quem paga por essa estupidez são os que tem menos defesas contra ela.

                Não se deve ter dúvidas em como toda essa armação republicana vá terminar. Decerto muito mal, mas quanta gente será penalizada porque um bando de imbecis dotados de grande convicção desembestaram por essa estrada da demagogia?

( Fonte: The New York Times )



[1] recurso parlamentar das minorias, que consiste em 'matar' propostas legislativas ao assumir a palavra e continuá-la de modo indefinido, até que seja declarado o fechamento da questão (cloture) pela impossibilidade do voto.

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