domingo, 29 de janeiro de 2017

Carta a Hillary

                                      
        Escrever sobre Hillary Clinton agora que a banda passou, o concurso terminou parece sempre mais difícil.
         Achei engraçado, estranho mesmo que  Donald Trump se tenha encasquetado que a vitória de Hillary na votação popular haja sido o fruto de... fraude eleitoral.
      Essa alegação parece patética demais para que se pense dar-lhe  uma resposta séria. Sem embargo, ela nos convence de outro fato, que também semelha inegável.
         
         Pois Donald Trump continua a ser o menino mimado que está destinado a herdar todo o poder do próprio pai... e quem sabe, muito mais.
          Que Donald John Trump não se contenta com pouco.  E é exatamente por isso que é difícil para ele conviver com o fato de que a hodierna Hillary,  a que a mídia cita sempre menos, e quando o faz, carrega no aspecto picaresco  (Hillary, a estóica) - além de achar bizarro que a sua obsessão em diminuir - ou melhor reverter - a vantagem obtida pela adversária em uma potoca da mídia, como se fossem votos de imigrantes ilegais...
            Não sei como Trump vai terminar - a mega-confusão aprontada  pela Ordem Executiva contra o Islam já mostra que a confusão e o caráter primário de sua suposta investida contra o terrorismo não poderia ter sido mais cheia de furos e de inépcias do que a sua campanha - que espalhou sofrimento  por tanta gente - de verdadeiro ferrabrás  obsessivo está demonstrando.
       
         Nada disso ocorre à toa.  Mr Trump desperdiça a boa vontade e o respeito devido ao presidente iniciante.  Se a sua incapacidade ou falta de visão vai sendo demonstrada sob os olhares nervosos de seus até aqui fiéis partidários, e se nesse exercício  o campeão da direita vai desperdiçando a sua mágica de invencibilidade, a aliança que o elegeu sente crescer-lhe o nervosismo que é filho da própria incapacidade.
       Entende-se que o discurso dos republicanos mude se é feito no segredo das câmaras - porque como se traduzirá o desastre anunciado com o Obamacare? É fácil destruir uma legislação que beneficia vinte milhões de eleitores?  Teoricamente, sim, porque o GOP dispõe da maioria nas duas casas - a primeira, a da Câmara de Representantes, com o gerrymander; a segunda, no Senado, a cada dois anos, em pleitos abertos e sem maracutaias. Trocando em miúdos, a primeira é uma rocha, mas sujeita a chuvas e trovoadas se os ventos mudarem, e a Justiça começar a determinar a refeitura dos distritos eleitorais, hoje em muitos estados desenhados na lógica bandida inventada por aquele governador do Massachusetts, no século dezenove.


                   Então, se o governo Trump gastar toda ou quase toda a sua popularidade em canoas furadas, as consequências não tardarão a sobrevir no Legislativo. Um presidente impopular não tem coat-tails - aquelas abas de casacão que ajudam os demais políticos do mesmo partido a se reelegerem.
                    Mas tudo isso não é pr'a já. É decerto um processo lento, mas nada como erros garrafais - a exemplo dessa campanha contra os muçulma-nos - para preparar e amaciar o terreno, e tornar o que parecia impossível, possível.

                    E é aí que Hillary Clinton deve entrar. Primeiro para desmentir a campanha de mentiras que foi feita contra ela. Segundo, manter vivo o esbulho do canal privado de seu computador.  Terceiro,  esquecer  James B. Comey, mas lembrar a ajuda pontual que deu ao adversário, e não por uma só vez, para duas e meia.

                 Será acaso necessário ficar longe de amigos como Barack Obama?  Não creio que seja o caso.  Talvez o maior erro dele tenha sido confirmar o republicano James Comey. O bipartidismo só existe se ambos estão dispostos a reanimá-lo. Não vejo no GOP esse ânimo... Mas não choremos sobre o leite derramado, as acusações  sobre a maneira sloppy de tratar as comunicações, e os dois patéticos chamados à atenção do Diretor Comey aos amigos do Congresso,  os dois contrários ao regulamento da Secretaria da Justiça, mas o último, convenhamos, foi uma tacada daquelas de nocautear a adversária...
              
                  Hillary, não esqueça os seus amigos. Começando pelos afro-americanos. Volte a frequentar as passeatas de mulheres. Por mais que a atitude de muitas seja de desconfiança, elas têm diante de si o que representa o erro de apoiar a quem não tem condições de chegar lá. 
                        Se não deve ter dúvida de que Donald J.Trump pelo seu primitivismo e pelo horror de sua política republicana será um de seus grandes eleitores,  não esqueça nunca os negros, os latinos e as  mulheres. Queiram ou não,  eles são a sua grande base.  Há muito ódio, muita inveja, muita mesquinharia ainda solta, não só contra os Clinton, mas também no Partido Democrata.
                        
                        E, sobretudo, não tenha vergonha de fazer política, de mostrar o quão melhor Você e os democratas têm condição de ser, nessa grande aliança das mulheres, dos negros, dos latinos e de toda a comunidade bem-pensante dos Estados Unidos.
                          Os espertos burros podem ganhar uma eleição - conquanto aí esteja a votação popular para mostrar quem realmente tem maioria nesse país.  Por isso, os democratas serão sempre temidos, porque eles não têm medo de eleição, desde que honestas e abertas a todos.  Não é sem razão que o Partido Republicano tem medo do voto e por isso tudo faz para desencorajar a aliança das minorias populares - que todas juntas, como eles bem o sabem - formam a grande e vitoriosa maioria.

                          
                          Confiança, portanto, Hillary, que a partida mal começa!

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