terça-feira, 3 de julho de 2018

O que fazer de Ângela Merkel ou do dilema do Poder


                     

          A  direita na Europa, nunca à vontade sob a liderança de Ângela Merkel, conseguirá livrar-se da firme, avuncular, corajosa Frau Merkel, diante da ameaça do crescimento da direita e da intolerância nas relações humanas?
            Aparentemente, o desafio colocado pela União Cristã Social, de Horst Seehofer seria apenas resultante do temor excessivo diante da ameaça colocada pela dita Alternativa para a Alemanha, que ressurgiu no verão passado, sob o inesperado empurrão da penada da Merkel, corajosamente contrariando a covardia de rigueur de tantos líderes, e abrindo, com incômodo estrépito, para os refugiados da guerra na Síria os portões das aduanas germânicas.
             Cerca de um milhão de infelizes, escorraçados pelo tirano Bashar al-Assad, salvo não de Sunset Boulevard, como para onde os áugures da imprensa já se apressavam em despachá-lo, mas por gospodin Vladimir Putin, que o recebeu em audiência no Kremlin, e com a habitual frieza soube entrever o quão proveitoso lhe seria salvá-lo da estrada para o Tribunal Penal  Internacional (TPI).
              Com efeito, a secular busca pela Rússia dos mares de águas quentes seria afinal satisfeita, com as bases russas bem plantadas na Ásia ocidental, em terras de al-Assad, que in extremis  lhe suplicava a vassalagem. A partir de então, sobre a indômita revolução síria cresceram as sombras da tirania, máxime quando Barack Obama responderia com um não a proposta de Hillary Clinton, então Secretária de Estado, de que fosse dado à revolução síria um apoio mais efetivo do que o prestado até então. Pelas indecisões estadunidenses, o estandarte contra a feroz ditadura de Assad já não contava com o apoio de antes.  Hillary, apoiada por todos os chefes de secretarias americanas com participação naquela luta infinda contra a infame ditadura dos al-Assad,  propunha que a liga dos partisans tivesse o apoio dos Estados Unidos, apoio este que não  se refletiria em mandar para aquelas velhas terras soldados de Tio Sam.
                Para quem movia por tantos anos uma campanha expedicionária contra o taliban no Afeganistão, com as perdas inelutáveis de G.I.s, haveria de surpreender que o Presidente Obama não haja mostrado qualquer entusiasmo pela sugestão de seus Chefes de Departamento, com competência na matéria, a que Hillary, sua Secretária de Estado, encabeçava.
                Por essa razão, a sua companheira de partido, e que na campanha eleitoral de 2008 lhe fora forte concorrente, mas que, quando se abria a Convenção Democrata, contrariando o que lhe sugeria o marido, o ex-Presidente Bill Clinton, renunciou a nela adentrar como candidata à Presidência, por estimar que dividiria o Partido Democrata, e prejudicaria a campanha de Obama. Teve ela naquela oportunidade a nobreza de enjeitar até mesmo os apelos de seu devotado esposo.
                      São difíceis de determinar os motivos porque Obama negaria mais tarde a proposta, ratificada por todos os seus chefes com competência na matéria, de uma coordenação da capacidade americana não de entrar no atoleiro sírio, mas de reforçar aqueles que combatiam por uma Síria livre da infame ditadura dos Assad.  Tanta prudência em negar apoio a quem se batia, em desigualdade de condições, contra o tirano Assad, fará parte das interrogações da História, e dos males que se teria podido evitar - e sequer surgira no horizonte a carantonha horrenda do Exército Islâmico. Ter presente que a dita aliança dos Chefes de Departamento, a que a Secretária de Estado Hilllary Clinton encabeçava, combateria a infame Santa Aliança,  que a redesperta cobiça do Senhor do Kremlin saberia empregar a bom termo.
                        Em trabalho meu sobre a Guerra Civil Síria, datado de 22 de fevereiro do corrente ano, reportei-me ainda uma vez à sonora negativa de Barack Obama à solicitação  da  então Chefe do Departamento de Estado, Hillary Clinton, que, em próprio nome e no de todas as demais autoridades do governo americano, com competência na matéria, ponderou ao 44º presidente "do grande interesse  estadunidense de apoiar de todas as formas, excluído o envio de tropas americanas, os rebeldes na Síria, que tinham o apoio da Liga Árabe e que defendiam nessa conflagração a bandeira da democracia, e não a da ditadura."
                          Sem querer cansar o leitor,  creio importante que se tenha presente essa grande oportunidade de defender a causa da democracia - ou da maior liberdade, neste mundo, vasto mundo de condicionamentos cruéis - que se busque recordar a fotografia de uma criança de três anos de idade, refugiada ela também, trazida por pais igualmente nessa condição, e cujo corpo se transforma em anti-monumento à crueldade estúpida daqueles que se crêem poderosos.  Por artes de tantos grandes homens, alguns por fraqueza, e outros por crispada má-disposição, o seu corpo inerme foi carregado pela mídia e, em um mundo empedernido e indiferente, tocou a muitos pela sua inexpressa mensagem de uma paz que a colusão da tibieza e da estupidez mal cobria e tornava a anti-imagem de um tempo desgraçado, que confrontará em clamoroso silêncio, os poderosos de turno, então na balbúrdia da mídia, e mais tarde nos desvãos da memória, que se tarda por vezes em contemplar a inocência dos desgraçados e dos infelizes, cujas imagens jamais atingem os poderosos de turno, nos seus pomposos gabinetes. Só muito mais tarde, quando o bulício dos cortesãos e dos obsessivos do poder, será talvez dado o ensejo de inteirar-se, quem sabe até conscientizar-se de quanto mal tenham feito, apenas assinando despachos, e acreditando construir a própria imortalidade.

(Fontes: blogs sobre a política americana e a guerra civil síria; Carlos Drummond de Andrade)        

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