sábado, 16 de setembro de 2017

Por que a Ilíada?

                              

        Por que não descansei enquanto não completei a minha tradução, fundada na leitura e na colação dos textos, tendo tantos monumentos  à minha frente?  Era como se algo de indefinível me empurrasse, segredando-me que eu deveria tentar lê-la no original, o que fiz,  não enjeitando-lhe, porém,  a tradução de A.T. Murray, que alguns, na pressa da modernidade, chegam até a considerar superada.
       Já dizia Keats que "a thing of beauty is a joy for ever"[1] e aí está o poeta grande da Antiguidade a confirmá-lo. A Ilíada será a mãe de todos os poemas, e tenham presente os muitos  que lhe seguiram, a prestar-lhe a maior homenagem que imaginar-se possa na literatura e no verso, que é a imitação.
       A lista é tão comprida quanto a presença da epopéia na história dos povos. Assim, o rapsode Homero da idade do bronze acena para a inteligência dos helenos, ao contar-lhes os primeiros passos da própria nacionalidade, embebida em sangue e palavra, e mostrando o caminho de um ethnos que escreveria na história dos povos com letras talvez maiores do que a eventual presença de uma gente irrequieta mas imaginosa na história da Humanidade.
         E será por isso que os poetas - esses mentirosos por vocação a quem cabe dizer a verdade aos homens - prestam de bom grado àquele vate - que dizem cego - a suprema homenagem do homem de letras que é a imitação.
        Pois eles, com Virgílio[2] e Luiz de Camões[3], poetas de nacionalidades, não trepidam em seguir-lhe as geniais palavras, como vemos nesses e em tantos outros exemplos, já na Antiguidade, e, mais tarde, passada a dita noite da Idade Média, na idade Moderna, época que com passos maiores decerto empreendem viagens símiles àquelas em que o homem arrostava com estrutura não muito diversa os desafios do desconhecido, que promete riquezas, as quais costumam dissimular-se nos terríveis abraços de monstros e ignotas divindades.        
           Dessarte - e me perdoem os modernos de carteirinha o vocábulo para alguns estranho - mas como diziam homens de letra - que não careciam de adentrar cenáculos literários, para assim aparecerem - através da imitação antigos e modernos prestaram ao grande vate essa suprema homenagem, que é a de abraçá-lo às próprias linhas, como era uso no passado acolher o estranho - que não por acaso pode ser estrangeiro ou não.      
            Pois se não vivíamos os desafios da pós-modernidade, era usança moldar a realidade aos próprios costumes, ainda que fossem povoados - e em certos casos, infestados - por deuses e estranhos monstros.
             Assim, ler Homero não é dádiva pequena - e por isso o acolheram com a suprema homenagem muitos, e em especial, aqueles ditos poetas da nacionalidade, como o de Mântua e o da lusa terra.
            Fala-se em realismo e o quê dizer das palavras das mulheres zangadas na extrema despedida do herói homérico, Heitor, filho de Príamo e de Hécuba, com à frente a sua esposa Andrômacha - que não por acaso tem traços masculinos no nome - que prevê para o ainda bebê choramingão (népios) uma vida miserável, nas mãos de algum torpe Aqueu, e - por deus! - até morte miserável, ao ser jogado em hostil parede por um Aqueu ao 'Senhor da Cidade' (Astianax), que herdou tal nome do nobre pai Heitor, símbolo de época que a ruína de Tróia se apresta em jogar no duro chão dos vencidos.
           Pois eram os poetas e escritores de uma revista hoje criatura de museu que nos mostraram ser, apesar de tudo, a poesia necessária. Não sei se o disseram por sopro de inspiração, ou de clássica leitura, ou por conta de ambas.
           De qualquer modo, a vida seria bem mais cinzenta e menos aprazível se Homero não houvesse moldado o que os pósteros chamariam de civilização. Nesse caminho, o andar pode ter sido por vezes trôpego, e outras incompreensível, mas, por Deus, não quero imaginar história desses personagens varrida.  Como diriam aqueles nossos escritores, que me honra haver conhecido, além do ferro e fogo e as outras maldades de Ares, quem duvida de que a poesia é necessária?



[1] "Uma coisa bela é uma alegria para sempre"
[2] Publius Vergilius Maro  70-19  (ambos a.C.)
[3] Luiz Vaz de Camões (1525-1580)

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