sexta-feira, 8 de setembro de 2017

A triste indecisão de Corbyn e May

                      


        Interessante o artigo de Howard Jacobson no Times de hoje. Fala-nos da falta de convicção ou, quem sabe?, de seriedade dos líderes políticos ingleses.

        A matéria assinada por Jacobson não nos menciona como tudo começara, isto é, a farsesca, incrível mesmo, decisão do então Primeiro Ministro conservador David Cameron quanto à oportunidade de levantar a questão da permanência da Inglaterra no Mercado Comum. Não porque o tema exigisse reação imediata da liderança conservadora. De uma forma que é difícil de engolir - para quem é velho bastante  em haver presenciado primo a luta insana dos então próceres ingleses em embarcar no bonde da Europa unida, diante do veto do general de Gaulle - e secondo, o posterior ingresso da pérfida Álbion no clube de Bruxelas, guiados tanto pelos trabalhistas, quanto por conservadores, afinal livres da tenaz oposição do velho general que trazia, talvez, da permanência forçada na ilha britânica, pelas contingências da luta contra Adolf Hitler, a própria ojeriza pelo supostamente oportunista ingresso inglês no então ainda incipiente Marché Commun.
         Pois a iniciativa partira de David Cameron, primeiro ministro conservador, dentro de  safra que quiçá reflita os baixios na antiga pérfida Álbion. Não é, porém, a decisão de Cameron de relevantar essa questão da permanência ou não da conveniência ou necessidade de Londres apegar-se à aliança continental.
           Espanta, mesmo, e até choca pela total falta de compreensão da questão, e, mais do que isso, a completa separação da consciência nacional britânica da relevância extrema de não perder o trem da História e o da compreensível necessidade de união europeia que transcendesse as quizílias do passado e mergulhasse, com convicção, no interesse comum europeu. Para a liderança britânica daquela época, a Grã-Bretanha tinha de abraçar o comum destino e, sobretudo, interesse em desvencilhar-se dos resquícios do nacionalismo que tristemente marcara a primeira metade do século vinte, com as guerras intestinas que flagelaram as antigas grandes potências europeias.

              Já para o fim do século XX, o new Labour de Tony Blair se não se dissociaria de todo da ênfase dos antecessores, decerto não parecia tão dogmático e convicto da necessidade da integração com o antes temido, ou até julgado não indispensável espaço continental. Daí, mais um referendo, que Blair como que toleraria, dentro da postura de que era apenas um ulterior obstáculo removível no destino europeu do Reino Unido.
              O absurdo muitas vezes sucede ao leviano e impensado. O que Blair julgara apenas mais uma travessia - cujo resultado, pela própria obviedade,  não estaria submetido a qualquer dúvida - viria décadas, mas não muitas, mais tarde, redundar em garrafal erro, decorrente, e não pouco, da falta de entendimento histórico e até mesmo de relevância, da nova liderança conservadora, representada por David Cameron, que sempre ostentara certo alheamento atitudinal quanto à eventual conveniência de Londres permanecer na organização de Bruxelas. Ao cabo de um punhado de décadas, o que fora sentido como necessidade inelutável do povo insular de integrar-se com a gente do Continente, voltava atrás, na escala das prioridades,  e de novo tornava a ser visto como se fosse um aut - aut,   o que se refletiria na crassa displicência do então ainda Primeiro Ministro David Cameron - cuja presença na primeira linha jámais insinuava a visão deformada dos valores a serem perseguidos. Heath e outros mais que tinham empenhado carreira e o futuro político ao empolgar o desafio do ingresso no Mercado Comum, como poderiam acreditar que um não tão longínquo sucessor deles aceitasse servir-se de referendo sobre a continuação ou não naquela escolha europeia - que para os seus antecessores representara o manifesto destino do velho e insular reino britânico - como simples tapa-buraco para contornar outra escolha não do agrado do ainda jovem Cameron?

              Atravessamos período deveras estranho, em que históricos objetivos, antes inquestionáveis, por mais  que lhes emprestassem força, davam sentido, encorpavam mesmo, as respectivas trajetórias políticas,  tornam-se de repente objetos descartáveis, como se o eventual destino de um Povo possa ser de novo colocado em mostrador de supermercado, a virar objeto de referendos preparados à socapa.
                Ao ver a descrição por Howard Jacobson no Times de hoje, semelha difícil refugar as pequenas mentes e as derivadas trajetórias de um universo em que os respectivos personagens não parecem estar conscientes da hora que atravessam.
                  Há opções que não são bolas coloridas, objetos circences de um estranho jogo. Deparando os líderes ingleses do presente, o observador, distante ou não, se sente confuso, aos vê-los agir como se tais momentosas opções, que, em passado deveras não tão distante, motivara carreiras que, ainda que transcorrida a longa jornada, continuam a parecer-nos coerentes, convictas e, mesmo patrióticas, se o termo vestirmos com a corrente compreensão das exigências da História.

                  E mais nos aprofundamos na antiga luta, arrostada a peito aberto contra velho gigante, que, por rancor ou memória sublimada, projetava no então presente as experiências amargas da titânica luta, contemplávamos com confiança o desafio aceito pelos novos líderes ingleses, eis que compreendiam a exigência da hora, e como careciam fazê-la acontecer.
                  Hoje mudaram os tempos, mas lançando os olhos para o passado, nos perguntamos se o passadismo de hoje não reflete apenas o desejo de retornar aos velhos jogos de uma história que o tempo, esse cruel maestro das ilusões e das carências humanas, se compraz em pintar para papalvos em velhas baladas, cantigas de ninar, que sóem atrair a muitos, porque parecem reviver antigos cenários que a despeito de tudo, das ânsias, dos preconceitos nacionais, da histórica imprudência de tantos políticos, que pensam poder paramentar-se dos velhos trajes nacionais, e assim voltar no tempo, quando o Senhor da História já olha para outros lados, e mal disfarça o quão postiços são os jogos e os arreganhos de tantos políticos, que incrivelmente semelham ainda não acreditar que há limite para tudo, inclusive para os mofinos e os incompetentes, que - é triste admiti-lo - espelham a seu modo a tristonha mediocridade hodierna dos atuais líderes de potências que mal aceitam os desafios desta hora e vez, quiçá por não estarem preparados para arrostar o momento que lhes coube nesse latifúndio.
                   Se  cotejo, ou comparação histórica pareça admissível, os líderes de antes, à frente do gigante Charles de Gaulle, abraçavam princípios; com  Tony Blair e pósteros, assim como na cinzenta hora presente, nos extremos de  Theresa May e Jeremy Corbyn, eles descartam os princípios e involuem para aparentar apenas terem conveniências.



( Fontes: Guimarães Rosa, The New York Times, Howard Jacobson )

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