quarta-feira, 3 de maio de 2017

Maduro e sua falsa Constituinte

                    
        Tudo indica que a proposta de Nicolás Maduro para convocar uma nova Constituinte não passe de um tosco golpe de estado. Para respeitar o texto constitucional uma Assembléia Nacional Constituinte (ANC) deveria incluir um referendo sobre a própria proposta, a eleição popular dos membros da ANC e um segundo referendo para aprovar a nova Constituição.
         Em caso contrário, como explica o Professor de Direito Constitucional Juan Manuel Raffalli, da Universidade Católica Andrés Bello, a medida será "um novo golpe de Estado".  Na opinião de Raffalli, o objetivo central do governo Nicolás Maduro "é adiar as eleições que a oposição está pedindo".
         O professor, no entanto, concorda em que Maduro tem o poder de convocá-la - assim como a Assembléia Nacional - mas é necessário passar por vários processos de consulta popular, Primeiro, um referendo sobre a iniciativa; depois a eleição dos constituintes; e por último, um referendo sobre a nova Constituição. E devem participar todos os cidadãos e partidos políticos. A sensação que se tem, depois das declarações do presidente, é de que ele não quer uma ANC, mas adiar as eleições que a oposição está exigindo. Para que uma nova Constituição, se temos a Constituição de Hugo Chávez?
           O Prof. Raffalli considera um absurdo eleger quinhentos constituintes. Seria outro despropósito.  Com Chávez foram 130 os constituintes, e tivemos processo que durou dez meses. Imaginem com quinhentos. Está em risco  a eleição presidencial de 2018.
            Por outro lado, a Constituinte Comunal é termo não previsto na Constituição.  Se for uma Constituinte comunal, da qual participem apenas os conselhos comunais será um golpe aberto à Constituição. Um novo golpe de Estado. O professor Raffalli vê uma ação desesperada do Presidente, para tentar aliviar a pressão das ruas. Mas este anúncio vai aumentar a tensão e a pressão, porque o que os manifestantes pedem é outra coisa.
            No entendimento do Professor Raffalli, quem deve organizar o processo da ANC é o Conselho Nacional Eleitoral (CNE),  que deve estabelecer as bases da Constituinte.  O que vale dizer, se Maduro respeitar o que diz o artigo 347 da Constituição, que o autoriza a convocar uma ANC, quem comandará o processo é o CNE, controlado pelo Governo. E assim todas as demais eleições que deveriam ser realizadas este ano e em 2018 serão adiadas.
              Perguntado no final a respeito de que valor teria uma Constituinte Comunal, respondeu o Profesor: Nenhum.  Seria uma Constituição desconhecida pela grande maioria dos venezuelanos, uma Constituição ilegítima.  A crise seria ainda mais profunda, mas hoje, com um governo ilegítimo, que não cumpre a Constituição e simplesmente exerce o poder, podemos esperar qualquer coisa.
              Diante da geral oposição, Nicolás Maduro aproveitou a megamarcha organizada pelo chavismo para celebrar o Dia do Trabalho e anunciou a convocação de  nova Assembléia Constituinte, "escolhida pelo povo e pela classe trabalhadora", O órgão deve ser eleito em parte por membros dos Conselhos Comunais - entidades locais de poder popular criados pelo regime pelo país.    
               Segundo Maduro, o objetivo da medida é reformar o Estado e a Assembleia Nacional (AN) - atualmente controlado pela Oposição - que acusou Maduro de promover um golpe de Estado. Foi igualmente contestado por juristas, mergulhando o país em um grau ainda maior de confusão e incerteza.
                Convoco o Poder Constituinte Originário para que seja o povo, com sua soberania que imponha a paz, disse Maduro perante a multidão congregada. "Vocês são testemunha de que convoquei setores da direita a um diálogo político. Dezesseis semanas procurando chegar a acordos de paz por meio da palavra, mas eles se negaram.  Hoje o cenário está claro: eles não vão parar com seu plano fascista, e cabe a nós derrotá-los com as leis, com a Constituição e com a união cívico-militar.
                  Consoante Maduro, serão eleitos quinhentos representantes que formarão a assembléia "popular, cidadã e trabalhadora", responsável por redigir a Carta Magna, que substituirá a Constituição de 1999 - elaborada já com o coronel Hugo Chávez no poder.
                 Será uma Constituinte eleita com voto direto do povo: duzentos ou duzentos e cinquenta pela base da classe operária. As comunas, missões, os movimentos sociais, movimentos de pessoas com deficiência, indígenas e pensionistas vão ter seus constituintes próprios eleitos (segundo detalhou Maduro). Os demais constituintes vão ser eleitos em um sistema territorializado, com caráter municipal e local.
                  Maduro designou o Ministro do Poder Popular para a Educação, Elias Jaua, como presidente da Comissão presidencial para a Consulta de Bases, e afirmou que nomes de alto escalão do chavismo também integrarão o órgão. A ver pelo unilateralismo de tais decisões, o advogado constitucionalista Pedro Alfonso  del Pino, tal medida de Maduro deixa o país "à beira da ditadura",
                  De acordo com del Pino "o mais importante não é somente se o governo convocará a Constituinte ou não, mas sim se haverá votação." Em entrevista televisiva, disse del Pino: "O mais importante não é somente se o Governo convocará a Constituinte ou não, mas sim se haverá votação." E acrescentou del Pino:" uma AN que não surja do sufrágio direto e substitua o Parlamento atual seria uma fraude."
                   Maduro prometeu assinar, horas depois do discurso, um decreto sobre a nova Constituinte.  Ontem, o deputado Júlio Borges, presidente da AN, afirmou que Maduro havia "consumado seu contínuo golpe de Estado contra a Constituição e a Democracia". Borges acusou o presidente, outrossim, de "propor uma fraude para fugir do voto universal, direto e secreto do Povo", e convocou Forças Armadas e poderes públicos a se pronunciarem em defesa dos valores constitucionais.
                    Outro importante membro da "Mesa de Unidade Democrática" (MUD) e governador do estado de Miranda, Henrique Capriles, convocou opositores a se mobilizarem contra a medida, classificando a nova Constituinte como "uma loucura" e o presidente Maduro de "ditador". Já Henry Ramos Allup,ex-presidente da AN, afirmou que Maduro não convocou uma nova Constituinte, e sim uma "prostituinte".
                    O caráter ditatorial e, por conseguinte, excludente e antidemocrático dessa fantasmagórica convocação de uma Constituinte Comunal, foi oportunamente acentuado por José Vicente Haro, professor da Universidade  Central da Venezuela (UCV): " O principal problema é que o presidente está convocando uma Constituinte excludente,onde só participariam organizações em geral vinculadas ao Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV)" - afirmou ao Globo José Vicente Haro,  professor da Universidade Central da Venezuela (UCV). "Parece que Maduro quer acabar com o único elemento que temos para lutar por nossa democracia".
                       O professor Luis Pedro España, da Universidade Católica Andrés Bello, foi ainda mais contundente: "Esta é uma invenção de Maduro, um golpe ainda mais grave. Querem substituir o voto direto por um sistema de voto nas comunas, uma loucura", disse ele. "Temos um governo que não está disposto a negociar nada e uma sociedade farta. O desfecho se tornou ainda mais imprevisível."
                        O que se está caracterizando é a fuga generalizada do poder chavista diante do processo eleitoral.  No fim do ano passado, a Venezuela deveria ter realizado eleições para governadores e parlamentos regionais. Foi tudo adiado por tempo indeterminado. Apesar de declarações em contrário do ditador, apesar de se dizer "ansioso" por uma nova vitória eleitoral, a oposição teme que a medida impeça não somente as eleições regionais, mas também as municipais, marcadas para este segundo semestre.
                          Pela comprovada incapacidade do Governo de Maduro, a Venezuela vê aprofundar-se a crise econômica geral e uma inflação que deve chegar, segundo o FMI, ao nível hiperinflacionário de 2.200%.
                         Em abril passado, 29 pessoas morreram em protestos contra o governo. Por força da pressão internacional, a Venezuela se desligou da Organização dos Estados Americanos.

Fonte:  O  Globo  )




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