sexta-feira, 3 de março de 2017

Visão sombria da Democracia

                              

        O New York Times estampou ontem artigo de Thomas E. Edsall, intitulado A Democracia em frangalhos. Para Edsall, a principal culpada do resultado da eleição de 2016 está na internet e nos seus descendentes, que teriam superado o tradicional sistema político americano de alternar as vantagens da esquerda e da direita.
        O único resultado positivo da vitória de Trump - além de prevenir uma terceira vitória  seguida dos democratas - está na circunstância de haver revelado que a internet e os seus efeitos levaram de roldão o tradicional sistema político americano de alternar esquerda e direita.
        No entender de Edsall essas duas causas estariam contribuindo - talvez de forma irreversível para a queda dos tradicionais limites morais e éticos na política americana.
       É sempre um risco, no entanto, confundir um instrumento - a internet - como se ele pudesse tranformar-se em um fim precípuo. Este é um erro muito comum - atribuir o que esse instrumento produz - que, na verdade, não passa de um meio - como se fora algo condicionado pela própria ferramenta.
        Na verdade, o meio só antecipa os fins quando ele deixa de ser meio, e se torna um agente realizador de determinadas ações, que podem oscilar entre boas e ruins, ou apenas instrumentais. Dessas últimas, o resultado será causado por ações que independem do recurso em si.
         Hoje em dia virou moda inculpar a internet, como se ela em si fosse intrinsicamente maligna. Enquanto a internet for instrumento, ela não pode ser inculpada pelos eventuais resultados de sua ação. Agir dessa forma preconceituosa equivaleria a dizer que o pincel de tal ou qual pintor é o responsável por um determinado quadro. Assim, levando adiante esse argumento formalista, um quadro de Caravaggio só pode ser maléfico, dadas as características existenciais desse grande pintor italiano... Dessarte, ver beleza em obra de Caravaggio denotaria um pendor do observador por um prisma em que o mal seja privilegiado...
            A reificação da internet, e a sua ulterior transformação em um ente determinado, corresponde na verdade à tendência de tentar explicar um certo fenômeno como se os seus eventuais efeitos ali estivessem para prejulgar  determinada situação.
            Assim como um comício - hoje uma reunião para ouvir ou debater uma linha de ação, mas no passado romano,  reunião eleitoral para decidir sobre a escolha de tribunos populares - não indica necessariamente o que será discutido ou proposto na reunião, exceto se se tomarem providências para debater e eventualmente adotar esta ou aquela linha de ação. Acaso investiremos contra a reunião, e a proclamaremos nula de todo efeito?  Não, porque o público se dará conta, de que não foram tomadas medidas para prejulgar as decisões desse público. No entanto, será censurado qualquer esforço para influenciar de maneira indevida, se o público perceber que não se atribui igual liberdade à exposição das idéias porventura defendidas.
              Se examinarmos a questão nas linhas acima, será vista com clareza a falácia de culpar  determinado veículo por um resultado eventualmente negativo, como ocorre no caso de prejulgarmos o efeito a ser produzido pela internet.
              A menos que pretendamos regredir ao tempo dos xamanes e dos feiticeiros,  o público, com um mínimo de informação e conhecimento, não partirá para esse argumento descabido de atribuir a qualquer meio um viés maligno.
               A democracia não corre perigo por cavilações sombrias da internet.  Quem derrotou Hillary Clinton foi o uso indevido do privilégio de determinadas autoridades. Não tem nada a ver com a internet que notícias falsas sejam espalhadas pelos meios de comunicação, com o propósito de atingir este ou aquele grupo de eleitores que optam por votar no chamado período do sufrágio antecipado. Não é lícito confundir o meio - que é, em princípio, neutro - com o seu emprego de má-fé, servindo-se de vantagens que não são concedidas pela internet, mas pela vontade iníqua de pessoas investidas de autoridade que não respeitam o valor desse privilégio, e que o desvirtuam.
                 Muita vez será na falta de autoridade que o mal é perpetrado. Quem o permite não é o microfone nem outro meio eventual.  No caso, será tão só o desrespeito ao preceito legal e a falta de autoridade para tomar as medidas cabíveis.  Chamar isso de decadência da internet é uma ulterior má-fé, porque nos desvia do nó da questão, além de chamar de burros os que atribuem tais resultados a uma suposta deformação do pensamento, que não lhe faz nenhuma honra.

( Fonte: artigo de Thomas B. Edsall, em The New York Times)
         


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