sexta-feira, 17 de março de 2017

O fator Trump

                                  
         O que parece demasiado fácil deve ser visto com extremo cuidado. Nessa afirmação, que para alguns beira a tautologia, cabe, por exemplo, o exame do surgimento, afirmação e exercício pleno do político Donald John Trump na política americana. Tal fenômeno não se exerce no vácuo. Para explicá-lo, existem razões muito fortes, que nos levam a pensar no processo do declínio, como estudado, entre outros, por George Packer, no New Yorker.

        Lançado na política americana através da absurda assertiva de que o Presidente estadunidense Barack Hussein Obama não era um americano nato, mas sim filho de quenianos, com falso nascimento no Havaí, essa calúnia seria transformada na teoria do birtherism. Por anos a fio, malgrado a oposição da imprensa e de grande parte da opinião pública, o desconhecido Trump se asseguraria a exposição na mídia, como se se reservasse a essa deslavada infâmia todas as mesuras e oportunidades de vindicação junto ao grande público.

         Fundada apenas na insolente audácia de seu proponente, deu-se a tal assertiva absurda o tempo que se reserva às hipóteses científicas. Terminada a própria serventia, permitiu-se que ela desaparecesse como se fora algo que perdera a respectiva verossimilidade pela exposição na mídia, sendo por fim afastada da geral consideração, sem que a sua falsidade implicasse em qualquer prejuízo para a personalidade que a urdira sem dispor para tanto de nenhuma base fática. Aplicou-se, no caso, a célebre frase de dom Basílio: Caluniai !  sempre fica alguma coisa! (Barbeiro de Sevilla, Beaumarchais, sec. XVIII)

          Assim, como se a assertiva não passasse de jogo inocente,  permitiu -se que o respectivo autor a tratasse, ao cabo, como algo venial, que na prática não passaria de experimento de que o tempo fizera passar a respectiva pertinência.

           A mesma técnica seria utilizada na eleição, em que, verdade e mentira constituiriam as faces intercambiáveis do mesmo fenômeno, isto é, do interesse do candidato de fazer prevalecer junto ao eleitorado o que entendia como a sua verdade.  Contou, para tanto, com o prestimoso auxílio do diretor do FBI, James Comey, que, primo, em comunicação ao Congresso manteria viva a suposta pertinência de o que poderia ser colhido junto ao servidor privado do computador utilizado por Hillary Clinton, enquanto Secretária de Estado, e, secondo, de modo muito mais inquietante, de o que poderia ser encontrado de negativo contra a Secretária de Estado, nesse mesmo servidor privado de computador, informação esta que foi levantada junto ao eleitorado, exatamente no período reservado à votação antecipada pelos eleitores quanto à escolha do futuro presidente, i.e., Hillary ou Trump. A candidata Hillary Clinton, nesse particular, responsabilizou James Comey perante a opinião pública com em grande parte responsável por sua derrota na eleição presidencial.

        Saber-se-ia posteriormente que hackers (possivelmente russos) penetraram nas comunicações do Diretório Democrata, movidos pela ânsia de divulgar tudo o que pudesse ser interpretado como negativo para a candidata Hillary.

          Há outros inúmeros contatos entre elementos proeminentes do grupo que favorecia a Trump, e representantes do estamento russo nos Estados Unidos.  Como referido por relevantes representantes da mídia, como Paul Krugman, existe fundado temor de que as ligações entre o candidato-eleito e o presidente da Federação Russa sejam maiores de o que veiculado até agora pela mídia.

           Por outro lado, se comparado - quando porventura completado  - com clássicos exemplos, os primeiros cem dias de Donald Trump só poderão refletir a capacidade interna do 45º Presidente.
           E essa capacidade, como o asseveram observadores importantes, tende a transmitir visão deveras inquietante no que concerne às suas potenciais realizações.

            A politóloga Elizabeth Drew na sua relevante comunicação (V. New York Review) nos mostra o presidente recém-eleito como alguém muito mal informado e com escassa formação presidencial. Por não dominar este mister único, Trump tende a ficar em grande parte nas mãos de assessores, que podem levá-lo a firmar como se fossem suas, diretivas que, em verdade, tendem muita vez a não corresponderem ao próprio pensamento.

              Abundam, por outro lado, os exemplos de iniciativas pouco felizes, como aquela do banimento de sete nacionalidades árabes, escolhidas de forma desordenada, e muita vez no intúito de não prejudicar laços de negócio do interesse do grupo Trump.
               Por outro lado, a investida contra os moínhos de vento dos imigrantes estrangeiros - em especial muçulmanos - já está prejudicando as universidades americanas, em que os seus préstimos podem ser de grande utilidade.

               Além disso, o aumento desproporcional das inversões militares, a investida contra a luta da Humanidade para combater o aquecimento global constitui prova ou de má-fé, ou de ignorância só comparável às supertições das antigas tribus selvagens contra os espíritos da floresta. Quem hoje afirma - depois das pesquisas e das descobertas dos cientistas - que o aquecimento global é uma impostura, ou é um patife, ou um ignorante. Nos dois casos, semelha difícil entrever a utilidade de tal pessoa para exercer tarefa tão complexa quanto a presidencial.
                Por outro lado, o fator Trump pode ser cruel, ao apresentar  para os seus partidários de escassa instrução e com a real ameaça do desemprego não mais temporário,  como sendo possível trazer de volta as indústrias do cinturão da ferrugem, quando se sabe que inexistem possibilidades fáticas de reconstituí-las, sendo o seu desaparecimento apenas a consequência de uma série de fatores que, na prática, lhes inviabilizam o restabelecimento.

               A par disso, o que justifica a diminuição ou o corte dos recursos orçamentários direcionados para as classes menos providas?  Dar melhores condições financeiras a esses segmentos é trabalhar por um país  mais aberto, generoso e saudável. Cortar os recursos do Ato do Tratamento Custeável (ACA) das classes menos favorecidas não é só crueldade direcionada, mas também um ato de vindita, ao responsabilizar eleitores do Partido Democrata, pela simples razão de que o partido de Roosevelt lhes proporciona mais elementos e mais recursos para se afirmarem como membros plenos da sociedade americana. Por que o seu partido e Vossa Excelência buscam condená-los aos baixios da pobreza? Mesmo o mais interesseiro dos políticos republicanos nisso veria um ato de falta de descortínio político, pois incentivar a miséria na população é providência burra e temerária, por aumentar a insatisfação e as enfermidades no Povo americano. (a continuar)



( Fontes: Elizabeth Drew, George Packer, Beaumarchais, Paul Krugman, Miguel de Cervantes, The New York Review, The New York Times, The New Yorker )                 

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