quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Lembrança do Padrinho Chico (XVIII)

                          

        Não tenho dúvidas que o meu padrinho viria à minha formatura no Rio Branco, a que o Presidente Juscelino Kubitschek nos honrou com o comparecimento para presidir à cerimônia.
        Infelizmente, Francisco Severino Lanzetta partiria de vez deste mundo  em dezembro de 1958. Foi no pós-operatório de intervenção para retirar-lhe formação cancerígena na  tiróide. Como sempre, os médicos consideraram um sucesso a operação, mas infelizmente o paciente não resistiu e faleceu no pós-operatório.
        Como já referi, o padrinho acompanhava o século, e morreu por conseguinte antes de completar cinquenta e nove anos. Como é de praxe na sua empresa, a sua morte foi comunicada prontamente à central da Swift em Chicago.
        O meu tio Chico, que me iniciou no inglês, e que tinha em casa a primeira edição do Dicionário Webster Internacional, além da segunda edição - o padrinho sempre me fazia loas a esta primeira, por ter mais vocábulos arcaicos do que a segunda,  e por isso a minha madrinha m'a prometeu junto com toda a sua biblioteca. Infelizmente, por motivos de todo fora de sua vontade, a sua disposição não pôde ser cumprida.  Mas sobre isso voltarei oportunamente.
         Guardo mágoa maior pela volta do destino, ao não lhe permitir comparecer à formatura do afilhado. Depois do câncer que contraíu, ao pensar - como todos os seus contemporâneos - que fumar era não só elegante, mas também que não apresentava qualquer perigo ao usuário. Quem poderá conter a raiva diante dessa cruel  trapaça que pelo cobre vil auferido sacrificou a pelo menos três gerações - o pobre Chico, enganado como tantos, encontraria nos charutos a que tanto prezava o seu secreto algoz.
          Concluído afinal o curso de dois anos do Instituto Rio Branco - a que presidia então o Embaixador aposentado Antonio Camilo de Oliveira (era saudável a praxe então no Itamaraty a embaixadores que já houvessem terminado a própria carreira, de modo que não guardavam nenhuma outra ambição que os tornassem suscetíveis a influências políticas) - eu receberia das mãos do Presidente Juscelino Kubitschek, como primeiro aluno, o diploma de Cônsul Classe K.  Diga-se que, por capricho do destino - que agradeço - nunca, em mais de cinquenta anos de carreira, exerci qualquer cargo de natureza consular. Recordando o pobre Francisco Severino Lanzetta, meu tio e padrinho, que lá certamente estaria se vivo fosse,  registro as presenças no Salão da Biblioteca de minha senhora mãe, do Tio Toninho e da prima Neusa Maria. A madrinha Deborah, que guardava luto, não pôde vir.  
             Uma ulterior palavra sobre o Instituto Rio Branco, antiga proposta dos membros da carreira, cansados da roleta dos exames diretos, sem falar da época das entradas pela janela. A minha turma tinha dezenove alunos no curso de dois anos do Rio Branco.  Havia ótimos professores, como Hilgard O'Reilly Sternberg (geografia), Américo Jacobina Lacombe (História do Brasil), além das mediocridades coroadas de turno. Nesse quadro, de muitas exigências (algumas absurdas) ao cabo, no entanto, somente eu e mais quatro, pela ordem de colocação, puderam ser empossados. Vagas ainda não existiam para os demais (o último da turma levou um ano para tomar posse na carreira). A terminologia da época era a de Cônsul classe K, mas para todos os efeitos éramos Terceiro Secretário.

                 Desta feita, não sobrou tempo para viagens ao Sul.

             Com a partida do Padrinho Chico, minha madrinha Bi tratou de vender a casa da rua Turquia, 26. Tendo a saúde frágil, não sobreviveria por muito tempo. Quando faleceu, estava eu no estrangeiro, em missão especial à Conferência da População em Bucareste, em delegação chefiada pelo Embaixador Miguel Ozório de Almeida.
                Trabalhava eu então na Assessoria Especial, chefiada por Miguel Ozório,  um dos diplomatas de maior nome na Casa. O fato de estar trabalhando na AEsp, me valeu do então Ministro Azeredo da Silveira (sem relação de parentesco comigo)  que tinha uma certa birra com Miguel, um período de geladeira, em termos de carreira.
                 Para sorte minha, Silveirinha tinha apreço por mim, e confiou-me a direção da Divisão da Europa I (a Ocidental). Na época, o Governo do General Ernesto Geisel estava empenhado na opção européia. A Divisão se achava muito bem lotada, e pelo trabalho com a sucessão de visitas de presidentes e primeiros-ministros europeus, seria premiado com a promoção a Ministro.
                 Sou grato a Azeredo da Silveira (inexistia parentesco entre nós)_ não só por seu apreço, mas também pela confiança que em mim depositou. Na prática, a De-I tinha mais peso e força do que muito departamento. Em certos temas, despachava direto com ele, o que me criaria problemas depois.
                Mas avalio sobretudo a sua sapiência prática. Dou  exemplo: uma vez cheguei com pesado maço, que julgara necessário para que se dominasse por inteiro o assunto. E ele então me disse :
          
             "Vejo que você não estudou bem este assunto, porque senão teria feito o maço mais manejável e compacto."

                   
                  Entendi a observação, e no dia seguinte lhe trouxe um bem mais compacto, que me havia custado horas de sono. Mas o seu sorriso de conhecedor me seria elogio bastante. Mais uma lição aprendida.      


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