segunda-feira, 17 de outubro de 2016

A Corrida dos Lemingues

                              

      Esses simpáticos roedores, que habitam a tundra ártica, por motivos não precisados, têm o estranho hábito de atravessar céleres os penhascos e jogar-se para a morte que os espera indiferente há algumas dezenas de metros abaixo, sob as águas nervosas e gélidas do mar oceano.
     O que motivará tão demencial corrida? Até hoje, que eu saiba, o bicho homem, que pensa saber de tudo, ainda não se pronunciou.
      Mas tal insólita disparada continua um mistério, segundo muitos, naquele acervo de enigmas que dona Ignorância abraça com fervor, imbuída daquela força que anima àqueles que põem sua fé em crendices várias e nas falsas soluções para problemas reais.
      Pois que me perdoem os ingleses - essa gente com que a geografia tem sido tão parcial - para essa má imitação da corrida dos lemingues.
       Através dos séculos, as invasões das Ilhas Britânicas têm sido generosas, em relação aos povos do Continente. Por isso, a Inglaterra, ao cabo da IIa.  Guerra Mundial, preferira de início não associar-se aos seis países que encetaram a caminhada para a união européia, a princípio pelo carvão e o aço (Alemanha, França, Bélgica, Holanda, Itália e Luxemburgo).
        De Gaulle fecharia a porta, nos anos sessenta, ao desejo inglês de associar-se ao organismo de Bruxelas. Fê-lo em conferência de imprensa, que era o instrumento por ele preferido para lançar seus propósitos e até mesmo suas negativas, como foi o caso célebre daquela porta que o velho general batia com força, aludindo à insularidade da pérfida Álbion.
        Não pretendo aqui rememorar as dúvidas britânicas sobre a sua permanência ou não na C.E. O trabalhista Tony Blair acederia em realizar um primeiro referendo, em que o povo inglês recusou a saída de Bruxelas.
         Infelizmente - para os ingleses - o anterior Primeiro Ministro David Cameron julgara oportuno, em jogada parlamentar, considerar a hipótese do referendo sobre a permanência na U.E, como medida para ganhar tempo, e sempre sob o pressuposto de que  o propósito negativo não avançaria.
         Cameron  poderá, no futuro, ser o triste Primeiro Ministro que lançara o Reino Unido na corrida dos lemingues, ainda que alegadamente fosse  da posição contrária. Deve-se dizer, de parte de alguém que segue, ainda que de longe, os movimentos do Reino Unido, é que tal amor de Cameron pela organização comunitária de Bruxelas, se real, ele o soube dissimular muito bem.
        Dado o resultado do referendo - a que precedeu o estúpido sacrifício de deputada contrária ao Brexit, pela mão de um energúmeno - forçoso será reconhecer que só alguém como Cameron ousaria pôr em risco uma conquista que tanto custara ao partido Conservador. Em verdade, fora com Ted Heath, que em 1973, o Reino Unido se tornaria membro da União Europeia (O general Charles de Gaulle já havia saído de cena, pela barca de Caronte).
        Agora a imprensa revela dado importantíssimo sobre a seriedade (ou melhor, falta de ) com que o estamento dito conservador tratara dos motivos pró e contra a permanência na organização de Bruxelas.
        A irresponsabilidade da liderança dita conservadora (já prenunciada pela aludida atitude de David Cameron) foi levada ao cúmulo na postura de Boris Johnson. Este último levou ao ápice a sua irresponsabilidade - e aqui esse termo para falta de responsabilidade corresponde igualmente ao cinismo de falta de convicção como demonstrado pelo ex-prefeito de Londres, Boris Johnson.
        Com efeito, o atual Ministro das Relações Exteriores britânico, Boris Johnson,  escreveu um artigo defendendo a permanência do Reino Unido na União Européia. Isto foi feito dois dias antes de apoiar publica e fervorosamente o Brexit.
         Supostamente, Johnson havia escrito uma matéria a favor  e outra contra a saída do Reino Unido. Uma vez escritos os dois artigos, ele optaria pelo Brexit.
         Na verdade, quem fizera campanha com maior veemência para abandonar a U.E. não é  ficara em dúvida até o último instante sobre que lado apoiar ?
          Dessarte, no artigo contra a saída , Johnson adverte sobre o abalo econômico após o Brexit  e sobre o risco que a iniciativa representa para a própria unidade territorial do país. Boris Johnson também afirma que os aportes financeiros do Reino Unido à União Européia são o preço mínimo diante do acesso proporcionado ao mercado único. E a falta de seriedade de Boris Johnson é ressaltada pela hodierna descrição desse mercado por Johnson "como crescentemente inútil".
              A forma engajada com que a Primeira Ministra Theresa May pretende levar as negociações com Bruxelas está refletida na inserção no grupo dos mais enfáticos eurocéticos do  seu Gabinete.
              Chega-se mesmo a especular que a novel Primeira Ministra busque um rompimento total com a União Européia. Será que as peregrinações do passado, e dos esforços dos tories de ingressar na Comunidade Europeia, serão jogados às baratas?
              Nesse radicalizado comitê - de que participa Johnson - as instruções seriam de "supervisionar as negociações de saída do país da UE e formação de nova relação entre o U.K. e a UE, assim como estabelecer a política britânica para o comércio internacional".
               Esse grupo - que parece imbuído da certeza de poder impor condições, quando tal não passa de doce ilusão - conta com todos aqueles seis membros que fizeram campanha pelo Brexit: assim, além do chanceler Johnson, o ministro do Comércio Internacional, Liam Fox;  o Ministro do Brexit, David Davis; o Ministro do Desenvolvimento Internacional, Priti Patel;  o Ministro dos Transportes, Chris Grayling; e Andrea Leadson, Ministra do Meio Ambiente.
                Tal aparente radicalismo do grupo central do gabinete May tende a reforçar as suspicácias e temores de empresas e investidores de que o governo britânico esteja planejando uma ruptura brusca, na qual priorizará os controles de imigração em detrimento do acesso livre a bens e serviços do mercado único da União Européia.
                  Bancos internacionais advertiram que terão de deslocar parte de suas operações e equipes de Londres para outras cidades da União Européia, caso a Primeira Ministra May não consiga garantir acordo que permita aos bancos continuar provendo serviços nos 27 países-membros da U.E..
                    As incertezas quanto às futuras relações com a U.E. contribuíram para a desvalorização da libra-esterlina para o seu menor patamar em três décadas frente ao dólar americano.

Nota.           Se o gabinete May for dominado pelos radicais, as perspectivas não são boas para os investidores ingleses e o status de Londres como grande centro econômico-financeiro. Se eles pensam que, com o pouco cacife de que dispõem, podem impor condições à U.E.  sobre o status de Londres, o erro de avaliação tenderá a ser grande, eis que ninguém cede favores a troca de nada. Esquecem esses senhores porventura que Londres cresceu como centro econômico-financeiro, porque dispunha da U.E. para respaldá-la ?

                     Agora os radicais do gabinete Theresa May imaginam que podem pôr e dispor, quando a realidade financeira de Londres como centro viável carece de ser reforçada por um mínimo de união e funcionalidade. Ninguem retorna favores a pontapés.

Nenhum comentário: