quinta-feira, 25 de junho de 2015

Trincheiras da Liberdade 17

                                        

         Excluída a cobertura pela mídia das negociações nucleares entre o Ocidente e o presidente iraniano Hassan Rouhani e seu Ministro do Exterior Mohammad Javad Zarif, a ditadura dos ayatollahs não sói aparecer no noticiário. 

         Ter-se-ía a impressão de que tudo vai bem na ditadura clerical, trazida pelo Ayatollah Khomeini, em fevereiro de 1979, após a renúncia e fuga do Xá Reza Pahlevi, em fins de janeiro do mesmo ano.

          Recordam-se da chamada revolução verde, quando a notória reeleição fraudulenta em 2009 de Mahmoud Ahmadinejad provocou essa reação popular, cujos principais líderes – Mir Hussein Mussavi e o clérigo Mahdi Karroubi - até hoje estão em prisão domiciliar?

          A revolta espontânea do povo de Teerã teve inclusive musa, a jovem Neda Agha-Soltani, que foi assassinada por certeira bala, provavelmente deflagrada por algum basij[1] do alto de um prédio, no crepúsculo do dia 22 de junho. O sacrifício da jovem foi captado por celular e transmitido pelas parabólicas na informal rede da liberdade.

           A revolução que livrará o povo do Irã da ditadura clerical ainda não espoucou, mas a despeito de todo o arrocho e paranóico cerceamento da liberdade, está escrito em páginas ainda ilegíveis que os dias deste cruel regime estão contados.

           Entrementes, cabe mencionar o que está ocorrendo com a atriz Leila Hatami. Adentrava, pelo seu tapete vermelho,  a sala do festival de Cannes – famosa por seu papel em A Separação – quando, ao cruzar por Gilles Jacob, seu presidente, ao estender-lhe a mão, este preferiu distingui-la e a beijou no rosto.

           No incrível e mesquinho mundo instituído pelo regime clerical e seus diligentes capangas, a confusão começou por aí. O correspondente em Teerã do Washington Post,  Jason Rezaian reportou a dita ‘celeuma’, eis que o ósculo foi considerado afronta ao Islam, havendo um grupo de estudantes declarado que a atriz deveria ser açoitada em público.

           Rezaian, americano nascido na Califórnia, comunicou inclusive que Hatami havia pedido desculpas em declaração pública em que ela lamentava ‘atingir os sentimentos de algumas pessoas’. Acrescentou que não desejara ser beijada por Jacob, e que tinha simplesmente esquecido “a regra”.

          Oito semanas depois do seu despacho, Rezaian continua preso, e ainda por cima no famigerado cárcere  Evin (notório pelas torturas e execuções). Até a esposa de Jason, Yeganeh Salehi, cidadã iraniana, e reporter de jornal de Abu Dhabi, foi presa, para ser liberada sob fiança mais tarde. Rezaian aí permanece há dez meses, boa parte dos quais na solitária. Somente sua mãe, Mary Rezaian, pôde visitá-lo por duas (breves) vezes.

           O juízo de Rezaian ocorreu em junho. Foi acusado de espionagem, colaboração com governos hostis (sic), e ‘propaganda contra o ‘establishment’. O advogado que  se encarregou da causa não foi escolhido pelo réu, e os trabalhos do julgamento não são abertos ao público.  A acusação pode determinar sentença de 20 anos de cárcere, sendo o juiz responsável – Abolghassem Salavati – conhecido por condenar dissidentes à morte, e por presidir a julgamento omnibus em que ativistas e jornalistas foram obrigados a dar confissões televisadas.

                 No caso de Rezaian, depois de interrogatório  sob portas cerradas, Salavati suspendeu o juízo, sem qualquer definição de prazo de retomada. Em comentário a esse simulacro de justiça, o diretor-executivo do Washington Post, Martin Baron, declarou: “Não há justiça neste sistema, e não obstante está na balança o destino de pessoa boa e honesta.”

                  O próprio Washington Post requerera visto para que um de seus diretores assistisse ao juízo de Rezaian, mas as autoridades sequer responderam.  A mulher dele continua no Irã e pode ir a julgamento em breve. Como o público não foi admitido ao juízo de Jason, a esposa esperou por horas a fio na entrada do Tribunal. Mas os discretos iranianos providenciaram que o ingresso de Rezaian fosse por porta de fundos...

                   É até mesmo muito provável que ele sequer saiba que a sua mulher lá estava para vê-lo.

 

 

( Fonte: The New Yorker, 8 de Junho de 2015 ) 



[1] Os basiji são milícia violenta e detestada pela gente iraniana.

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