quarta-feira, 17 de junho de 2015

O GOP e os 47% de Mitt Romney

                  

           A fórmula do Partido Republicano para ganhar eleições não parece mudar nunca. A postura de ‘vítima’ diante dos democratas se refletiu na frase de Mitt Romney que o bartender da reunião exclusiva com grandes doadores revelaria para o mundo.           Para Romney, 47% do eleitorado são mantidos pelo welfare (beneficência) criado pelo Partido Democrata. Assim, a luta de um candidato do GOP à Casa Branca se resume em vencer essa formidável barreira e lutar por sobras nos 53% restantes para tentar vencer...

           O vitimismo dessa fórmula simplista é a especiosa premissa para justificar estratégia que se caracteriza pelo anti-voto.

           Sabemos que o Partido Republicano se torna sempre mais o partido dos ricos endinheirados e o partido dos brancos anglo-saxões. Sente, no entanto, que esse núcleo não será suficiente, em condições normais, para garantir-lhe a vitória na eleição presidencial.

           Por isso, e  recente artigo da politóloga Elizabeth Drew o mostra à saciedade, a sua maneira de vencer não está em orientação pró-ativa, que procure mostrar pelos vários condutos de divulgação que o GOP luta por melhores condições de todas as camadas da população estadunidense.

           Esse tipo de debate não tem interesse precípuo para o Partido Republicano. O programa pode  até mencionar tais objetivos, mas a sua ação estará sobretudo voltada para diminuir a votação destinada aos democratas.

           Como tal pode ser alcançado nas votações para o Congresso e mesmo a Presidência? Para os estrategistas do GOP isto é muito fácil: basta dificultar e mesmo impedir o sufrágio de negros, latinos, idosos pobres e outras classes menos favorecidas nas seções eleitorais.

            Deve haver algo de muito errado em  partido político que oriente sua estratégia eleitoral na aprovação de leis anti-votação – na verdade o termo mais apropriado, dados os desprezíveis fins dessa legislação, seria o italiano leggina (leizinha) que são empregadas  amiúde para fins pouco confessáveis. Elas abundavam em Montecittorio (o nome do prédio da Câmara de Deputados italiana) no tempo dos governos do corrupto Silvio Berlusconi, e foram muito úteis para disseminar a rasteira vegetação que favorecia os escopos do então Presidente do Conselho.

             Há marcos importantes na progressão da estratégia anti-voto.  O Presidente Lyndon Johnson, com a sua visão política de abrir o sufrágio ao negro – cujas tentativas de registro eleitoral foram antes sistematicamente neutralizadas por leis com escopo racista – fez aprovar pelo Congresso Federal a Lei do Direito de Votar.  Em brutal retrocesso, no julgamento de Shelby v. Holder, a Corte Suprema, sob a presidência Roberts emasculou a Lei do Direito ao Sufrágio, ao julgar cinicamente inconstitucional a  seção que requer dos estados, com histórico de denegação de votos, o dever de submeter ao Departamento de Justiça para fins de aprovação (clearance) as suas leis relativas a regras para eleições, antes que elas entrassem em vigor.

              O congressista John Lewis chamou essa pré-autorização (preclearance)  coração e alma” da Lei do Direito de Votar.  A Corte Roberts estava tão afim em permitir leis restritivas ao direito do voto (e assim favorecer o GOP) que chegou a quebrar outro precedente. Até então a vontade do Congresso Federal em termos de direito de voto nunca havia sido derrogada pela Corte.    

                 Supostamente para acomodar-se aos novos tempos, mas na verdade para impedir-lhes o exercício do direito de voto, os Estados racistas do Sul (mas não só eles) empregaram meios mais sutis para barrar votantes para eles indesejáveis. Na sua pressa de liberar os estados com histórico de discriminação racial, tampouco a maioria conservadora da Corte se interessou em examinar a volumosa comprovação pelo Congresso – quando tratou da prorrogação em 2006 da Lei do Direito de Votar – da discriminação racial em tais Estados. Entre 2000 e a ruinosa sentença Shelby, de 2013, 148 objeções contra práticas de restrição desleal da votação tinham sido apresentadas em 29 estados da Federação, e o Texas, com trinta objeções, era o líder obstrucionista.

                   Essa manifesta intervenção da Suprema Corte equivaleu a página de retrocesso em termos de direito ao voto. Foi a abertura da cancela para reintroduzir as sovadas leis com intenção racista. Graças aos triunfos republicanos – e à espúria permissividade aberta às leis anti-voto negro – se em 2014 21 estados já tinham introduzido  ulteriores restrições ao direito de votar, durante as primeiras semanas de 2015, assanhados pelas vantagens conferidas pela nefária Shelby v.Holder, quarenta novas restrições  a votantes foram impostas em dezessete estados !

                    Em tais condições, agora, consoante o Conselho Nacional de Legislaturas Estaduais, um total de 34 estados adotaram algum modelo de lei de votação com exigência de identidade, e dessas leis já 32 estão em vigor.

                     É de notar-se, por oportuno, que enquanto o Brasil tem uma legislação eleitoral federal para toda a República, já nos Estados Unidos, os estados podem adotar uma legislação estadual específica. No passado, eventuais tendências para dificultar o voto das minorias podiam ser controladas pelo Congresso. A reacionária Corte Roberts cuidou de desbaratar um marco no combate ao preconceito que o Voting Rights Act,  firmara na Presidência de Lyndon B. Johnson.

                      No seu artigo sobre o direito de votar e a má-fé de muitos próceres republicanos,  Elizabeth Drew assinala que são bem conhecidas as soluções que evitem a supressão de votantes minoritários, mas por causa do sectarismo que envolve a questão fica quase impossível aprovar soluções satisfatórias para este problema em que o preconceito racial dá a mão para a vileza e desfaçatez político-partidária.

                      Ao final de seu primeiro artigo, Drew sublinha que junto da supressão de direitos eleitorais  está o rezoneamento (redistricting), que acompanha todos os censos decenais. Ter-se-á presente que já foi objeto deste blog o guerrymander sucessivo à eleição de 2010. Tal monstro político resultou da relativa incompetência e, sobretudo, inexperiência política de Barack Obama que poderia ter-se comunicado melhor com as bases. Foi o seu alheamento a causa básica do shellacking (tunda) da eleição intermediária, desastrosa para os democratas.

                      O partido do Presidente perdeu a maioria na Câmara de Representantes e pelas tramóias sucessivas do GOP houve gerrymander bastante abrangente nos distritos eleitorais para a Câmara Baixa, o que torna praticamente impossível para lá eleger-se uma maioria democrata. Esse trambique eleitoral, além de perdurar, cria condições para eventual paralisia legislativa, eis que, se eventuais acordos sobre legislações importantes são ainda possíveis no Senado (agora com maioria do GOP), na Câmara de John Boehner(R-Oh), em que o Speaker é refém de aguerrida, radical e reacionária ala do Tea Party, tais entendimentos bipartidistas beiram o impossível. Até a reforma da lei sobre imigração teve condições de passar no Senado, mas não na Câmara, aonde o Speaker sequer ousou colocá-la a voto, ameaçado que seria por uma ‘revolta’ do Tea Party.  Nesse sentido, Obama preferiu fazê-la por Executive Order (decreto presidencial) e atualmente essa reforma, que contentou a milhões de imigrantes e seus descendentes (porque lhes abre as portas para a legalidade, com as decorrentes vantagens para a sociedade e para esse grupo de trabalhadores até hoje constrangidos à ilegalidade) tem a sua existência ameaçada.

                          Com efeito, a reforma imigratória de Obama foi contestada na Justiça pelo partido republicano. Depois de denegada em primeira instância por um juiz do Texas, esse intento de justiça para a comunidade imigrante terá muito provavelmente a sorte decidida em aras da Corte Suprema. Como a maioria ali é conservadora, o resultado é um toss-up[1], tanto pode dar cara, quanto coroa...

 

 

( Fonte: artigo de Elizabeth Drew, ‘Grandes perigos para a próxima eleição’, em The New York Review, 21 de maio – 3 de junho de 2015. )




[1] Equivale a jogar para o alto uma moeda.

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