quinta-feira, 18 de junho de 2015

O Tabuleiro está para Putin ?

                                    

          Quando em 2014, Vladimir Putin lança a Rússia em guerra não-declarada contra a Ucrânia – casus belli a derrubada de seu protegido Viktor Yanukovich da presidência – dar-se-ia o presidente russo conta de que iniciava processo que colocaria em jogo a détente pós-dissolução da União Soviética? 

           Com efeito, em seguida à atrevida anexação da Crimeia, o presidente russo quebrara a espécie de entente cordiale que se estabelecera tempos após às intervenções de Moscou na Georgia e na Moldova. As consequências negativas desse imperialismo do Kremlin contra o estrangeiro-próximo[1] afetaram as relações de Washington e Moscou sobretudo no segundo mandato de George W. Bush.

          Numa jogada política cuja habilidade somente seria reconhecida mais tarde, Putin cederia a presidência para o seu fiel aliado Dmitri Medvedev, que no famoso par seria o good cop (bom guarda) em relação ao bad cop (encarnado por Putin).

          No quadriênio de Medvedev (2008-2012), este estabeleceria boa relação com Barack Obama. Entrementes, Putin ficou como Primeiro Ministro. Passado o intervalo, Vladimir Putin retomaria a presidência, e por algum tempo o bom clima estabelecido pelo fiel Medvedev prevaleceria.

         Sem embargo, a máscara cairia com a invasão branca da Ucrânia, além da anexação da península da Crimeia. Esta seria o turning-point[2] nas relações de Moscou com Washington e o Ocidente. Além de ser posta para fora do G-8, o grupo das principais nações mundiais (de que está excluída também a China), a Rússia sofreria uma série de sanções pontuais, de natureza econômico-financeira, que puniria notadamente o círculo de cupinchas de Putin. Não podendo serem aplicadas sanções através do Conselho de Segurança das Nações Unidas (de que é membro permanente, e com direito de veto, a Federação Russa), Obama preferiu atingir as finanças de milionários membros mais próximos da curriola de gospodin Putin.

          Prosseguindo a guerra por procuração contra a Ucrânia – a despeito de dois cessar-fogo subscritos em Minsk, no segundo semestre de 2014 e no primeiro semestre de 2015 – a surda hostilidade entre Moscou e Washington igualmente continuou.

          Conforme este blog assinalou na Colcha de Retalhos C 22, de catorze de junho corrente, a insegurança provocada nos países bálticos e em outras nações, como a Polônia, Hungria, Romênia e Bulgária, previu destacamentos com soldados americanos, além de  armamentos.

           Não houve menção da Ucrânia, por ora,  ainda que Kiev enfrente duas ameaças complementares. Por um lado, os ditos ‘rebeldes pró-Rússia’, que são forças de partiggiani[3] industriadas e equipadas por Moscou, e que atuam notadamente em Luhansk e Donetzk, no extremo leste da Ucrânia; e, por outro lado, os chamados voluntários russos, que são fluxos de soldados supostamente autônomos do Kremlin, mas na verdade peças da mesma engrenagem, providos de equipamentos e armas do exército russo.

          Há ainda um outro objetivo próximo à costa do Mar de Azov, que é Mariupol. Esta cidade tem posição mais bem defendida pelas forças ucranianas.   Dada a sua importância, a postura da Alemanha, em termos de concessão de maior ajuda a Kiev, tenderia a mudar, em caso de ataque russo, como o teria assinalado a própria Chanceler Angela Merkel.

          Dadas as características desse desafio à soberania da Ucrânia, depois de primeiro momento de choque, está aumentando a reação ucraniana, que vem tendo respaldo de toda a sociedade nacional, excetuados enclaves na área extremo oriental.

          O que as forças armadas ucranianas carecem é de serem mais bem equipadas, com armamento pesado de defesa para enfrentar não só os rebeldes, estipendiados e estruturados pelo aliado russo, mas também o maior desafio colocado pelo invasor moscovita.

          Por outro lado, o Presidente Vladimir V. Putin tem ultimamente transmitido sinais de crescente beligerância. Parece querer assumir o posto da finada União Soviética, que em processo literalmente único na história se teria esfacelado em 1992 sob o peso de exigências logísticas e militares, as quais por influência da perestroika e da glasnost – além do temido princípio das nacionalidades – teriam provocado o desaparecimento da  própria estrutura de governo.

          Agora, Putin deseja colocar a Federação Russa como estado sucessor da União Soviética.  Se a Rússia continua a ser um grande país, há muita diferença entre a sua extensão e capacidade de poder, em relação à antiga  União Soviética.

          Não obstante, dentro desse espírito, Putin acaba de anunciar a decisão de instalar 40 mísseis intercontinentais. Segundo o presidente russo, esses mísseis fazem parte de um programa de modernização militar e serão “capazes de passar pelos sistemas de defesa antiaérea mais sofisticados.”

     Segundo o Secretário-Geral da NATO, Jan Stoltenberg, a iniciativa russa é “desestabilizadora e perigosa”, o que constituiria, a seu ver, “padrão de comportamento” do governo Putin.

           Há realmente uma sensação de perplexidade diante dessa atitude belicosa.  “Essa ameaça é injustificada, é como desembainhar a espada nuclear. Essa é uma das razões pela qual estamos aumentando o grau de prontidão  e preparando nossas forças”, completou Stoltenberg.

           Ainda não se determinaram quais são os escopos reais de Putin, à vista dessa disposição. Quer acaso demonstrar que não é apenas um mero ‘poder regional’, como lhe acoimou Barack Obama recentemente?

            Pode ser. Mas a Rússia, no frigir dos ovos, não tem um PIB que se compare ao da Superpotência, nem, por conseguinte, base econômico-financeira que sustente as fanfarronadas de discursos circundados por fardas e quepes militares.

            Se Putin deseja investir contra os moinhos de vento das potências visadas pelos seus quarenta novos mísseis intercontinentais, resta determinar qual o objetivo dessa ameaça. No paralelo com o episódio célebre em que seu êmulo D.Quixote  se assinalou, sabemos quão rápido e desastroso para o valeroso cavaleiro da Mancha foi esse embate.

 

( Fontes:  Folha de S. Paulo,Putin’s Kleptocracy, de Karen Dawisha,Simon & Schuster,            D.Quijote de la Mancha, Miguel de Cervantes, cap.VIII da Primeira Parte)



[1] O ‘estrangeiro próximo’ é um conceito deveras presente no vocabulário do poder do Kremlin.. Assim são referidos os países menores, considerados na órbita de influência de Moscou, que podem inclusive serem mencionados na legislação interna da Federação Russa.
[2] Mudança determinante.
[3] Guerrilheiros.

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