Quando Barack Obama sucedeu a George Bush na Casa Branca, se o Afeganistão continuou a ser uma das prioridades da Administração, o relacionamento entre os dois presidentes não se manteve no mesmo nível anterior.
Havia uma boa química entre Bush e Hamid Karzai, com reuniões regulares, por meios protegidos de comunicação. Com o advento da nova Administração, se procedeu a uma revisão da relação. O pleito afegão, marcado por fraude generalizada, e as fundadas suspeitas de favorecimento do Karzai, tudo isso não contribuíu decerto para que se reforçasse o nível de empatia e entendimento entre os dois chefes de governo.
Pesam, igualmente, contra Karzai acusações de corrupção, em especial de seus familiares, e de demasiada tolerância para com os senhores da guerra, a quem se acham confiadas muitas das províncias afegãs.
Não obstante o que precede, por considerações estratégicas, Obama decidiu priorizar o Afeganistão. Na verdade, o Presidente americano se empenhou junto aos aliados da OTAN para que a guerra no Afeganistão recebesse a principal atenção, sob o pressuposto da progressiva normalização da situação no Iraque.
Consoante o acordado pela Administração democrata, procedeu-se a grande incremento nas tropas, com mais 40 mil soldados. O general Stanley McChrystal é o comandante do contingente estadunidense, além de exercer o comando geral das tropas da OTAN e do exército afegão. Em função do sensível aumento nos efetivos, assim como a maior colaboração prestada pelo Paquistão, sobretudo ao cercear a utilização de seu território como refúgio dos militantes talibãs, reduziu-se a anterior facilidade de manobra dos insurgentes e tende a elevar-se a pressão sobre as formações da guerrilha.
O corpo expedicionário aliado buscou ganhar a iniciativa das ações, e dirigiu o seu ataque à região sul afegã, assinalada até então pelo domínio talibã do campo, e nominal presença do governo central. Em consequência das novas diretivas e, em especial, do aumento de efetivos, se intensificaram os embates com os insurgentes talibãs. Especula-se, de resto, se haverá em breve tentativa dos irregulares afegãos de estabelecerem linha de resistência frontal ao avanço da Otan.
Nesse quadro do conflito, em que a iniciativa se acha com as tropas aliadas, o Presidente Hamid Karzai tem evidenciado sinais de insatisfação.
O mais importante deles foi o convite – prontamente aceito – ao presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, para uma visita a Kabul. Dessarte, Karzai, o aliado do Ocidente, recebeu em palácio, entre orientais sorrisos, o presidente iraniano, que não desperdiçou a oportunidade de pronunciar violento discurso contra o grande satã de Washington.
A manobra de Karzai poderia ser havida como torpe. Como o aliado de Bush e agora de Obama, cujo regime, se deixado à míngua de tropas da OTAN, não teria condições de resistir ao talibã, veria alguma serventia em receber o vizinho iraniano, de que a confluência de interesses com a milícia insurgente se afigura inegável ?
O convite ao ‘amigo’ Ahmadinejad na verdade foi a retaliação de Karzai ao cancelamento de uma visita sua programada à Casa Branca. Irritado com a demissão pelo presidente afegão de Comissão das Nações Unidas que investigara a colossal fraude na eleição presidencial, Barack Obama mandou adiar sine-die o encontro com Karzai.
O presidente afegão pode não enfeixar muito poder, mas, a exemplo de tantos colegas seus, aprecia o fasto e a pompa do mando. Mesmo nos momentos mais difíceis da guerra, em que a força expedicionária da OTAN sofria sob o acosso dos guerrilheiros, Hamid Karzai estimava passar em revista destacamento de sua guarda de honra, não sem que antes fossem tomadas as imprescindíveis providências de retirar a munição das armas respectivas. Afinal, se tal precaução houvesse sido adotada o assassínio de Anwar Sadat, durante parada militar, jamais teria ocorrido...
Karzai pode ser um aliado incômodo, mas, por ora, é indispensável. Diante disso, a Casa Branca optou por reparar o dano eventual, e, nesse sentido, foi organizada a visita não-anunciada de Obama ao Afeganistão. Dados as implicações de segurança, é procedimento usual que as escalas no Iraque e no Afeganistão só sejam sabidas a posteriori. No caso em tela, embora o presidente tenha ido precipuamente visitar os soldados americanos, a viagem de Obama serviu igualmente para restabelecer um relacionamento que se mostrava necessitado de atenções urgentes.
Como em outras relações em crise, as aparências têm de ser salvaguardadas. Em fim de contas, o exército da OTAN está naquelas paragens notoriamente espinhosas - e traiçoeiras - para legiões estrangeiras com o firme desígnio de derrotar a milícia talibã e reforçar o poder central do presidente Hamid Karzai. O sucesso implicaria em novo ponto de apoio de Washington na sua luta contra a coalizão islamista radical. Além de uma exceção de relevo no histórico afegão quanto a exércitos forâneos no seu território.
( Fonte: International Herald Tribune )
quinta-feira, 1 de abril de 2010
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