domingo, 4 de abril de 2010

Colcha de Retalhos XLI

A Saga do Menino Sean

Os leitores decerto ainda se lembram da questão judicial entre o pai de Sean, David Goldman e o padrasto do menino, João Paulo Lins e Silva. A despeito dos esforços da família brasileira, com a avó Silvana Bianchi à frente, os juízes brasileiros não quiseram ouvir o querer de Sean. Nesse aspecto, a liminar do Ministro Gilmar Mendes, derrubando outra liminar do colega Ministro Marco Aurélio Mello, concedendo a guarda ao pai do menino antes do julgamento do mérito, se assinalou por estranha pressa, que sequer assegurou à parte brasileira o direito de visita. Agora a família Lins e Silva colhe os frutos dessa decisão de afogadilho.
Malgrado as tentativas daqueles com que o menino vivia desde julho de 2004, depois da vinda para o Brasil da mãe Bruna, ao cabo prevaleceu a posição do pai, que, com a mãe em vida, nunca se interessara em manter contato mais estreito com a criança.
Com a morte de Bruna, em agosto de 2008, ao nascer a irmãzinha de Sean, a situação muda. David movimenta o estado de New Jersey, onde vive, ganha o apoio da Secretária de Estado Hillary Clinton, e até um Senador invoca privilégio colocando a concessão de vantagens aduaneiros para o Brasil sob a condição do favor judicial ao pai litigante.
Foram em vão as liminares ganhas pelos advogados da família brasileira. Os juízes brasileiros tiveram pressa em favorecer a David Goldman. Em seus despachos, não tinham dúvidas que a avó Silvana e a família brasileira teriam direito de visita ao neto. E, dessarte, mandando às urtigas a vontade do menino – a que não se outorgou sequer o direito de deixar constância nos autos do processo qual era a sua preferência – todos assistimos à partida de pai e filho em avião fretado por uma cadeia televisiva americana, com que David Goldman negociara previamente.
Depois da traumática separação, até agora – não obstante as magisteriais promessas – a avó Silvana não mais logrou rever o neto Sean. Por telefone ou e-mail, ela perdeu o contato há 32 dias. Tentando visitar o neto – o que jamais fora negado a David quando a família de Bruna tinha a guarda – chegou a encontrar-se com o pai perante um psicólogo, que recomendou a realização do encontro, eis que ajudaria na adaptação de Sean a New Jersey.
Esta, no entanto, não é a vontade paterna. E juíza americana, de New Jersey, negou agora pedido para que a avó Silvana pudesse visitar o neto.
Dentro da mesma linha, David Goldman não se dignou responder a pedido do governo brasileiro para que funcionário consular visitasse Sean. A diferença de tratamento é também aqui marcante, eis que a família não criara empecilho para que funcionário consular americano visitasse Sean no Rio de Janeiro.
A negativa do pai configura, no entender do advogado Sérgio Tostes, virtual situação de cárcere privado para o menino.
Sean tem hoje dez anos. Por que não se deixa que a avó materna se encontre com o menino ? Ou por que teme o pai este contato ?
A família Lins e Silva tem meios e continuará tentando. Os juízes brasileiros acenaram com o direito à visita, mas será que escapou ao Ministro Gilmar Mendes que o estabelecimento formal do direito de visita concedido à família brasileira era indispensável, mormente quando formalmente a questão ainda está sub judice, pendente de julgamento do plenário do Supremo ? Afinal, Sean Goldman foi arrancado da família brasileira por uma liminar, e não por sentença sobre o mérito do processo. Será que a justiça americana atentará para tal ?

A espionagem governamental é legal ou não ?

Quando era candidato, o Senador Barack Obama afirmou ser “inconstitucional e ilegal” a realização pela Administração Bush de espionagem sem autorização de cidadãos americanos.
No entanto, após a vitória e a posse, os funcionários responsáveis têm evitado reiterar essa posição. Dessarte, ou contornam quesitos em depoimentos no Congresso sobre a legalidade do programa, ou acionados em processos judiciários, evitam responder à pergunta, solicitando aos tribunais que arquivem (dismiss) as ações em tela, eis que no contraditório poderiam ser revelados segredos de Estado.
Esse estranho recuo da presidência Obama – que, uma vez mais, se descobre refém de doutrinas enunciadas pela ultra-direitista Administração Bush – pode ter os dias contados. Um juiz federal, Vaughn Walker, deu despacho em ação quanto à existência de “vigilância eletrônica ilegal”.
Por enquanto, o governo federal não tem que tomar atitude no que tange ao assunto, porque o juiz ainda não chegou a uma decisão final. O juiz federal V. Walker deu aos autores da ação (plaintiffs) até o dia dezesseis de abril para informar se consentem em desistir de outras pretensões, e apresentar em consequência proposta de indenização que lhes é devida pelo governo.
Se a sentença for confirmada, caberá à Administração decidir se cabe recurso, com o escopo de anular a decisão do juiz Walker. Dada a relevância da matéria, é provável que a questão não fique na esfera da Solicitadora Geral Elena Kagan, e passe para a competência do Procurador-Geral (Attorney General) Eric H. Holder e até a própria Casa Branca.
Segundo se especula, há razões pró e contra o recurso judicial pelo Governo Federal. Rebatendo a eventual sentença do Juiz Walker, se contestaria a sua interpretação estrita do privilégio dos segredos de estado. Dessarte, discutida a validade da sentença, se preveniria possível influência sobre outros casos. Além disso, a Administração Obama não teria que afrontar a questão mais ampla acerca da legalidade do programa.
Entretanto, existem motivos para que se decida não contestar a sentença do juiz Walker. Terminaria assim com o problema de continuar levando avante a doutrina Bush do privilégio dos segredos de estado, que tantas dificuldades tem criado junto a círculos liberais-progressistas. Outra vantagem de deixar como está seria que a decisão viria de um juiz ordinário e não de uma corte de apelação e, portanto, não criaria precedente.
Não obstante, a atitude passiva poderia gerar outros problemas. O Governo federal poderia ficar com uma sentença judicial de que a espionagem (wiretapping) por funcionários estatais é ilegal. Esta asserção poderia acionar pedidos para que se inicie uma investigação criminal. É um crime grave (felony) violar a lei de vigilância que requer autorizações especiais (warrants).
Sem embargo, a maioria dos especialistas concorda em que “a Administração Obama decidiu há bastante tempo que não irá processar o programa Bush de espionagem eletrônica não-autorizada.” Decisão similar – e igualmente decepcionante para a ala liberal-progressista – foi a de não investigar os interrogadores da CIA que conduziram os seus interrogatórios nos anos Bush, com a manifesta utilização da tortura (negada em memoranduns adrede preparados pelos conselheiros jurídicos).
Continuaria, segundo tal rationale, a valer o argumento de que também neste caso agiram eles sob a base dos pareceres fornecidos pelo Escritório dos Conselheiros Legais.
Ao compactuar com os notórios pareceres legais produzidos pelos associados de Bush – que formam a lista de indiciados pelo juiz Baltasar Garzón pelo crime de justificar o indefensável, i.e., a tortura – o Attorney General Holder e a Administração Bush poderia estar escolhendo a linha política mais segura e menos controversa – mas estará acaso agindo na melhor tradição do direito americano ?

( Fontes: O Globe e International Herald Tribune )

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