A posição das contas externas do Brasil não é assim tão segura quanto o atual governo, seguindo a política do anterior, procura apregoar. Essa potencial fragilidade de nosso balanço de pagamentos tem sido referida em várias oportunidades por este blog.
Dessarte, gostaria de registrar as observações de Paulo Nogueira Batista Jr., atual Diretor-Executivo no Fundo Monetário Internacional, e que escreve semanalmente na Folha de S. Paulo.
Não obstante o fato de havermos emprestado dez bilhões de dólares ao FMI, em plena crise financeira internacional, a nossa real posição em termos de relações de troca está longe de refletir essa jogada de marketing.
Construíamos no passado os nossos saldos em contas correntes graças ao desempenho da balança comercial, em que são computadas as trocas de mercadorias.
Ora, nos últimos tempos, em função da apreciação relativa do real quanto ao dólar estadunidense, há uma óbvia deterioração nas contas externas, com a marcada redução de nossos superavits comerciais.
Ao examinar-se o comportamento de nossa balança, fica mais fácil entender o porquê da manutenção do yuan renmimbi pelo Banco central chinês em cotação artificialmente baixa em relação ao dólar.
Pelo continuado processo de valorização do real – que de um patamar de cerca de dois dólares e meio passou para oscilar entre $1.7 - $ 1.8 - houve um barateamento na importação de bens e consequente encarecimento no preço de nossas mercadorias. Em outras palavras, cai a competitividade de nossas exportações, enquanto cresce o atrativo do produto estrangeiro.
Por isso, já se prevê um saldo de apenas dez bilhões de dólares para 2010, em nossa balança comercial, o que de longe não é suficiente para compensar o déficit em nossas transações financeiras. Em um passado relativamente recente, os saldos comerciais de mais de quarenta bilhões de dólares possibilitavam situação bastante confortável no balanço de contas correntes.
A economia brasileira, ao contrário de outras economias em similar nível de magnitude, não apresenta determinadas condições estruturais que possibilitem saudável equilíbrio em termos de transações financeiras (conta de remessas para o exterior). Tomemos, v.g. as montadoras de veículos. Com a criação da indústria automobilística no Brasil, no governo de Juscelino Kubitschek, se partiu de uma posição em que, se existiam montadoras estrangeiras, havia um parque nacional nesse setor de considerável importância (Aero-Willys, Fábrica Nacional de Motores, Gurgel etc.)
Ao invés do reforço da indústria nacional, como ocorreu em outros países (Coreia do Sul), o que aqui se presenciou foi a desnacionalização das montadoras, processo iniciado no regime militar e concluído na administração de FHC.
Se se mantém o parque nacional da indústria de peças de automóveis e veículos, do lado das montadoras – que, pela sua posição oligopsônica, exercem influência prejudicial sobre as indústrias de peças – se nos depara exclusividade alienígena.
Assim, as grandes montadoras (GM, Ford, Renault, Fiat, Honda, etc.) podiam compensar os prejuízos sofridos nos Estados Unidos, Europa e Ásia, com os lucros auferidos pelas suas sucursais no mercado brasileiro.
Esse incremento de vendas no Brasil durante a crise, se deve aos benefícios fiscais concedidos pelo governo para as viaturas econômicas. Em outras palavras, por cortesia da administração Lula, se incharam os lucros das montadoras estrangeiros, e as consequentes remessas para o exterior, pressionando em não pouca medida as nossas transações.
Ao contrário, portanto, de o que apregoava o neoliberalismo, a contribuição do capital estrangeiro e as suas inversões em nossa economia, tendiam a incrementar a nossa exposição na relação de troca, favorecendo deficits estruturais.
Nessas condições, não surpreende que se estime para 2010 remessa líquida de lucros e dividendos de US$ 32 bilhões. Se somarmos a tal, a despesa líquida com juros, o total dos compromissos de pagamento deve ultrapassar quarenta bilhões.
Se a paridade do real continuar no nível 1.7/1.8, se o turismo continuar deficitário, o déficit em conta-corrente deve ficar em torno de 2,5% do PIB em 2010. E se não houver mudanças futuras, a perspectiva será a de que tal déficit continue a crescer (basta atentar para a cumulatividade do processo).
Dessa maneira, o Brasil estará caminhando outra vez para ser um devedor em matéria de contas externas e não o credor que ora se apregoa.
( Fonte: Folha de S. Paulo )
sexta-feira, 16 de abril de 2010
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2 comentários:
E qual seria a solução, mais protecionismo e fechamento da economia? Sim, se seguirmos pelo caminho da estatização branca e do desestímulo ao setor privado no qual estamos. Este seria um caminho para proteger nossa economia sem capacidade de competir com os estrangeiros. Infelizmente, como sempre isto seria péssimo para a população e principalmente os mais pobres, e ótimo para os políticos populistas e para a elite empresarial acostumada a levar vantagem. E o país se acomodaria novamente na mediocridade. A ojeriza ao déficit (embora exagerada na situação atual) será produtiva se ela levar à competitividade e a reformas pró investimentos - não ao discurso fácil do isolamento nacionalista. Não é por acaso que o mundo vive hoje seu período de maior riqueza e bem estar desde sempre – é claro que extremamente desigual entre os países, mas mesmo assim seria difícil dizer que estamos pior do que nos séculos passados – mesmo com suas imperfeições isto é resultado da economia de mercado, e não de alguma mágica ou milagre. Não há atalhos para a prosperidade e o Brasil já perdeu tempo demais procurando-os.
O comentarista alvitra 'soluções' que não foram sequer sugeridas. Não se falou nem de protecionismo, nem de estatização. Foi reportada situação anterior que o neoliberalismo de FHC - e a falta de competência do regime anterior - permitiu que se desfizesse, ou mesmo contribuíu para que surgisse.É deveras estranho que entre as economias mais importantes o Brasil seja a única delas que não dispõe sequer de uma montadora nacional. As outras economias - que participam da nova situação que o comentarista idealiza - souberam, no entanto, preservar as próprias indústrias e montadoras, diminuindo, portanto, as remessas de lucros,etc. para o exterior (o que reduz a pressão sobre a balança de contas correntes).
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