Para o observador brasileiro não-alienado não terá sido decerto surpreendente a decisão do Supremo Tribunal Federal com relação à ação movida pela Ordem dos Advogados do Brasil, com respeito à exclusão da tortura, e de outros crimes imprescritíveis, da lei de Anistia.
A maioria seguiu o voto do relator, o Ministro Eros Grau, que repetiu a conhecida tese da abrangência dessa lei, como se também incluísse o torpe crime da tortura na lista daqueles exculpados para a retomada da democracia.
Apenas dois ministros do STF – Ayres Britto e Ricardo Lewandowski – votaram contra. Nesse sentido, as palavras de Ayres Britto – “certos crimes são, pela sua natureza, absolutamente incompatíveis com a ideia de criminalidade política por convicção” – não ecoaram em vão, a despeito da compacta votação da maioria, como se todos os crimes cometidos pela ditadura militar fossem prescritíveis.
É constrangedora a diferença entre a atitude da elite dominante civil brasileira e as de Argentina e Chile, vítimas no passado de regimes ditatoriais militares ainda mais violentos do que o brasileiro. Enquanto os nossos irmãos sul-americanos enfrentam com coragem a trágica herança dos Pinochets e dos Villela, como poderemos qualificar a atitude dos próceres e representantes da sociedade civil brasileira ?
Como considerar a gritante disparidade entre estamentos políticos que não trepidam em desvencilhar-se de institutos remanescentes do predomínio castrense – como o argentino, se cotejada com a esdrúxula sobrevivência no Brasil da justiça militar ?
Na verdade, o episódio de ontem, com a bem-comportada anuência à tese dos chamados clubes militares e dos quarteis, se integra a uma longa série de constrangedoras manifestações de entranhado temor reverencial às forças armadas.
Essa submissão social, nós a vemos em toda a parte, a começar pelos nossos representantes políticos, tanto do Executivo, quanto do Legislativo. Esquecem-se esses senhores do tão decantado poder civil, e do respeito que lhe é devido.
A democracia, essa tenra plantinha de Mangabeira, se alicerça na soberania do Povo. Os magistrados da República – e me refiro decerto ao Executivo – estão nos seus cargos pelo voto, e só pelo voto podem ser deles apeados. Quando outros critérios são introduzidos, o regime poderá ser muita coisa, mas nunca democrático.
Para que a democracia brasileira conclua o seu processo de formação, carece de liberar-se do vício redibitório que presidiu ao estabelecimento da república.
Por demasiado tempo os militares se acreditam senhores da república pelo fato de que Deodoro da Fonseca haja então julgado oportuno abandonar a ideologia monárquica pela republicana.
A igualdade é privilégio do regime republicano. A longa marcha do Brasil para a democracia só terminará quando juízos como o de ontem se tornem inconcebíveis.
( Fonte: O Globo )
sexta-feira, 30 de abril de 2010
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Um comentário:
SEM ENTRAR NO MÉRITO DOS CRIMES, discordo totalmente da visão do blogueiro, que parece ter creditado a decisão do Supremo ao temor pelas forças armadas. O autor sequer considera a lei, que é o que o STF tem por missão resguardar. Já parte do pressuposto que o STF tinha por obrigação referendar a demanda de alguns setores sociais e simplesmente passar por cima da lei. O autor recorre à democracia para justificar isso. Pergunto, que democracia é essa onde o clamor de poucos se sobrepõe à lei? E quando a tentativa é frustrada culpam-se as tradicionais forças ocultas, sem maiores provas. Pergunto, o que representa melhor a democracia, a lei ou o grito? Dito isso, qual o impedimento de tentar algo no Congresso? Isto sim seria democrático e legítimo. Felizmente o STF demonstra que os que se julgam donos da verdade não estão acima da lei.
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