A tragédia das chuvas no Rio de Janeiro não se repete há 40 anos, como anuncia o jornal. Na área do grande Rio, há registro de grandes aguaceiros desde 1924. Comparável em estragos, a calamidade de 1966. No entanto, importa nos determos na emergência de 5/6 de abril corrente, com os seus 280 mm de chuva em 24 horas e os seus 102 mortos até a manhã de hoje.
A falta de planejamento para enfrentar o desastre natural – que é tristemente previsível – não precisava sequer ser enunciada. Estava escancarada por toda a cidade.
De início, na cacofonia das declarações dos políticos, a começar pelo falastrão-mor, Luiz Inácio Lula da Silva. No entender de Sua Excelência houve ‘desmando administrativo’, o processo de 40 anos que tornou possíveis construções irregulares em tais lugares. Não é mais possível permitir que as pessoas ocupem áreas inadequadas para morar.
Essa súbita severidade pós-desastre não se concilia com a exposição do apoio recebido pela candidata oficial, Dilma Rousseff, pelo casal Garotinho (que governou o Estado por oito anos), e que agora associa a sua imagem política à candidata de Lula.
Por sua vez, o coro foi engrossado por assertivas do governador Sérgio Cabral, que culpou as ocupações irregulares como a principal causa das mortes.
Já o Prefeito Eduardo Paes, de início teve comportamento mais humilde. Classificara o comportamento da cidade como “inferior a zero”, e assumira parte da responsabilidade. Outra iniciativa sensata foi encarecer as pessoas a ficarem em casa (pelo menos, quem ainda as tinha). Mais tarde, a atitude se alterou, e a irritação repontou. “Se quiserem acreditar que uma chuva dessas cai todo dia, podem acreditar. Para mim é algo fora da normalidade. Talvez, nas outras vezes, tenham limpado as galerias, e, desta vez, eu tenha resolvido não limpar.”
Sarcasmos à parte, seria decerto uma boa ideia a de dar prioridade à limpeza e à desobstrução de canais, galerias e bueiros. O poder público, cuja ausência foi assaz notada ontem, tem de ser previdente e providente nas medidas de limpeza, para que os esgotos pluviais, entre outros, cumpram a função precípua de escoamento do excesso das águas.
Imensas poças, alagamentos e inundações – como os vistos na Praça da Bandeira, na Presidente Vargas, na Barra (Ayrton Sena) e na Lagoa (Borges de Medeiros e Epitácio Pessoa) – deixariam de ser as manifestações habituais da desídia e da incúria dos órgãos estatais.
É necessário implantar cultura de respeito ao bem público. Não apenas na preservação de estátuas e monumentos, mas em uma presença mais atuante e menos a-sistêmica, como na dragagem regular e não eventual dos canais – que também servem para prevenir e absorver o excesso das águas.
O plano de emergência da prefeitura – aquele de que se anunciou, mas não se concretizou, em mais um factóide administrativo – se existisse poderia ajudar a diminuir o caos urbano, acirrado pela ausência dos guardas municipais – ou será que a sua função se limita a inscrever registos de multas ?
A falta de segurança – deficiência estadual – facilitou a ação de bandidos que saquearam motoristas e pedestres. Mas como esperar de marginais compreensão e solidariedade na desgraça ? E, convenhamos, lacuna em segurança é ocorrência comum e não inusitada. Na eventualidade, portanto, apenas traz ênfase desagradável na incapacidade comprovada do Estado em garantir policiamento adequado.
Será então humor negro que ao cabo de tudo – impossibilitado, coitado, de presidir à mais uma inauguração do PAC no Complexo do Alemão – Lula da Silva ressalte: “Junho e julho são meses mais tranquilos, e o Rio de Janeiro está preparado para fazer as Olimpíadas e a Copa do Mundo”.
Como ponto final, nesse escárnio dos poderes – oficiais e oficiosos – a burocracia dos bancos, através da Febraban (Federação Brasileira de Bancos) nos informa, pressurosa, que as contas vencidas ontem terão que ser pagas com juros, por atraso. E aditou: só em caso de calamidade pública as contas vencidas ontem podem ser pagas sem cobrança de juros por atraso. E, como somente Niteroi decretou calamidade, se deve inferir que, para todos os efeitos burocrático-bancários, não houve calamidade no Rio de Janeiro.
( Fonte: O Globo )
quarta-feira, 7 de abril de 2010
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