No quase-deserto atual
do Rio de Janeiro, em termos de expoentes políticos nacionais, o artigo em
tela, que se baseia em matéria elaborada por Italo Nogueira, para a Folha de S. Paulo, busca traçar as
razões - segundo os próprios interesses - da sua metamorfose de político
nacional, para um réu profissional. Vista de relance, afigura-se a princípio
difícil entender essa radical alteração em suas perspectivas políticas - de eventual
candidato potencial à presidência da república à sua atual situação de presi-diário,
em que ora se "profissionaliza" no seu papel de réu da Operação Lava Jato.
Para
tanto, me baseio no artigo supracitado. Segundo assinala Nogueira na Folha, o ex-governador Sérgio Cabral completa três anos preso
enquanto se "profissionaliza" como réu da Operação Lava Jato. Há pouco mais de ano, Cabral
negou por última vez haver recebido propina. A partir de então, adotou nova
estratégia de defesa: confessar os crimes a fim de reduzir as penas. Nessa
linha, iniciou tratativas para se tornar delator da Polícia Federal, o que fez
após a recusa do Ministério Público Federal. Se há alguém que poderia dizer - a minha vida me condena - ele não deve
ignorar que essa nova estratégia não tem sucesso assegurado.
O resumo de sua vida sob a lupa do direito
penal, na matéria da Folha - réu em
trinta ações penais decorrentes da operação e condenado a cerca de 268 anos de
prisão, Sérgio Cabral não ignora que só possa ser visto como o estereótipo
do político corrupto. Mas como a esperança será sempre a companheira de cela
dos condenados, as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal lhe
reacenderam essa chama que ele compartilha com todos aqueles que vivem atrás
das grades - a eventual reconquista da liberdade.
Dessarte, a defesa de Cabral prepara para 2020 habeas
corpus em que ela tentará revogar as três prisões preventivas e uma
execução de pena provisória que o esperam nessa longa jornada da reconquista
eventual desse sonho permanente do presidiário - seja ele conhecido ou ignoto -
que é a desejada reafirmação da liberdade.
Como sublinha Nogueira, será a primeira vez, desde novembro de 2016,
quando foi detido na Operação Calicute,
que ele se servirá deste recurso. A primeira medida foi tentar revogar neste
mês de novembro a prisão decorrente da condenação no TRF-4 (Tribunal Regional
Federal da 4ª Região), que é a única condenação em segunda instância contra
ele (ainda pende de decisão judicial decisão de qual magistrado é competente
para analisá-la - se Curitiba ou Rio de Janeiro). Os futuros pedidos de liberdade, no entanto,
dependem de pronunciamento do Supremo sobre temas que afetem a Lava Jato.
Ao
contrário de outras Justiças nacionais, é uma tônica brasileira que a evolução
esteja muito presente em nossa Justiça. Assim, como assinala o artigo a decisão
sobre o compartilhamento dos dados da UIF (antigo Coaf) a ser tomada provavelmente nesta semana pelo
STF é outra que pode interferir no andamento dos processos do ex-governador
Cabral.
E não é só. Como se assinala, os
magistrados entenderam que delatores
devem protocolar as alegações finais antes dos delatados, o que não ocorreu em
nenhum processo do ex-governador. O STF ainda vai definir o que fazer com os processos
já concluídos (a regra é que os delatores devem protocolar as alegações finais
antes dos delatados - o que não ocorreu, como sublinha Nogueira, em nenhum
processo do ex-governador).
Quanto à realidade na prisão, a
que as confissões de Cabral vieram a modificar, viria a surgir dessa mudança de
postura do ex-governador a animosidade de alguns dos companheiros de cárcere.
Por isso, o ex-governador pediu transferência para o Batalhão Especial
Prisional de Niterói, onde está detido
o ex-governador Pezão. Autorizada pelo juiz Marcelo Bretas, a mudança foi vetada pela Vara de Execuções Penais.
Cabral divide uma galeria de seis celas de seis metros quadrados cada uma
com outros quatro detentos: Eduardo Cunha
(ex-deputado federal), Wilson Carlos
(ex-secretário) Paulo Melo e Edson Albertassi (ex-deputados estaduais). Passa o tempo lendo jornais, livros ou
fazendo exercícios com halteres especiais.
Como assinala a matéria de Nogueira, a leitura já o ajudou a reduzir em
51 dias sua pena - benefício previsto na Lei de Execuções Penais. Ao longo de
três anos, Cabral foi interrogado 23 vezes, tendo ficado em silêncio em apenas
duas. No inicio, segundo refere o artigo, se defendia de forma veemente. Chegou a discutir com o juiz Marcelo Bretas e com o procurador Eduardo El Hage, coordenador da Lava
Jato fluminense.
Após a transferência para
Curitiba em 2018, na qual foi algemado nas mãos e nos pés, adotou tom mais
humilde. Falou que não soube se conter diante de tanto poder, mas manteve a
linha de defesa anterior, de que fizera uso pessoal de sobras da caixa dois de
campanha.
No início do corrente
ano de 2019, decidiu assumir os crimes que lhe são atribuídos. Seus primeiros
depoimentos como réu confesso foram carregados de emoção. Classificou o poder e
o dinheiro como vícios.
Afirmou também haver
sido achacado por deputados e feito tratos com ministros de tribunais
superiores. Mencionou ainda repasses a antigos aliados que nem eram tema de
ações penais. Aos poucos, se tornou mais
avaro nas falas, restringindo-se aos temas dos processos em que é ouvido. Tem prestado depoimento em inquéritos em
curso antes mesmo da deflagração de novas operações. Ao mesmo tempo, negocia
com a Polícia Federal a ampliação de suas informações.
O resultado
prático na aplicação das penas ainda não é possível. Bretas não sentenciou o
ex-governador em nenhum processo no qual
ele tenha confessado crimes em interrogatório.
O objetivo atual seria o de amenizar sua
imagem a fim de atenuar o impacto de uma eventual soltura. O ex-emedebista se
desfiliou do partido em setembro, com o intuito de sinalizar publicamente o fim
de sua carreira política.
Sem embargo, sua liberdade é vista com preocupação no Ministério Público
Federal.
O procurador Eduardo El Hage, já
referido como o coordenador da Lava Jato
fluminense, classifica, sem embargo, a saída de Cabral como um risco. A
Procuradoria ainda desconfia que o acusado mantenha oculto parte de seu patrimônio obtido com
propinas, apesar das confissões.
"Ele é
líder da maior organização criminosa que já foi descoberta no estado do Rio de
Janeiro. Não tenho dúvidas de que ele ainda tenha muito poder e, em liberdade,
pode continuar manipulando essa máquina que funciona a seu serviço", disse
o procurador.
Tenho para
mim, ao cabo de inteirar-me do artigo de Italo
Nogueira, a quem me permiti em parte transcrever, assim como acrescentar -
ou modificar - o que acaso julguei pertinente,
que o ex-governador, a quem, repito, não conheço pessoalmente, foi um
valor que a corrupção afastou de exemplo a que seguiria com público proveito,
que o seu entorno de família, na qual se
criou, teria colaborado a ser governante
em nível ainda mais alto, sem a experiência negativa, hoje sobejamente
conhecida, e a qual é agora associado com
os fartos motivos aduzidos na matéria da Folha,tudo
isso já constitui, a meu modesto ver, prova
bastante, de que castigo apropriado já lhe foi cominado, de resto com a sua direta
colaboração, dada a extensão das penas que lhe foram justamente aplicadas, e o
que ainda merece consideração atenta, que ele mesmo, ao renunciar por escolha própria,
não permitiu que se lhe abrisse uma via ainda mais alta, que é a tanto tempo
denegada aos naturais do estado do Rio de Janeiro.
(
Fontes: Folha de S. Paulo e artigo de Italo Nogueira; conhecimento, enquanto cidadão,
da vida pública e da capacidade política de Sérgio Cabral.)
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