domingo, 3 de novembro de 2019

Coringa


                                                  

        Talvez o título inglês - Joker - reflita melhor o sentido do filme, trazendo o espírito de contestação,  de forma acintosa e agressiva, na raiva do diretor Todd Phillips quanto ao viés provocativo na temática do personagem principal - o Joker, que é o coringa do baralho, mas também aquele que agride o público com o seu humor cáustico, enquanto essa gente formaria o quadro de cena burguês.

               Não é à toa que a reação do personagem principal vem ajaezada em agressivo humorismo, de que o riso, por vezes gutural, por vezes no limite de um aceno iminente à compulsiva violência, aparece como a ur - básica - reação da figura que se esgueira pelas ruelas mais de Gotham city, da literatura em quadrinhos, do que propriamente de New York, como a revolta desse Joker, admiravelmente representado por Joaquin Phoenix que está aí, perante o espectador - em todas as suas irrupções - para lembrá-lo da raivosa contestação que  traz, tanto no seu rictus facial, quanto nos seus eventuais improvisos, que os novos proletários do século XXI  verbalizam, agridem mesmo com o seu humor, que é mais questionador do que revolucionário, a todos aqueles a quem responsabilizam como se fossem cúmplices de um quadro em que o humor tem de ser cruel e agressivo, como na reação que já se delineia nas primeiras cenas desse Coringa, ainda um joão ninguém na selva violenta de jovem e bastardo proletariado, que despeja a sua raiva no joker desconhecido e, por isso, irrelevante. Com efeito, o espectador se vê transportado para uma meta-realidade, que o surpreende pelo seu potencial agressivo e contestador.
                   Não será tampouco surpresa que esta evocação da literatura em quadrinhos feita pelo diretor Todd Phillips nos traga junto a atmosfera hobbesiana de uma pré-história com que nos confronta o filósofo inglês, que tão bem descreve, em frases que mais parecem uma série de estocadas aquele projeto de sociedade agressiva, brutal e cruel, com vidas bruscamente cortadas, que o submundo da Gotham city dos quadrinhos constitui uma sobrexposição. E não há negar que a obra de Todd Phillips, com esse coringa (joker) traz a violência antiga para o submundo de sombras, cortiços e do labirinto do metrô,em que vive o proletariado do século XXI.

                    Não é por acaso igualmente que as homenagens a Charlie Chaplin estejam  aí presentes - a despeito de sua distância no tempo - por mais que o rictus dos personagens do proletariado de Gotham City, assim como as referências ao maior diretor de todos os tempos - que mostram a permanência dessa emblemática figura de um cinema que é imortal na sua contextualidade crítica - e decerto não foi por acaso que o establishment cinematográfico americano reservaria a Chaplin, este gigante da Sétima Arte apenas um modesto Oscar por conjunto de obra...

                      Deve-se ter outrossim em mente, que essa nova obra prima do cinema americano possui também  a capacidade de afrontar, de irritar, quem sabe mesmo exasperar o estamento burguês que não cessa de mostrar o próprio desagrado, em que certos personagens tendem a reclamar, a exprobar mesmo, as formas para eles agressivas e perturbadoras que possam  revestir esses novos figurinos da Sétima Arte, que nos mostram, bem longe do tartamudear burguês, um estro tão presente na própria agressividade, que há de exasperar talvez aos Messieux   Dupont, irá gritar, seja nas praças, seja nos novos meios de comunicação,  o seu estentórico presente! pelo qual toda forma artística bate no chão comum o reclamo que atravessa os tempos, em que afirma seja pela Sétima Arte, seja por outras que a precederam, e até mesmo pela literatura em quadrinhos, como deparamos na Gotham City, que a beleza na humana expressão não conhece restrições burguesas, como já no passado nos ensinam aqueles que rasgaram as burocráticas compartimentações.      

( Fontes: Coringa, de Todd Phillips; Charlie Chaplin; Hobbes; literatura em quadrinhos )

Nenhum comentário: