sábado, 2 de novembro de 2019

O Brexit representa uma ameaça ?


                           
          Que dizer da atual posição do líder do partido do Brexit, o nacionalista Nigel Farage, que, em golpe de ousadia de todo desproporcional à respectiva força política, tenta pressionar o Primeiro Ministro britânico a formar uma aliança eleitoral e desistir do acordo de saída negociado  com a União Europeia ? Dentro de sua ótica extremista, os termos do Tratado não permitem uma retirada "verdadeira" do Reino Unido do bloco...
  
           Um dos erros primaciais de David Cameron, então Primeiro Ministro inglês, fora pensar poder uma vez mais instrumentalizar o separatismo, ao convocar o irresponsável referendo de 2016, o que se devia na verdade não só à sua deficiente valorização da participação na União Europeia, como se tal conquista da geração política inglesa que, após o desaparecimento do general de Gaulle, implementara o plano nacional de integrar a organização de Bruxelas, com o desaparecimento do velho líder francês, constituísse um fato reversível que poderia  perdurar ou não, como já se admitira pelo referendo convocado por Tony Blair, quando este era Primeiro Ministro.  
                 Ao colocar em jogo uma conquista política considerada irrenunciável pela geração política inglesa pós-segunda guerra mundial, aquela geração, que vira fracassar o seu plano alternativo de uma associação alternativa de países europeus, saberia esperar a sua hora, o que é um modo de fazê-la acontecer. Brincar com tais veleidosos e nostálgicos projetos em que o peso da soberania de outrora entrava no jogo político, ainda que sub-repticiamente, significava adotar um modelo irresponsável, porque tais negações de projetos nacionais baseados na conscientização de novas condições europeias representavam planos farsescos - se porventura concluídos - como acabou acontecendo, numa demonstração prática de que há limites para a  responsabilidade de um governo, limites esses que se abandonados importam na reificação de o que há de pior na política, que é o desejo da volta de situações que não mais existem, senão nas mentes febris que sonham em restabelecer por meios mágicos os próprios desejos nostálgicos de situações passadas, que por subsistirem em mentes de grupelhos inexpressivos,  não podem persistir como se pertencessem à realidade, quando na verdade só existem nas mentes febris dos que pensam reencontrar nos campos santos meios e modos de transformar ilusões passadas em realidades presentes.

                 Os demagogos são prestidigitadores que não hesitam em valer-se de todos os artifícios da oratória para lograr realizar os próprios propósitos, por mais falsos e irrealistas que sejam, e para tanto não recusam mesmo aqueles mais torpes e que menos comércio tenham com a realidade. Se para tanto a memória pode ser de alguma valia, mesmo para os líderes do presente - se aqueles do passado ainda surjam com o simbolismo da poesia de antanho, o que lhes parecerá tapar os ouvidos diante dos lancinantes apelos das vozes das sereias, como na Odisseia o fez o herói Ulisses, porque escutá-las seria abandonar-se à emoção, entregando-se às suas mentirosas e cruéis fantasias,  quando a salvação reside em afastar-se da orquestração de apelos lânguidos de vozes conhecidas, negando às vozes infernais  o seu enganoso poder de desvario e perdição?     


( Fontes: O Estado de S. Paulo,  Odisseia )

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