A democracia é o centro
do problema em Hong Kong. Cedido Hong Kong, numa retirada da secular presença
inglesa na cidade, em princípios do século XXI, os choques se foram acirrando
entre a população local, habituada aos ares da liberdade que, incongruamente. a
colônia aí estabelecida trouxera àquele núcleo populacional, e à administração
da República Popular da China, que ora mal recebe os livres costumes que
caracterizavam àquela antiga cidade chinesa.
A crise em Hong Kong se deve a
uma provocação da metrópole chinesa, trazida pela governadora Carrie
Lam, instaurando a extradição para a RPC, que sob a orientação de Xi Jinping se tornara uma presença
centralizante e autoritária, contradizendo a filosofia que presidira à cessão
de Hong Kong de volta à China comunista, então sob o princípio de um povo e
dois sistemas.
Em termos de liberdade, a memória é curta em Beijing. Agindo mais como
provocadora do que amante do bom entendimento - em geral tais reformadores têm
a memória curta, e na própria sofreguidão de vassalo, curvam-se com demasiada
rapidez aos caprichos da metrópole.
Acostumados aos ares da China Continental, em que o autoritarismo de novo se acentua,
sob a presença centralizante do novel líder Xi Jinping, grande admirador de Mao Zedong, os servidores
de Beijing, tratam Hong Kong como a colônia que nunca foi, e por isso,
habituados aos deletérios costumes da liberdade que a longa presença inglesa aí
instituíra, os habitantes de Hong Kong não são servos, e se crêem cidadãos.
agarrando-se às liberalidades que a metrópole ocidental lhes soprara. O respeito à liberdade ora semelha, para os
servos de Beijing, especialmente encarregados dessa tarefa que, na prática, é a
sua própria negação, como uma aplicação rotineira, tendo presente a própria
filosofia que é a da obediência cega à autoridade imperial. Por isso sequer
discutem as ordens, por mais prepósteras que sejam, se acaso se dispusessem a
pensar e a refletir nas consequências dos atos que lhe são impostos, pois esta é
a sua natureza e, portanto, sequer hesitarão em aplicá-las a outrem.
Não se
vá esperar, por conseguinte, de uma executora como Carrie Lam, que vá pensar
se isto é ou não admissível. Ela sabe muito bem a quem deve a sua autoridade,
Num sistema como o da atual RPC, os
governadores locais não devem contrariar a instâncias superiores. Nisso reside, de resto,
o gérmen da fraqueza do autoritarismo, eis que esta ignorância pode constituir
um grande auxílio às forças da liberdade. Não está decerto escrito que a
liberdade - que a gente de Hong Kong personifica - vá vencer, mas essa surpresa da resistência e o valor que
ela presume, representa o único imponderável nessa súbita e inesperada vontade
de afirmar os próprios valores. São os imprevisíveis ares da liberdade, que os
servos da repressão sequer podem compreender, e muito menos combater na arena
da política.
(
Fonte: O Estado de S. Paulo )
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