Há
um estigma que há de caracterizar por muito tempo a Carrie Lam, que ao
aprovar a chamada Lei da Extradição, que torna os habitantes de Hong Cong suscetíveis de serem mandados para a China
Continental a fim de aí serem julgados por acusações que lhes sejam levantadas
pelo poder imperial de Beijing. Desapareceria com isto uma das regras básicas
da cessão pelo Reino Unido de Hong-Kong para a RPC . Vale dizer, o caráter sui-generis de Hong Kong, conforme
determinam os acordos firmados no fim do século entre a China e o antigo poder
imperial da Inglaterra.
Ao abraçar essa regra, que Beijing quer implantar à antiga colônia de
Sua Majestade, a atual governadora Carrie Lam se auto-condenou aos olhos dos
moradores dessa antiga cidade, que abraçada às montanhas, e ligada por metrô submarino
a algumas ilhas ao largo do mar próximo, conforma um círculo que é povoado
tanto pelas naturais do lugar, quanto pelo apego à liberdade que lhes foi
transmitida, por estranho paradoxo, pelo poder colonial britânico, quando este,
na virada do século, dela se despediu com um amplexo que buscava resumir todas
as conquistas, ainda que mofinas, que aquela tão lutadora, quão
trabalhadora, carecia de envolver.
Carrie Lam não trepidou em envolver a própria administração com essa
radical mudança, que como um sangue maldito desfigura a antiga colônia, e torna
seus moradores meros algarismos diante do poder imperial de Xi Jinping. Nas
existências das pessoas, assim como das entidades territoriais, há
estigmas que pela sua gravidade não
podem ser apagados, nem pelo convívio, nem por frascos do olvido, se a guardiã
ignora a gravidade do passo, e que o seu consentimento pode acarretar, uma vez
dita a consigna maldita.
Por isso, manifestantes críticos à influência chinesa em Hong Kong
retornaram a 21 de julho às estreitas ruas dessa cidade, para uma vez mais,
pedir a renúncia da chefe do Executivo local, à própria Carrie Lam, que é tida
como dócil à influência de Beijing.
Dessarte, mais de 430 mil pessoas marcharam pelas ruas da cidade, no
sétimo fim de semana seguido de protesto.
Houve confrontos nas ruas e até mesmo dentro do metrô.
O poder imperial de
Beijing recorreu então à violência. À noite, a
polí-cia de choque investiu
contra manifestantes mascarados usando gás lacrimogêneo e balas de
borracha. Mas a força não se restringiu
a essas habituais expressões: um grupo de simpatizantes do governo, também
mascarados, atacou opositores em uma
estação de trem, espancando várias pessoas, inclusive jornalistas que trataram
de transmitir ao vivo o incidente, pois esse tipo colateral de violência é uma
rara expressão (ou desvirtuamento dela) de contrariedade do poder
estabelecido.
É de notar-se que,
como assinalei alhures, a gente de Hong Kong tem amor à liberdade. Note-se, por oportuno, que o projeto de lei
que autorizara extradições para a China continental está agora suspenso! Mas tal não contenta aos renitentes amantes
da liberdade, porque a contestação em Hong Kong está sendo alimentada pela
insidiosa teimosia continental: os líderes dissidentes reaparecem depois na
detenção na China Continental, assim como pela revolta quanto à sistemática
desqualificação dos opositores, assim como pela onda de prisões contra os
líderes do movimento pró-democracia.
Reforça o movimento
de protesto o consenso de que não haverá reivindicações que sejam lançadas ao
monturo do olvido, assim como não é
automática, nem desprovida de sentido, o permanente reclamo da renúncia da
Chefe do Executivo, Carrie Lam, não obstante todo o apoio que lhe preste o
poder de Beijing. Também exigem a anistia para os manifestantes presos.
Ainda neste fim
de semana, a polícia de Hong Kong anunciou que descobriu uma fábrica
improvisada de explosivos de alta potência, junto com panfletos
pró-independência.
Analistas vêem
distante ainda a solução para a crise. Steve Vickers, ex-chefe do
Departamento de Investigações Criminais da polícia de Hong Kong, e que agora
trabalha como consultor, afirmou que a situação vai piorar.
Explicando as
forças por trás do movimento disse: "A polarização dentro da sociedade de
Hong Kong e a grande desconfiança entre os manifestantes e a polícia se estão
aprofundando."
( Fonte: O
Estado de S. Paulo )
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