domingo, 14 de junho de 2015

Dilma Rousseff e o Itamaraty


                                

         Mesmo para a terra do Barão do Rio Branco e de Alexandre de Gusmão, o Evangelho ainda pode dar lições em termos de democracia, e de suas aplicações práticas. Não se podem esperar de árvores estranhas soluções milagrosas.

         Em exemplos longínquos e próximos, se pesadas e medidas as atitudes do governo de Dilma Rousseff, elas são por vezes canhestras e mesmo filistéias e pesadas. Seguem uma pretensa lógica, que nada tem a ver com a nossa tradição diplomática, de que são mostras magníficas o Patrono e o Precursor de nossa diplomacia.

        Nunca pensei que um governo que se diz democrático seria tão incoerente na sua diplomacia – se tivermos presente o legado de todos os governos brasileiros, seja democráticos, seja até os autoritários.

       Nenhum ousou dividir o Itamaraty, entregando grossa fatia de seus encargos a pessoas de partido, sem qualquer tradição diplomática, sob a guia de supostos interesses partidários, como se petismo, chavismo e peronismo devessem ter expressões de política externa.

        Em cruel caricatura, ora submetido à nova direção, o Ministério das Relações Exteriores virou caudatário da diplomacia partidária, numa tarda escolha, que contraria toda a grande herança do Império e das Repúblicas, reeditando em má hora formato que nunca foi nosso, pois desde que somos independentes a Secretaria das relações com o estrangeiro sempre se pautou por diplomacia de Estado, ao invés de nossos vizinhos.

       Não é aqui o lugar para entoar loas à antiga coerência. A História nos basta para assinalar-nos quão oportuna e acertada foi a direção tomada por nossos maiores.

        Lula, ao atender posturas do companheiro Lugo, já mexera inadvertidamente com os nossos postulados. Mas sua influência – com o ulterior empobrecimento das condições de ingresso no Itamaraty e a consequente queda de nível cultural – não se pode comparar com a desastrosa e nefária regência da política externa por Dilma Rousseff.

        Já disse que nem o regime militar teria na nossa diplomacia influência tão nefasta. E a razão é simples. Sendo também carreira de estado, o poder castrense, em boa hora, entregou aos profissionais da diplomacia a gestão da Casa de Rio Branco.

        Com Dilma, a moça da algibeira de Lula, o seu primeiro poste, a sua influência também nas relações externas tem sido deplorável. Os exemplos pululam e não pretendo cansar o leitor. Em toda parte, no que concerne ao Itamaraty, a dílmica e pesada mão nos deixa péssima lembrança, em termos diplomáticos e de afirmação nos vários campos das relações internacionais.

        O seu incrível menosprezo por Secretaria de Estado - que se assinala nas organizações internacionais e na diplomacia bilateral, tanto a latino-americana, quanto aquela representada nos grandes e pequenos países das Américas do Norte, Central  e do Sul, Europa, Asia, África e Oceânia - se mostrou quer na mesquinha redução de nossas dotações (que se destinam a pagar contribuições junto aos organismos internacionais e para tornar possível a atuação das missões e de seus representantes), que ora são das mais baixas da República, forçando essa Secretaria de Estado a cortes humilhantes e a disposições acabrunhantes.

           Se desde Lula da Silva, os diplomatas, cuja arma é o saber, tanto o das línguas, quanto aquele vivido no curso do respectivo mister, viram encolhida e apequenada tal capacidade, eis que passaram a ter  aprendizado insuficiente em termos de idioma. O diplomata brasileiro sempre se destacou pela arma do conhecimento, que lhe dá livre trânsito em aras da diplomacia parlamentar, como na tradicional. Aqueles que em outros tempos saíram do Rio Branco com os conhecimentos aprimorados e incrementados, constituiriam agentes que naturalmente se destacaram dos demais colegas estrangeiros, pela sua bagagem cultural e profissional.

            Não há milagres em diplomacia. Se alguém tem preparo e conhecimento,  terá acesso ao trato e à discussão de um grupo de maiores, que sobrenada aos demais, naquela seleção natural, que é ditada por regras para as quais não há trapaças, nem pistolões. Ou se sabe, ou não se sabe, ou se tem experiência ou não. Estas são as regras não escritas que presidem às informações, discussões, negociações e afirmações dos países respectivos na cena internacional, seja nas organizações multilaterais, seja nas relações bilaterais.

            Dilma tem sido nefasta para o Itamaraty. Mandou abster-se nas Nações Unidas quando a Federação Russa se apossou, manu militari, da Crimeia.  Essa página negra em nossa diplomacia, apoiando quem desrespeitou a norma dos pacta sunt servanda, e ainda por cima, adotando postura que ía de encontro à norma de nossa Constituição vigente. Dessarte, Dilma Rousseff pôs seu nome, e infelizmente o do Brasil, em negras páginas, antes nunca visitadas por Presidentes brasileiros.

           Muita vez já disse e escrevi, que a culpa dos muitos erros de Dilma Rousseff eu os atribuo precipuamente a Lula da Silva, que, de forma irresponsável, a indicou para o eleitorado brasileiro. Não sei se verei algum dia nosso colégio eleitoral com a capacidade de decidir por si próprio, e não carecer das diretivas de algum magno coronelão político.

            Sem embargo, os erros, as calinadas são grandes, gigantescas mesmo. Além de apoiar invasores imperialistas, que desrespeitam todas as normas do direito internacional, e nos fazem voltar à noite do século XIX, ela chega a declarar que não tem maior interesse na Ucrânia. Esse arremedo de diplomacia também comparece no seu silêncio no que tange à Venezuela.

             Espanta e consterna, que alguém pessoa que sofreu a tortura, foi presa e condenada por regime militar, hoje olhe para o outro lado, recusando qualquer apoio – até mesmo uma palavra  – aos políticos venezuelanos que defendem a democracia, e são submetidos a toda sorte de baixarias, injustiças e maus tratos, com deturpações quase chinesas no seu encarceramento em masmorras e presídios que nada ficam a dever aos do Maranhão e de Porto Alegre.

            Também administrativamente Dilma Rousseff tem ignorado e menosprezado as tradições da nossa Secretaria de Relações Exteriores. Ao ver hoje o Itamaraty, com uma larga Secretaria dominada por pessoa  estranha à carreira – pessoa esta que ela reputa mais sintonizada com os seus interlocutores latino-americanos – cabe perguntar por quanto tempo ainda nos será dado mais do que a tristeza,  o constrangimento, de ver obra multissecular espezinhada e distorcida por alguém que nos confrange, a cada dia, por provas de entranhada falta de compreensão, preparo e visão na realização de seus deveres constitucionais, no que tange a não colocar em risco tanto a aptitude quanto a  capacidade  do Ministério das Relações Exteriores em cumprir, de forma que não desmereça dos antigos e provados exemplos, as próprias relevantes atribuições institucionais.   

 

( Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo )

Um comentário:

Maria Dalila Bohrer disse...

Pelo que lembro, na primeira gestão do governo Lula, o Itamaraty ainda mantinha certa coerência em sua atuação. O mesmo Marco Aurélio Garcia, junto com o Celso Amorim, conduziam a política externa. Por que agora esta derrocada, esta guinada de direção, se a grande " autoridade de Marco Aurélio Garcia " continua em pauta?