quarta-feira, 24 de junho de 2015

O Outro reinterpreta Lula


                                        

         Como seria de esperar, a tentativa de Lula de reinserir-se no debate, como se ainda pudesse controlá-lo, provocou em comentaristas da mídia interpretações as mais díspares na aparência, embora na essência não estejam tão longe assim.

         A avaliação mais crítica  de Lula está em Elio Gaspari.  O torneiro mecânico que virou dirigente político não estaria falando sério.  Se acha que o defeito pode ser do governo e não ‘nosso’, acreditará acaso que alguém seja capaz de separar um do outro? Depois, mais uma, ainda mais difícil de engolir: ‘acho que o PT perdeu um pouco de sua utopia’. Casos como o do assassinato de Celso Daniel, o Mensalão, e as petroroubalheiras dificultariam a percepção de que o PT tenha perdido só “um pouco de sua utopia”.

         Para Gaspari, o segundo motivo pelo qual Lula pode estar perdendo o seu tempo foi exposto no último congresso do PT em Salvador, quando o nome do tesoureiro João Vaccari Neto recebeu uma ovação no plenário.  Pelo visto, a gente nova que um dia foi para o PT hoje grita nas ruas para que ele se vá.

         Talvez seja enfeitar demais a banca de Lula comparar-lhe a esperta guinada política com o lance de Mikhail Gorbachev, quando pensou salvar o reumático sistema soviético. Havia alguma grandeza nos princípios da perestroika (reestruturação) e glasnost (transparência), que a renegação tardia da responsabilidade não tem.

         Tampouco vejo muita parecença com a Revolução Cultural de Mao Zedong. O líder chinês, que uma vez tomado nunca apeou do poder, e usava e reusava da capacidade de engodar os camaradas a fazerem críticas, como nas Cem Flores, em que ceifou os críticos que acreditaram na sua palavra, e na chamada Revolução Cultural, quando apelou para a ala dos jovens para varrer a suposta oposição dentro do PC, depois do malogro de uma de suas campanhas.

          Lula tem cândidos temores. Segundo Gaspari, a guinada e o rejuvenescimento petista são utopias que Lula vende mas não compra. 

          Será, no entanto, que a demofobia dos adversários continuará a explicar as incríveis reviravoltas, como no caso do Mensalão em que o então presidente, choroso, pediu desculpas à Nação, e D. Marisa mandou tirar passaporte com a cidadania italiana?

          Ou devemos imputar à incompetência e falta de grandeza dos seus contendores?

          Hoje, o passado parece repetir-se.  O governo de D. Dilma, de repente, desapareceu. As mentiras da campanha, a fraqueza do esquema de apoio varreram tanto a remanescente confiança que dera para reelegê-la, quanto a mirífica base de apoio, que o bicho comeu. O Joaquim Levy é uma andorinha que pensa poder trazer o verão. Jovem, competente, a sua vitória seria o anti-Dilma, mas até com isso ela já se conformou.      

          Enquanto  nas laterais, Lula da Silva reclama de não mais ter foro privilegiado, e se pergunta das intenções do juiz Sergio Moro. Estará acaso pensando, como refere Zuenir Ventura, na ameaça do pai de Marcelo Odebrecht, o criador da maior construtora da América Latina, Emílio Odebrecht: “se o filho fosse para a cadeia, seriam necessárias outras três acomodações: 'Uma para mim, outra para o Lula e outra ainda para a Dilma.’

            A perspectiva de prisão tira o sono dos poderosos.  Como sublinha o imortal Zuenir, “isso é uma novidade num país em que, como se dizia, tal só acontecia com preto, pobre e prostituta.”

 

 

( Fonte:  O Globo )

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