A fórmula do Partido Republicano para ganhar
eleições não parece mudar nunca. A postura de ‘vítima’ diante dos democratas se
refletiu na frase de Mitt Romney que o bartender da reunião exclusiva com
grandes doadores revelaria para o mundo. Para Romney, 47% do eleitorado são mantidos pelo welfare (beneficência) criado pelo Partido Democrata. Assim, a luta
de um candidato do GOP à Casa Branca
se resume em vencer essa formidável barreira e lutar por sobras nos 53%
restantes para tentar vencer...
O vitimismo dessa fórmula simplista é a especiosa
premissa para justificar estratégia que se caracteriza pelo anti-voto.
Sabemos que
o Partido Republicano se torna sempre mais o partido dos ricos endinheirados e
o partido dos brancos anglo-saxões. Sente, no entanto, que esse núcleo não será
suficiente, em condições normais, para garantir-lhe a vitória na eleição
presidencial.
Por isso,
e recente artigo da politóloga Elizabeth
Drew o mostra à saciedade, a sua maneira de vencer não está em
orientação pró-ativa, que procure mostrar pelos vários condutos de divulgação
que o GOP luta por melhores condições
de todas as camadas da população
estadunidense.
Esse tipo
de debate não tem interesse precípuo para o Partido Republicano. O programa
pode até mencionar tais objetivos, mas a
sua ação estará sobretudo voltada para diminuir
a votação destinada aos democratas.
Como tal
pode ser alcançado nas votações para o Congresso e mesmo a Presidência? Para os
estrategistas do GOP isto é muito
fácil: basta dificultar e mesmo impedir o sufrágio de negros, latinos, idosos
pobres e outras classes menos favorecidas nas seções eleitorais.
Deve haver algo de muito errado em partido político que oriente sua estratégia
eleitoral na aprovação de leis anti-votação – na verdade o termo mais
apropriado, dados os desprezíveis fins dessa legislação, seria o italiano leggina
(leizinha) que são empregadas amiúde
para fins pouco confessáveis. Elas abundavam em Montecittorio (o nome do prédio da Câmara de Deputados italiana) no
tempo dos governos do corrupto Silvio Berlusconi, e foram muito úteis para
disseminar a rasteira vegetação que favorecia os escopos do então Presidente do
Conselho.
Há marcos
importantes na progressão da estratégia anti-voto. O Presidente Lyndon Johnson, com a sua
visão política de abrir o sufrágio ao negro – cujas tentativas de registro
eleitoral foram antes sistematicamente neutralizadas por leis com escopo
racista – fez aprovar pelo Congresso Federal a Lei do Direito de Votar. Em
brutal retrocesso, no julgamento de Shelby
v. Holder, a Corte Suprema, sob a presidência Roberts emasculou a Lei do Direito ao Sufrágio, ao julgar cinicamente
inconstitucional a seção que requer dos
estados, com histórico de denegação de votos, o dever de submeter ao
Departamento de Justiça para fins de aprovação (clearance) as suas leis relativas a regras para eleições, antes que
elas entrassem em vigor.
O congressista
John Lewis chamou essa pré-autorização (preclearance) “coração
e alma” da Lei do Direito de Votar. A
Corte Roberts estava tão afim em
permitir leis restritivas ao direito do voto (e assim favorecer o GOP) que chegou a quebrar outro
precedente. Até então a vontade do Congresso Federal em termos de direito de
voto nunca havia sido derrogada pela Corte.
Supostamente para acomodar-se aos novos tempos, mas na verdade para
impedir-lhes o exercício do direito de voto, os Estados racistas do Sul (mas
não só eles) empregaram meios mais sutis para barrar votantes para eles
indesejáveis. Na sua pressa de liberar os estados com histórico de
discriminação racial, tampouco a maioria conservadora da Corte se interessou em
examinar a volumosa comprovação pelo Congresso – quando tratou da prorrogação
em 2006 da Lei do Direito de Votar – da discriminação racial em tais Estados.
Entre 2000 e a ruinosa sentença Shelby, de 2013, 148 objeções contra
práticas de restrição desleal da votação tinham sido apresentadas em 29 estados
da Federação, e o Texas, com trinta objeções, era o líder obstrucionista.
Essa
manifesta intervenção da Suprema Corte equivaleu a página de retrocesso em
termos de direito ao voto. Foi a abertura da cancela para reintroduzir as
sovadas leis com intenção racista. Graças aos triunfos republicanos – e à
espúria permissividade aberta às leis anti-voto negro – se em 2014 21
estados já tinham introduzido ulteriores
restrições ao direito de votar, durante as primeiras semanas de 2015,
assanhados pelas vantagens conferidas pela nefária Shelby v.Holder, quarenta
novas restrições a votantes foram impostas
em dezessete estados !
Em
tais condições, agora, consoante o Conselho Nacional de Legislaturas Estaduais,
um total de 34 estados adotaram algum modelo de lei de votação com exigência de
identidade, e dessas leis já 32 estão em vigor.
É
de notar-se, por oportuno, que enquanto o Brasil tem uma legislação eleitoral federal
para toda a República, já nos Estados Unidos, os estados podem adotar uma
legislação estadual específica. No passado, eventuais tendências para
dificultar o voto das minorias podiam ser controladas pelo Congresso. A reacionária
Corte Roberts cuidou de desbaratar um
marco no combate ao preconceito que o Voting Rights Act, firmara na Presidência de Lyndon
B. Johnson.
No seu artigo sobre o direito de votar e a má-fé de muitos próceres
republicanos, Elizabeth Drew assinala que são bem conhecidas as soluções que
evitem a supressão de votantes minoritários, mas por causa do sectarismo que
envolve a questão fica quase impossível aprovar soluções satisfatórias para este
problema em que o preconceito racial dá a mão para a vileza e desfaçatez
político-partidária.
Ao final de seu primeiro artigo, Drew sublinha que junto da supressão de
direitos eleitorais está o rezoneamento
(redistricting), que acompanha todos
os censos decenais. Ter-se-á presente que já foi objeto deste blog o guerrymander sucessivo à eleição de 2010. Tal monstro político
resultou da relativa incompetência e, sobretudo, inexperiência política de
Barack Obama que poderia ter-se comunicado melhor com as bases. Foi o seu alheamento
a causa básica do shellacking (tunda)
da eleição intermediária, desastrosa para os democratas.
O partido do Presidente perdeu a maioria na Câmara de Representantes e
pelas tramóias sucessivas do GOP
houve gerrymander bastante abrangente
nos distritos eleitorais para a Câmara Baixa, o que torna praticamente
impossível para lá eleger-se uma maioria democrata. Esse trambique eleitoral,
além de perdurar, cria condições para eventual paralisia legislativa, eis que,
se eventuais acordos sobre legislações importantes são ainda possíveis no
Senado (agora com maioria do GOP), na
Câmara de John Boehner(R-Oh), em que
o Speaker é refém de aguerrida,
radical e reacionária ala do Tea Party,
tais entendimentos bipartidistas beiram o impossível. Até a reforma da lei
sobre imigração teve condições de passar no Senado, mas não na Câmara, aonde o Speaker sequer ousou colocá-la a voto,
ameaçado que seria por uma ‘revolta’ do Tea
Party. Nesse sentido, Obama preferiu
fazê-la por Executive Order (decreto
presidencial) e atualmente essa reforma, que contentou a milhões de imigrantes
e seus descendentes (porque lhes abre as portas para a legalidade, com as
decorrentes vantagens para a sociedade e para esse grupo de trabalhadores até
hoje constrangidos à ilegalidade) tem a sua existência ameaçada.
Com efeito, a reforma imigratória de Obama foi contestada na Justiça
pelo partido republicano. Depois de denegada em primeira instância por um juiz
do Texas, esse intento de justiça para a comunidade imigrante terá muito
provavelmente a sorte decidida em aras da Corte Suprema. Como a maioria ali é
conservadora, o resultado é um toss-up[1],
tanto pode dar cara, quanto coroa...
( Fonte: artigo de Elizabeth Drew, ‘Grandes perigos para a
próxima eleição’, em The New York
Review, 21 de maio – 3 de junho de 2015. )
Nenhum comentário:
Postar um comentário