quinta-feira, 4 de junho de 2015

Novo Ataque à Ucrânia


                                            

         Segundo o ritmo previsível de retomada das operações de atrito, já se assinala na área de Donetsk  reinício das hostilidades. Infelizmente, e malgrado a renovação do cessar-fogo no inverno boreal passado (com  a presença e a validação de Angela Merkel e François Hollande), alguém minimamente informado sobre as características dessa estranha guerra não poderia deixar de esperar pelo recrudescimento dos combates.

         Donetsk, com a sua bacia siderúrgica, é uma espécie de joia da coroa da região oriental ucraniana, a meio caminho entre Luhansk ao norte e Mariupol ao sul, na costa do Mar Negro.

         Como se verificou no inverno de 2014/15, alargou-se deveras a área sob controle ‘rebelde’. Há  três características gerais: (a) de início a irrupção pontual da tomada por ‘rebeldes’ de postos policiais no leste ucraniano. Seguida à queda em 22 de fevereiro de 2014 do pró-russo e corrupto presidente Viktor Yanukovich, ao cabo das manifestações da Praça Maidan, gospodin Putin decide reagir, aproveitando-se da fraqueza do governo ucraniano, em mãos de interinos. Valendo-se das porosas fronteiras da Ucrânia, arma-se a ‘resistência’, com eventual participação de agentes russos. Esta fase inicial é um primeiro teste da reação ucraniana e ocidental. Os rebeldes chegam a sequestrar enviados europeus da OSCE, em manobra que pela sua audácia foi certamente autorizada por Moscou. Dada a fraca reação de Kiev e do próprio Ocidente, pode-se considerar que esse primeiro ‘teste’ do Kremlin foi bem sucedido, o que levou para a fase (b) da operação russa, com a invasão da  Criméia por comandos não-uniformizados , em 27 de fevereiro de 2014, e a consequente tomada do aeroporto internacional de Simferol. Revendo essa operação – decidida por Vladimir Putin desde a derrubada em 22 de fevereiro de 2014 do presidente Yanukovich - e sua consequente anexação (em março e abril de 2014), não restam dúvidas de que Moscou agiu de acordo com plano já delineado. Ao rever essa forma de imperialismo do Kremlin pode-se ter a impressão de que se revive forma de agressão típica do periodo entre-guerras dos anos vinte e trinta do século passado, com o cinismo dos ditadores de plantão, Benito Mussolini (Itália) e Adolf Hitler (Alemanha). A fase (b) se conclui com a anexação pela Federação Russa da sua nova província da Criméia. O Ocidente aplica uma série de sanções contra a Rússia (notadamente medidas pontuais contra bancos e membros do grupo de Putin), assim como no que concerne à Criméia (interrompidas as linhas aereas internacionais, o uso e validade de cartões de crédito internacional, etc.)

        No Plano multilateral, como a Rússia é membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas – e anularia através do veto qualquer resolução de condenação do CSNU – foi a Assembléia Geral das Nações Unidas, em 27 de março de 2014 que por cem votos a favor, onze contra e 58 abstenções, se manifestou contra o referendo organizado pela Rússia, que considerou ‘não válido’.  Esta recomendação, contudo, não é vinculante, como as demais da Assembléia Geral (são apenas obrigatórias as resoluções do Conselho de Segurança). Para vergonha e mesmo estigma no que concerne à nossa tradição diplomática, o governo de Dilma Rousseff – desrespeitando inclusive o espírito de nossa Constituição – se absteve diante dessa violação pela Rússia do Direito Internacional Público.           

        Se considerarmos a reprovação pela Assembléia Geral das Nações Unidas como a fase (c) da crise da Ucrânia, passamos à fase (d), que se assinala sob dois aspectos principais: continuação e interrupção, de acordo com a conveniência da invasora Rússia dos chamados cessar-fogo de Minsk, o primeiro a 19 de setembro de 2014 e o segundo em 12 de fevereiro de 2015. No cessar-fogo, há um certo cinismo da Rússia, e correspondente resignação da Ucrânia (e do Ocidente)  quanto à respectiva validade.

       Seria necessária uma dose excessiva de ingenuidade para que Kiev e os seus tépidos aliados encarassem tal instrumento além do que ele pretende ser.  Na verdade, nos extremos do inverno, o cessar-fogo (enquanto perdurar tal situação climática) está no interesse tanto da parte invasora, quanto da parte invadida, que se faça valer o que não passa de trégua passageira determinada pela inclemência do General Inverno.

       Durante a sua validade, o importante seria então ganhar tempo. Dada a fraqueza do lado ucraniano e o apoio que recebe da União Europeia (representada no de fevereiro deste ano por Angela Merkel e François Hollande, assim como pela presença com certos laivos patéticos do Presidente Petro Poroshenko, da Ucrânia), o lado atacado – no caso a vítima da agressão da redesperta Rússia Imperial de Vladimir V. Putin – deve pautar-se pela célebre máxima de Talleyrand surtout pas trop de zèle”(sobretudo nunca o zelo em demasia).

         Tome-se, por exemplo, a linha diplomática da Merkel (e também da União Européia). Ela apóia a causa da Ucrânia e se opõe a estratégia de Putin, mas dada a linha pacifista da RFA a sua participação se restringe a sanções pontuais. Por isso, exclui a remessa de armas (tanto ofensivas, quanto defensivas) para o exército ucraniano.

        Os Estados Unidos de Obama intervieram através das sanções pontuais, no âmbito financeiro, que atuam sobre as contas do círculo de Putin (em especial os amigos mais fraternos e mais ricos). Mas não há uma atuação diplomática mais cogente (nem tampouco participa dos acordos pontuais, como os de cessar-fogo).

         A participação da NATO (Aliança do Tratado do Atlântico Norte) deveria ser incentivada, dentre dos limites do possível.    Há da parte de muitos países fronteiriços da Rússia – os bálticos, os da antiga Europa oriental – compreensível inquietude com essa postura belicosa e pró-ativa do urso russo. A maior parte deles – e por óbvias razões – já integram a NATO.

         Como a Ucrânia é a vítima da vez, os Estados da região têm todo interesse em que esse grande país - por desgraça geográfica demasiado próximo do velho Império Russo - não se torne a vítima da vez em um ritual de anexações pontuais e de recuos em termos de soberania, como já é a sorte da Geórgia e da Moldova.   

         À Ucrânia, pela dimensão e consequente importância estratégica, tanto Washington quanto Bruxelas deveriam orientar sua ação diplomática e econômico-financeira de modo a contra-arrestar o óbvio plano de gospodin Vladimir Vladimirovich Putin  de transformá-la em virtual satélite de Moscou.

         Com o presidente Viktor Yanukovitch, Putin estava contente. Alinhado a Moscou, ele faria de Kiev membro da União aduaneira russa. Esse futuro, todavia, não apeteceu ao povo ucraniano,  que apontou para a alternativa do eventual ingresso de Kiev na União Europeia. O  Não da longa luta na praça Maidan não deveria ser enjeitado, nem desperdiçado pelo Ocidente.

        Como assinalou Roger Cohen, no seu artigo de hoje no New York Times, a estrada é longa. No entanto, Putin carece de encontrar reforçadas fronteiras ucranianas – não mais com a porosidade atual – e a NATO mais atualizada para arrostar os desafios do presente. Parece, por conseguinte, lógico que as sanções pontuais contra a Federação Russa devam continuar – enquanto persistir o imperialismo do Kremlin.

 

( Fonte: artigo de Roger Cohen no New York Times – Derrota Ocidental na Ucrânia)

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