Segundo o ritmo previsível de
retomada das operações de atrito, já se assinala na área de Donetsk reinício das hostilidades. Infelizmente, e
malgrado a renovação do cessar-fogo no inverno boreal passado (com a presença e a validação de Angela Merkel e
François Hollande), alguém minimamente informado sobre as características dessa
estranha guerra não poderia deixar de esperar pelo recrudescimento dos
combates.
Donetsk, com
a sua bacia siderúrgica, é uma espécie de joia da coroa da região oriental
ucraniana, a meio caminho entre Luhansk ao norte e Mariupol ao sul, na costa do
Mar Negro.
Como se
verificou no inverno de 2014/15, alargou-se deveras a área sob controle ‘rebelde’.
Há três características gerais: (a) de início a irrupção pontual da
tomada por ‘rebeldes’ de postos policiais no leste ucraniano. Seguida à queda em
22 de fevereiro de 2014 do pró-russo e corrupto presidente Viktor Yanukovich,
ao cabo das manifestações da Praça Maidan, gospodin
Putin decide reagir, aproveitando-se
da fraqueza do governo ucraniano, em mãos de interinos. Valendo-se das porosas
fronteiras da Ucrânia, arma-se a ‘resistência’, com eventual participação de
agentes russos. Esta fase inicial é um primeiro teste da reação ucraniana e
ocidental. Os rebeldes chegam a sequestrar enviados europeus da OSCE, em
manobra que pela sua audácia foi certamente autorizada por Moscou. Dada a fraca
reação de Kiev e do próprio Ocidente, pode-se considerar que esse primeiro
‘teste’ do Kremlin foi bem sucedido, o que levou para a fase (b) da operação russa, com a invasão da Criméia por comandos não-uniformizados , em
27 de fevereiro de 2014, e a consequente tomada do aeroporto internacional de
Simferol. Revendo essa operação – decidida por Vladimir Putin desde a derrubada
em 22 de fevereiro de 2014 do presidente Yanukovich - e sua consequente
anexação (em março e abril de 2014), não restam dúvidas de que Moscou agiu de
acordo com plano já delineado. Ao rever essa forma de imperialismo do Kremlin
pode-se ter a impressão de que se revive forma de agressão típica do periodo
entre-guerras dos anos vinte e trinta do século passado, com o cinismo dos
ditadores de plantão, Benito Mussolini (Itália) e Adolf Hitler (Alemanha). A fase (b) se conclui com a anexação pela
Federação Russa da sua nova província da Criméia. O Ocidente aplica uma série
de sanções contra a Rússia (notadamente medidas pontuais contra bancos e
membros do grupo de Putin), assim como no que concerne à Criméia (interrompidas
as linhas aereas internacionais, o uso e validade de cartões de crédito
internacional, etc.)
No Plano
multilateral, como a Rússia é membro permanente do Conselho de Segurança das
Nações Unidas – e anularia através do veto qualquer resolução de condenação do
CSNU – foi a Assembléia Geral das Nações Unidas, em 27 de março de 2014 que por
cem votos a favor, onze contra e 58 abstenções, se manifestou contra o
referendo organizado pela Rússia, que considerou ‘não válido’. Esta recomendação,
contudo, não é vinculante, como as demais da Assembléia Geral (são apenas
obrigatórias as resoluções do Conselho de Segurança). Para vergonha e mesmo estigma no que concerne à nossa tradição
diplomática, o governo de Dilma Rousseff
– desrespeitando inclusive o espírito de nossa Constituição – se absteve diante dessa violação pela
Rússia do Direito Internacional Público.
Se
considerarmos a reprovação pela Assembléia Geral das Nações Unidas como a fase (c) da crise da Ucrânia, passamos
à fase (d), que se assinala sob dois
aspectos principais: continuação e interrupção, de acordo com a conveniência da
invasora Rússia dos chamados cessar-fogo
de Minsk, o primeiro a 19 de setembro de 2014 e o segundo em 12 de fevereiro
de 2015. No cessar-fogo, há um certo cinismo da Rússia, e correspondente
resignação da Ucrânia (e do Ocidente)
quanto à respectiva validade.
Seria
necessária uma dose excessiva de ingenuidade para que Kiev e os seus tépidos
aliados encarassem tal instrumento além do que ele pretende ser. Na verdade, nos extremos do inverno, o
cessar-fogo (enquanto perdurar tal situação climática) está no interesse tanto
da parte invasora, quanto da parte invadida, que se faça valer o que não passa
de trégua passageira determinada
pela inclemência do General Inverno.
Durante a sua
validade, o importante seria então ganhar tempo. Dada a fraqueza do lado
ucraniano e o apoio que recebe da União Europeia (representada no de fevereiro
deste ano por Angela Merkel e François Hollande, assim como pela presença com
certos laivos patéticos do Presidente Petro Poroshenko, da Ucrânia), o lado
atacado – no caso a vítima da agressão da redesperta Rússia Imperial de
Vladimir V. Putin – deve pautar-se pela célebre máxima de Talleyrand “surtout
pas trop de zèle”(sobretudo nunca o zelo em demasia).
Tome-se, por exemplo, a linha diplomática da
Merkel (e também da União Européia). Ela apóia a causa da Ucrânia e se opõe a
estratégia de Putin, mas dada a linha pacifista da RFA a sua participação se
restringe a sanções pontuais. Por isso, exclui a remessa de armas (tanto
ofensivas, quanto defensivas) para o exército ucraniano.
Os Estados
Unidos de Obama intervieram através das sanções pontuais, no âmbito financeiro,
que atuam sobre as contas do círculo de Putin (em especial os amigos mais fraternos
e mais ricos). Mas não há uma atuação diplomática mais cogente (nem tampouco
participa dos acordos pontuais, como os de cessar-fogo).
A
participação da NATO (Aliança do Tratado do Atlântico Norte) deveria ser
incentivada, dentre dos limites do possível. Há da parte de muitos países fronteiriços da
Rússia – os bálticos, os da antiga Europa oriental – compreensível inquietude
com essa postura belicosa e pró-ativa do urso russo. A maior parte deles – e por
óbvias razões – já integram a NATO.
Como a
Ucrânia é a vítima da vez, os Estados da região têm todo interesse em que esse
grande país - por desgraça geográfica demasiado próximo do velho Império Russo
- não se torne a vítima da vez em um ritual de anexações pontuais e de recuos
em termos de soberania, como já é a sorte da Geórgia e da Moldova.
À Ucrânia,
pela dimensão e consequente importância estratégica, tanto Washington quanto
Bruxelas deveriam orientar sua ação diplomática e econômico-financeira de modo
a contra-arrestar o óbvio plano de gospodin Vladimir Vladimirovich Putin de transformá-la em virtual satélite de Moscou.
Com o
presidente Viktor Yanukovitch, Putin estava contente. Alinhado a Moscou, ele faria
de Kiev membro da União aduaneira russa. Esse futuro, todavia, não apeteceu ao
povo ucraniano, que apontou para a
alternativa do eventual ingresso de Kiev na União Europeia. O Não
da longa luta na praça Maidan não deveria ser enjeitado, nem desperdiçado pelo
Ocidente.
Como assinalou
Roger Cohen, no seu artigo de hoje no New York Times, a estrada é longa. No
entanto, Putin carece de encontrar reforçadas fronteiras ucranianas – não mais
com a porosidade atual – e a NATO mais atualizada para arrostar os desafios do presente.
Parece, por conseguinte, lógico que as sanções pontuais contra a Federação
Russa devam continuar – enquanto persistir o imperialismo do Kremlin.
( Fonte: artigo de Roger Cohen no New York Times – Derrota Ocidental
na Ucrânia)
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