segunda-feira, 1 de junho de 2015

A Teologia da Libertação


                                         

           O grande teólogo alemão, o jesuíta Karl Rahner, ficaria feliz com a notícia.  Aliás, agora que Papa Francisco vai reabrindo as janelas dos pavilhões pontifícios, é comum encontrar em artigos de vaticanistas que os papas que o antecederam, notadamente João Paulo II e Bento XVI também haviam dado alguma indicação no sentido da abertura.

           Nessas ocasiões, leve sorriso me vem aos lábios. Sinais quase imperceptíveis de uma mudança por vir se encaixam bem em narrativa da unidade da Igreja. É o caso, no entanto, de perguntar por que, v.g., a convocação de teólogos progressistas para longas sessões ditas amicais com o Cardeal Joseph Ratzinger (o futuro Bento XVI) na sede da Congregação para a Doutrina da Fé, o antigo Santo Ofício, de tétrica memória.

           Desde o começo de seu longo pontificado, o Papa Karol Wojtyla, João Paulo II, cuidaria do pensamento na Igreja, mandando vários sinais de desaprovação para teólogos como Hans Küng,  e outros mais.

           Os movimentos conservadores na Igreja gozaram do pleno apoio do Papa polonês.  Vivo exemplo dessa atitude – que poderia envolver personagens polêmicos – foi o favor concedido à organização Opus Dei, criada por Escrivá de Ballaguer,a quem João Paulo II elevaria aos altares.

           Dom Helder Câmara que destoava – no entender dos bispos com pesadas cruzes de prata nas cerimônias vaticanas – com a sua natural singeleza, ornada apenas na pobreza de Cristo com cruz de madeira, nunca recebera qualquer manifestação de apoio da Cúria de Papa Wojtyla. E, no entanto, pela sua faina apostólica e na pregação, e no apoio incansável aos menos favorecidos, no Recife sob a ditadura militar, enquanto outros prelados receberiam sinais da atenção pontifícia, que manifestações acaso teve, cercado pela surda hostilidade da ditadura, da Sé de Pedro?

           A Igreja de Wojtyla perdeu grande ocasião de apoiar verdadeiro apóstolo dos direitos humanos e da um pastoral dos pobres. Somente agora avança a causa de beatificação de uma pessoa que levava consigo, na sua batina poída e na pasta batida pelas suas caminhadas sempre em prol dos menos favorecidos, aquele indescritível halo de entranhada santidade. Helder Câmara tinha a coragem do silêncio e da humildade.

            Mais tarde, como Arcebispo emérito de Olinda e Recife suportou em silêncio todo o esforço de seu sucessor, Dom José Cardoso Sobrinho, que empenhou-se em estranha faina,  de desfazer a obra pastoral de Dom Helder, assim como de tratar os seus antigos  auxiliares  mais próximos de forma que causava espécie a muitos. Padre Helder, com a têmpera do nordestino, nunca se afastou da humildade que sempre o caracterizara. A provação foi decerto grande, mas ela só contribuiria para realçar-lhe as virtudes e o férreo compromisso da obediência.

              Padre Helder sempre foi um exemplo para os menos validos, um apoio para os esquecidos,  e uma esperança perene dos que se descobriam com ulteriores forças de resolução e paciência pela sua trajetória simples, fundada – na verdade, entranhada – na fé, na esperança e caridade.

              Não tenho dúvidas de que em breve teremos mais um santo – e que santo! – na Igreja Apostólica Romana.

                 Dom Helder Câmara, com a sua surrada batina e a cruz de madeira, foi um apóstolo dos direitos humanos. E pelo seu trabalho pastoral, com a atenção dada aos pobres e perseguidos,  era e é a visualização de postura teológica que pela caridade e a esperança o aproxima da teologia da libertação.

                 Essa teologia surge na América Latina, como expressão missionária da Igreja que se aproxima dos deserdados dessa terra.

                 Quem antes visitava a Basílica de São Pedro na Santa Sé, poderia ficar até perplexo pela manifestação de riqueza e pompa, que muitas cerimônias pontifícias revestiam.

                 O atual Pontífice – que não por acaso tomou o nome de Francisco – se tem empenhado na missão eclesial de maior aproximação com os pobres.

                  Francisco tem em João XXIII um Papa que igualmente abre de par em par as janelas do Vaticano, e que logo cuidou de visitar a prisão romana. Como o Papa do Concílio, Francisco também inova, procurando os mais humildes e dando às cerimônias papais toques da simplicidade do Cristo, por meio de gestos simples, mas revolucionários no abandono da pompa que sufoca o espírito evangélico.

                  Por isso não me surpreende que Francisco tenha ido conversar com Padre Gustavo Gutierrez, e haja beatificado o mártir da Igreja Centro-Americana, Dom Oscar Romero. Ao contrário de outros – e nisso reside a diferença fundamental – é que Papa Francisco age de forma consequente e coerente. Nos albores da teologia da Libertação, quando o continente atravessava a noite das ditaduras militares, um punhado de bispos latino-americanos lançou os fundamentos da teologia da libertação. Os primeiros tempos para esse punhado de prelados não foram fáceis, pois Papa Paulo VI era um homem com algumas dúvidas, sem as certezas de Papa Giovanni, o Papa bom. De uma certa maneira, a frieza – quando não ações menos tolerantes – pautaria a postura eclesial quanto à Teologia da Libertação.

                   Que Papa Francisco continue a sua caminhada. Com humildade e abertura cristã, que Deus lhe permita trazer a Igreja de volta aos pobres, de onde, há mais de dois mil anos, começara a sua longa jornada.

 

( Fonte subsidiária: Suplemento da Folha de S. Paulo com edição semanal do New York Times em português )

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