O grande teólogo alemão, o jesuíta Karl Rahner, ficaria feliz com
a notícia. Aliás, agora que Papa
Francisco vai reabrindo as janelas dos pavilhões pontifícios, é comum encontrar
em artigos de vaticanistas que os papas que o antecederam, notadamente João Paulo II e Bento XVI também haviam dado alguma indicação no sentido da
abertura.
Nessas
ocasiões, leve sorriso me vem aos lábios. Sinais quase imperceptíveis de uma
mudança por vir se encaixam bem em narrativa da unidade da Igreja. É o caso, no
entanto, de perguntar por que, v.g.,
a convocação de teólogos progressistas para longas sessões ditas amicais com o
Cardeal Joseph Ratzinger (o futuro Bento XVI) na sede da Congregação para a
Doutrina da Fé, o antigo Santo Ofício, de tétrica memória.
Desde o começo de seu longo pontificado, o
Papa Karol Wojtyla, João Paulo II,
cuidaria do pensamento na Igreja, mandando vários sinais de desaprovação para
teólogos como Hans Küng, e outros mais.
Os
movimentos conservadores na Igreja gozaram do pleno apoio do Papa polonês. Vivo exemplo dessa atitude – que poderia
envolver personagens polêmicos – foi o favor concedido à organização Opus Dei, criada por Escrivá de
Ballaguer,a quem João Paulo II elevaria aos altares.
Dom Helder Câmara que destoava – no entender
dos bispos com pesadas cruzes de prata nas cerimônias vaticanas – com a sua
natural singeleza, ornada apenas na pobreza de Cristo com cruz de madeira,
nunca recebera qualquer manifestação de apoio da Cúria de Papa Wojtyla. E, no
entanto, pela sua faina apostólica e na pregação, e no apoio incansável aos
menos favorecidos, no Recife sob a ditadura militar, enquanto outros prelados
receberiam sinais da atenção pontifícia, que manifestações acaso teve, cercado
pela surda hostilidade da ditadura, da Sé de Pedro?
A Igreja de
Wojtyla perdeu grande ocasião de apoiar verdadeiro apóstolo dos direitos
humanos e da um pastoral dos pobres. Somente agora avança a causa de
beatificação de uma pessoa que levava consigo, na sua batina poída e na pasta
batida pelas suas caminhadas sempre em prol dos menos favorecidos, aquele
indescritível halo de entranhada santidade. Helder Câmara tinha a coragem do
silêncio e da humildade.
Mais
tarde, como Arcebispo emérito de Olinda e Recife suportou em silêncio todo o
esforço de seu sucessor, Dom José Cardoso Sobrinho, que empenhou-se
em estranha faina, de desfazer a obra
pastoral de Dom Helder, assim como de tratar os seus antigos auxiliares mais próximos de forma que causava espécie a
muitos. Padre Helder, com a têmpera do nordestino, nunca se afastou da
humildade que sempre o caracterizara. A provação foi decerto grande, mas ela só
contribuiria para realçar-lhe as virtudes e o férreo compromisso da obediência.
Padre
Helder sempre foi um exemplo para os menos validos, um apoio para os
esquecidos, e uma esperança perene dos
que se descobriam com ulteriores forças de resolução e paciência pela sua
trajetória simples, fundada – na verdade, entranhada – na fé, na esperança e
caridade.
Não
tenho dúvidas de que em breve teremos mais um santo – e que santo! – na Igreja
Apostólica Romana.
Dom Helder Câmara, com a sua surrada batina
e a cruz de madeira, foi um apóstolo dos direitos humanos. E pelo seu trabalho
pastoral, com a atenção dada aos pobres e perseguidos, era e é a visualização de postura teológica
que pela caridade e a esperança o aproxima da teologia da libertação.
Essa
teologia surge na América Latina, como expressão missionária da Igreja que se
aproxima dos deserdados dessa terra.
Quem antes visitava a Basílica de São
Pedro na Santa Sé, poderia ficar até perplexo pela manifestação de riqueza e
pompa, que muitas cerimônias pontifícias revestiam.
O
atual Pontífice – que não por acaso tomou o nome de Francisco – se tem
empenhado na missão eclesial de maior aproximação com os pobres.
Francisco tem em João XXIII um Papa que igualmente abre de par em par as
janelas do Vaticano, e que logo cuidou de visitar a prisão romana. Como o Papa
do Concílio, Francisco também inova, procurando os mais humildes e dando às
cerimônias papais toques da simplicidade do Cristo, por meio de gestos simples,
mas revolucionários no abandono da pompa que sufoca o espírito evangélico.
Por
isso não me surpreende que Francisco tenha ido conversar com Padre
Gustavo
Gutierrez, e haja beatificado o mártir da Igreja Centro-Americana, Dom Oscar Romero. Ao contrário de outros – e nisso reside a diferença
fundamental – é que Papa Francisco age de forma consequente e coerente. Nos
albores da teologia da Libertação, quando o continente atravessava a noite das
ditaduras militares, um punhado de bispos latino-americanos lançou os
fundamentos da teologia da libertação. Os primeiros tempos para esse punhado de
prelados não foram fáceis, pois Papa Paulo VI era um homem com algumas dúvidas,
sem as certezas de Papa Giovanni, o Papa bom. De uma certa maneira, a frieza –
quando não ações menos tolerantes – pautaria a postura eclesial quanto à
Teologia da Libertação.
Que
Papa Francisco continue a sua caminhada. Com humildade e abertura cristã, que
Deus lhe permita trazer a Igreja de volta aos pobres, de onde, há mais de dois
mil anos, começara a sua longa jornada.
( Fonte subsidiária:
Suplemento da Folha de S. Paulo com edição semanal do New York Times em
português )
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