Raqqa, a atual capital do Estado Islâmico,
tem características do movimento nômade. Não há indicações precisas sobre o número
de habitantes de seu núcleo de direção.
Essa
flexibilidade não existe por acaso. Depois de cerca de quatro mil bombardeios
pela coalizão liderada pelos Estados Unidos, e a estimativa de dez mil mortes
de militantes do ISIS, o exército islâmico continua a receber suposta
torrencial corrente de adesões.
Depois da
queda de Saddam Hussein, por obra da guerra do Iraque, houve aumento do poder
xiita na região. Em Bagdá, a minoria sunita, que detinha o mando, foi
suplantada pela maioria xiita. Refez-se, outrossim, o quadro de alianças, com
Teheran sob a preponderância clerical xiita. Por outro lado, na Síria, a longa
guerra civil contra Bashar al-Assad,
movida pela maioria sunita no país contra o regime da minoria alauíta (seita
heteróclita próxima dos xiitas), depois de início em que a Liga Rebelde - que
parecia próxima da vitória – se enfraqueceu, de forma relativa, por não colher
apoios similares ao do campo do ditador Bashar. Este último, além da
sustentação da Rússia de Vladimir Putin (interessado em manter o porto de
águas quentes no Mediterrâneo Oriental), contou com o apoio do Irã do Ayatollah
Ali Khamenei e da milícia Hezbollah,
sediada no Líbano.
Já a Liga, diante da recusa de Barack
Hussein Obama de fornecer-lhe armas e apoio logístico (o que se interpreta como
decorrência de síndrome da guerra do Iraque) passou a contar com aportes
irregulares dos estados do Golfo, notadamente Arábia Saudita e Qatar.
Antes
temeroso de parar na Haia, sob a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, o
ditador Bashar pôde recompor o seu esquema de sustentação, valendo-se para
tanto do continuado auxílio de Teheran e da milícia Hezbollah. Tampouco lhe
faltou a ajuda de Putin, diante de conflito em que o regime sírio lograva
parcialmente recuperar-se.
Entrementes, houve radicalização no exército rebelde. O ISIS surgiu com aglutinador da seita sunita.
Dado o conhecido horror diante do vácuo de poder porventura existente em
aglomeração formada pela sua contraposição ao lado xiita, não seria
surpresa que estavam postas as condições para a constituição de núcleo duro sunita.
Esta é a
mensagem do Califado. Ao lado de seu caráter bárbaro, anacrônico mesmo, e de suas
execuções medievais (que sinistramente fornecem a alternativa do espetáculo) ,
o ISIS atrairia recrutas com base em dois polos principais: a reafirmação da
seita sunita, que se descobrira, após a queda de Saddam, submetida aos odiados
xiitas; e a atração de movimento de restauração árabe, pautado por
princípios simples, porém afirmativos. Surpreenderá então que jovens e menos
jovens que se sentem como proletariado na Europa Ocidental desejem integrar um
movimento de reafirmação de uma época alegadamente mais simples, e pautada pela igualdade de
obrigações e direitos?
Assinale-se,
outrossim, que o ethos do Exército Islâmico, ao contrário de outros países da
região, não se caracteriza pela corrupção.
Assim, ao
invés de confinados em ghetos e
subúrbios empobrecidos, chamados de racaille[1] ou
cousa similar pelos representantes das classes dominantes, será assim tão surpreendente que, dentro
de panorama de falta de opções existenciais, surja esse movimento de emigrar
para simbólico Califado, onde se assegura vida entre iguais, marcada por
regras simples (ainda que draconianas), e tendo, por cima de tudo, a
possibilidade de ou parar no paraíso, com as suas huris, ou ascender na escala do mérito das armas, na porfia pela
consolidação do Califado Sunita nas terras do Profeta?
(a continuar)
( Fontes: Carlos Drummond de Andrade; The New
York Times )
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