sexta-feira, 5 de junho de 2015

Desconstruindo o claro Enigma ISIS


                         

          Raqqa, a atual capital do Estado Islâmico, tem características do movimento nômade. Não há indicações precisas sobre o número de habitantes de seu núcleo de direção.  

          Essa flexibilidade não existe por acaso. Depois de cerca de quatro mil bombardeios pela coalizão liderada pelos Estados Unidos, e a estimativa de dez mil mortes de militantes do ISIS, o exército islâmico continua a receber suposta torrencial corrente de adesões.

          Depois da queda de Saddam Hussein, por obra da guerra do Iraque, houve aumento do poder xiita na região. Em Bagdá, a minoria sunita, que detinha o mando, foi suplantada pela maioria xiita. Refez-se, outrossim, o quadro de alianças, com Teheran sob a preponderância clerical xiita. Por outro lado, na Síria, a longa guerra civil contra Bashar al-Assad, movida pela maioria sunita no país contra o regime da minoria alauíta (seita heteróclita próxima dos xiitas), depois de início em que a Liga Rebelde - que parecia próxima da vitória – se enfraqueceu, de forma relativa, por não colher apoios similares ao do campo do ditador Bashar. Este último, além da sustentação da Rússia de Vladimir Putin (interessado em manter o porto de águas quentes no Mediterrâneo Oriental), contou com o apoio  do Irã do Ayatollah Ali Khamenei e da milícia Hezbollah, sediada no Líbano.

           Já a Liga, diante da recusa de Barack Hussein Obama de fornecer-lhe armas e apoio logístico (o que se interpreta como decorrência de síndrome da guerra do Iraque) passou a contar com aportes irregulares dos estados do Golfo, notadamente Arábia Saudita e Qatar.

            Antes temeroso de parar na Haia, sob a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, o ditador Bashar pôde recompor o seu esquema de sustentação, valendo-se para tanto do continuado auxílio de Teheran e da milícia Hezbollah. Tampouco lhe faltou a ajuda de Putin, diante de  conflito em que o regime sírio lograva parcialmente recuperar-se.

            Entrementes, houve radicalização no exército rebelde. O  ISIS surgiu com aglutinador da seita sunita. Dado o conhecido horror diante do vácuo de poder porventura existente em aglomeração formada pela sua  contraposição ao lado xiita, não seria surpresa que estavam postas as condições para a constituição de  núcleo duro sunita.

             Esta é a mensagem do Califado. Ao lado de seu caráter bárbaro, anacrônico mesmo, e de suas execuções medievais (que sinistramente fornecem a alternativa do espetáculo) , o ISIS atrairia recrutas com base em dois polos principais: a reafirmação da seita sunita, que se descobrira, após a queda de Saddam, submetida aos odiados xiitas; e a atração de movimento de restauração árabe, pautado por princípios simples, porém afirmativos. Surpreenderá então que jovens e menos jovens que se sentem como proletariado na Europa Ocidental desejem integrar um movimento de reafirmação de uma época alegadamente mais simples, e pautada pela igualdade de obrigações e direitos?

             Assinale-se, outrossim, que o ethos do Exército Islâmico, ao contrário de outros países da região, não se caracteriza pela corrupção.

             Assim, ao invés de confinados em ghetos e subúrbios empobrecidos, chamados de racaille[1] ou cousa similar pelos representantes das classes dominantes, será assim tão surpreendente que, dentro de panorama de falta de opções existenciais, surja esse movimento de emigrar para simbólico Califado, onde se assegura vida entre iguais, marcada por regras simples (ainda que draconianas), e tendo, por cima de tudo, a possibilidade de ou parar no paraíso, com as suas huris, ou ascender na escala do mérito das armas, na porfia pela consolidação do Califado Sunita nas terras do Profeta?

 

(a continuar)

 

( Fontes: Carlos Drummond de Andrade; The New York Times )




[1] Ralé.

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