Excluída a cobertura pela mídia
das negociações nucleares entre o Ocidente e o presidente iraniano Hassan
Rouhani e seu Ministro do Exterior Mohammad Javad Zarif, a ditadura dos ayatollahs não sói aparecer no
noticiário.
Ter-se-ía a
impressão de que tudo vai bem na ditadura clerical, trazida pelo Ayatollah Khomeini, em fevereiro de
1979, após a renúncia e fuga do Xá Reza
Pahlevi, em fins de janeiro do mesmo
ano.
Recordam-se
da chamada revolução verde, quando a
notória reeleição fraudulenta em 2009 de Mahmoud
Ahmadinejad provocou essa reação popular, cujos principais líderes – Mir Hussein Mussavi e o clérigo Mahdi Karroubi - até hoje estão em
prisão domiciliar?
A revolta
espontânea do povo de Teerã teve inclusive musa, a jovem Neda Agha-Soltani, que
foi assassinada por certeira bala, provavelmente deflagrada por algum basij[1] do
alto de um prédio, no crepúsculo do dia 22 de junho. O sacrifício da jovem foi
captado por celular e transmitido pelas parabólicas na informal rede da
liberdade.
A revolução
que livrará o povo do Irã da ditadura clerical ainda não espoucou, mas a
despeito de todo o arrocho e paranóico cerceamento da liberdade, está escrito
em páginas ainda ilegíveis que os dias deste cruel regime estão contados.
Entrementes, cabe mencionar o que está ocorrendo com a atriz Leila Hatami. Adentrava, pelo seu tapete
vermelho, a sala do festival de Cannes –
famosa por seu papel em A Separação –
quando, ao cruzar por Gilles Jacob,
seu presidente, ao estender-lhe a mão, este preferiu distingui-la e a beijou no
rosto.
No incrível
e mesquinho mundo instituído pelo regime clerical e seus diligentes capangas, a
confusão começou por aí. O correspondente em Teerã do Washington Post, Jason
Rezaian reportou a dita ‘celeuma’, eis que o ósculo foi considerado afronta
ao Islam, havendo um grupo de estudantes declarado que a atriz deveria ser
açoitada em público.
Rezaian,
americano nascido na Califórnia, comunicou inclusive que Hatami havia pedido
desculpas em declaração pública em que ela lamentava ‘atingir os sentimentos de
algumas pessoas’. Acrescentou que não desejara ser beijada por Jacob, e que tinha
simplesmente esquecido “a regra”.
Oito semanas depois do seu despacho,
Rezaian continua preso, e ainda por cima no famigerado cárcere Evin (notório pelas torturas e
execuções). Até a esposa de Jason, Yeganeh
Salehi, cidadã iraniana, e reporter de jornal de Abu Dhabi, foi presa, para
ser liberada sob fiança mais tarde. Rezaian aí permanece há dez meses, boa
parte dos quais na solitária. Somente sua mãe, Mary Rezaian, pôde visitá-lo por
duas (breves) vezes.
O juízo de
Rezaian ocorreu em junho. Foi acusado de espionagem, colaboração com governos
hostis (sic), e ‘propaganda contra o
‘establishment’. O advogado que se encarregou da causa não foi escolhido pelo
réu, e os trabalhos do julgamento não são abertos ao público. A acusação pode determinar sentença de 20 anos de cárcere, sendo o juiz
responsável – Abolghassem Salavati –
conhecido por condenar dissidentes à morte, e por presidir a julgamento omnibus em que ativistas e jornalistas
foram obrigados a dar confissões televisadas.
No caso de Rezaian, depois de interrogatório sob portas cerradas, Salavati suspendeu o
juízo, sem qualquer definição de prazo de retomada. Em comentário a esse
simulacro de justiça, o diretor-executivo do Washington Post, Martin Baron, declarou: “Não há
justiça neste sistema, e não obstante está na balança o destino de pessoa boa e
honesta.”
O
próprio Washington Post requerera
visto para que um de seus diretores assistisse ao juízo de Rezaian, mas as
autoridades sequer responderam. A mulher
dele continua no Irã e pode ir a julgamento em breve. Como o público não foi
admitido ao juízo de Jason, a esposa esperou por horas a fio na entrada do
Tribunal. Mas os discretos iranianos providenciaram que o ingresso de Rezaian
fosse por porta de fundos...
É até
mesmo muito provável que ele sequer saiba que a sua mulher lá estava para
vê-lo.
( Fonte: The New
Yorker, 8 de Junho de 2015 )
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