quarta-feira, 6 de abril de 2016

Saudades de Joaquim Barbosa


                           

        Não é de ontem, quando estourou a estranhíssima decisão do Ministro Marco Aurélio Mello, que o presente Supremo tem dado mostras não só de excesso de personalismo, senão de determinações que vão a contrapelo da normalidade constitucional.

        O tal pedido de impeachment contra o vice-Presidente Michel Temer já despertara atenção pela iniciativa inesperada e na aparência fora do contexto do Deputado Ciro Gomes, atualmente no PDT, e de um outro deputado, o Cabo Daciolo, este sem partido, ambos apresentando requerimentos em tal sentido.  Michel Temer é responsabilizado por assinar decretos que prescrevem pedaladas fiscais na ausência de Dilma Rousseff.

        Ciro Gomes justifica a sua iniciativa porque considera uma 'sacanagem' que se requeira o impeachment da Presidente Dilma Rousseff (que se aceito virá em favor de Temer), se se tiver presente que, no exercício da Presidência, Michel Temer também teria recorrido a pedaladas fiscais.

        Perdoe-me o leitor, mas tenho ocupar-me desse assunto - que é de ordem constitucional - sob a epígrafe da famosa frase do General Charles de Gaulle, então presidente da França (anos sessenta) de que "o Brasil não é um país sério"[1]. Esse comentário do herói de guerra francês fora expresso ao tempo da famigerada guerra da lagosta, uma guerra, seja dito de paso, que nunca existiu (princípio dos anos sessenta).

        Esse juízo derrogatório do general e político francês acerca da nossa terra, além de ser repetido por um embaixador (que não mais está entre nós) faz para certas pessoas um certo sentido, e por isso tal calúnia é repetida amiúde.

        Tem havido ultimamente iniciativas de ministros do Supremo, uma delas inclusive transformada em resolução por maioria de votos, que dão a impressão de que algumas de Suas Excelências não tem lido com a atenção necessária a nossa Lei Magna.

         Tomemos, por exemplo, o parecer recentemente aprovado pela maioria do Supremo, que provocou estranheza de antigos membros já infelizmente aposentados, no que tange a certos aspectos de tais resoluções. Assim, provocado por uma ação assinada por membros do PCdoB ( que tem relação clientelar com  o PT) reclamando quanto a aspectos do procedimento de impeachment consoante aprovado pela Câmara.

           Ultimamente, alguns Ministros do Supremo têm transmitido a impressão de não levarem na devida conta o artigo 2 da Constituição, que estabelece a igualdade dos Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário).

            Quando da votação no Congresso da sistemática do impeachment - existe, se não me engano, uma lei dos anos cinquenta que está defasada no que tange a  esse procedimento, cuja frequência de uso dá a impressão de que vai aumentar. Ao estabelecer as normas para o impeachment de Dilma Rousseff, no que lhe concerne, a Câmara tomou providências que foram prontamente contestadas pelo lado perdedor. Assim, o PCdoB fez um recurso ao Supremo. Caíu na mesa do Ministro mais novo, Luiz Edson Fachin, que produziu um parecer bastante equilibrado. No entanto, o referido equilíbrio não agradou ao Palácio do Planalto, e na sua votação, prevaleceu por um voto o parecer-alternativo preparado pelo Ministro Luís Roberto Barroso.

                Nesse parecer, Sua Excelência parece haver-se esquecido do artigo 2 já citado, o que foi sinalizado por alguns membros do STF, ao proibir as candidaturas avulsas, assim como mandar refazer todo o procedimento anterior adotado por um dos três Poderes, a que a Constituição Cidadã considera como independentes e harmônicos entre si. Outra estranheza do Ministro Barroso é que deu poderes ao Senado de infirmar as decisões no particular da Câmara de Deputados. Dentre os que se opuseram às emendas do parecer Barroso, cumpre assinalar, de forma elogiosa, tanto o Ministro Dias Toffoli, quanto o Ministro Gilmar Mendes.

                Agora, em decisão monocrática (individual), o Ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo, decidiu que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), deve dar seguimento a pedido de abertura de impeachment contra o vice-presidente Michel Temer.

                Nessa decisão, que foi antecipada pela colunista Mônica Bergamo da Folha, o Ministro Mello  afirmou que Cunha não "respeitou o figurino legal" ao rejeitar o pedido  de afastamento do correligionário e extrapolou suas atribuições ao analisar o mérito da acusação contra o vice, o que caberia a uma comissão a ser criada pela Câmara.

                A respeito da decisão do Ministro Marco Aurélio, a análise de Oscar Vilhena semelha para mim de grande pertinência. Por isso, transcrevo a respectiva vinheta de primeira página, com que estou de inteiro acordo: "A decisão de Marco Aurélio explicita a total falta de cerimônia com que alguns ministros do Supremo decidem, monocraticamente, questões de enorme repercussão política. Exacerbação de individualidades, em detrimento da colegialidade, pode colocar em risco a autoridade do STF."

 

( Fonte:  Folha de S. Paulo )




[1] Le Brésil n'est pas un pays sérieux.
     

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