terça-feira, 5 de abril de 2016

Os "amigos" de Hillary

                                 


         Hillary Clinton dispõe de folgado avanço em termos de delegados em relação ao seu direto adversário pela disputa da nomination  na próxima Convenção democrata em Charlotte. Por estranha coincidência,  essa vantagem sobre o Senador por Vermont,  Bernie Sanders, não difere muito do avanço que tinha Barack H. Obama sobre Hillary nas primárias de 2008.

          Como Hillary na luta contra Sanders já acumula respeitável vantagem em relação ao runner-up[1], diferença essa quase impossível de recuperar, as perspectivas de que a ex-Secretária de Estado seja designada a candidata do Partido pela Convenção democrata são muito grandes. Foi em situação muito similar que Hillary renunciou a continuar na competição contra o então Senador por Illinois. Esta sua decisão foi combatida com ardor por seu marido, o ex-presidente Bill Clinton, por ainda achar possivel reverter a situação na Convenção.

            A sua esposa preferiu evitar tal caminho, por ser difícil, divisivo e incerto, renunciando à sua candidatura pouco antes da Convenção. Embora não a fizesse Vice-presidente - que seria a solução natural, dada a renhida campanha preliminar - Obama optou por designá-la para o Departamento de Estado, que Hillary ocupou durante o primeiro quadriênio.

            Desde muito gozando de grande vantagem sobre os seus adversários pela nomination, Hillary poderá ter pensado que o lugar na chapa democrata já lhe estivesse garantido. O seu mérito principal na segunda campanha foi não só não repetir os erros da primeira, como engajar técnicos democratas com grande experiência na matéria. A preparação tem sido cuidadosa e ela não dormiu sobre os louros que a punham com folgada vantagem sobre os seus rivais democratas. Ao contrário da primeira tentativa,  seu esforço  concentrou-se nos principais centros de onde se localizariam as principais primárias, de modo a que seu pleito tivesse penetração muito maior nos diversos estados.

              Sabia-se então de sua grande penetração nos estados sulinos (mormente pela sua vivência em Arkansas, ao lado do marido que governou esse Estado), assim como no seu empenho pela melhora da condição dos afro-americanos e dos chamados latinos (que são os americanos de descendência hispano-americana). Toda a campanha pela nomination é um exercício exaustivo, mas para pessoas com a exposição de Hillary o esforço é ainda maior, pela necessidade de manter contato com um público bastante mais avantajado.

                   Quanto mais alto o posto, maiores serão logicamente os custos da campanha. Nem falar, portanto, do desafio apresentado por uma eleição presidencial.

                    Depois de uma ativa missão como Secretária de Estado durante o primeiro mandato de Barack Obama, o 44º presidente, Hillary  desempenhou o cargo com grande êxito. Daí decorreu que nos oito anos de Obama (ora por findarem) Hillary liderou com folga a lista de pré-candidatos à Casa Branca.

                     Nesse contexto, vários possíveis adversários para a campanha presidencial deste ano foram saindo do pelotão, seja pelo cansaço, seja sobretudo pela realização de que não tinham condições de ameaçar a liderança da Senhora Clinton.

                      No entanto, a grande vantagem de que gozava Hillary no que tange a Joe Biden, o cômico, mas simpático vice-presidente de Obama, fe-lo afinal sair da corrida, há coisa de um ano atrás.

                      Hillary, por conta de seus quatro anos no Departamento de Estado, se reforçou a própria popularidade, iria ter dois problemas principais: a morte do embaixador americano na Líbia, Christopher Stevens, em 12 de setembro de 2012, assassinado por terroristas líbios em Benghazi, e o seu uso de programa de computador particular para questões correntes no Departamento de Estado.

                      O GOP procurou responsabilizar de alguma forma a Hillary pela morte do embaixador Stevens. O seu interesse, evidenciado por várias audiências dedicadas ao tema, era o de implicar de alguma forma Hillary com as causas que levaram à morte do distinguido arabista. Comovente o empenho dos republicanos em mostrar, de alguma maneira, alguma eventual responsabilidade dos democratas e, em especial, de Hillary iHilH     H pela morte de Christopher Stevens e de mais três funcionários americanos. Tanto empenho, sobretudo na Casa de Representantes que desde 2010 o GOP domina por conta de um bem organizado gerrymander (redistritamento eleitoral com fins de favorecer um partido), que é uma das vergonhas da Nação americana nos dias atuais, enquanto aos distritos eleitorais em estados hoje dominados pelos republicanos.

                          Outra questão que viria a incomodar Hillary foi o seu uso de um servidor privado de computador para seus e-mails. Esse "erro" da Secretária de Estado lhe incomodaria muito, sobretudo quando o assunto foi tomado por seus concorrentes para a Casa Branca. Hillary não deu a princípio a atenção que a questão merecia e permitiu que crescesse junto à opinião pública. Somente quando se dispõs a assumir em entrevista televisiva  seu "erro", foi que logrou desinflar a questão, a qual foi redimensionada. O próprio Sanders, seu maior rival pela nomination, declarou que já estava farto de ouvir sobre "o de tal servidor privado". Com isso, parece que o problema foi arquivado. Está pendente, no entanto, o parecer da autoridade do governo americano, que é competente sobre a questão. A esse respeito,  alguns de seus 'amigos' alvitraram a possibilidade de que ela fosse indiciada. Essa perspectiva, no entanto, é muito pouco provável.

                                A princípio, a Senadora Barbara Warren, por Massachusetts, analisou a respectiva possibilidade de concorrer às primárias do Partido Democrata. Ativista de direitos humanos e defensora dos consumidores perante as grandes empresas, Warren é uma combativa política. Terá analisado a possibilidade de candidatar-se e preferiu, talvez pela popularidade de Hillary, de não tentar desta vez. A Senadora Warren é um ótimo valor entre os democratas.

                 Bernie Sanders, senador pelo estado de Vermont, no extremo norte da Nova Inglaterra, tornou-se o principal adversário de Hillary Rodham Clinton pela nomination democrata.

                 Depois de uma folgada liderança nos anos anteriores, por força de sua campanha anterior e o seu exercício de quatro anos como Secretária de Estado, em que deu uma boa imagem à diplomacia estadunidense (além de haver-se a contento diante de tal desafio), com o começo da longa campanha presidencial americana e o 'fogo amigo' de um grupo da imprensa e do Partido, a grande vantagem de Hillary sobre os demais concorrentes democratas encolheu deveras.

                 O que a favorece é a simpatia pessoal, a longa experiência política, primeiro, ao lado do marido, Bill Clinton, governador de Arkansas e depois o 42° Presidente americano. Vindos de um pequeno estado sulino, Bill e Hillary enfrentaram uma senhora barra junto aos círculos dirigentes e em especial na Nova Inglaterra.

                 Por iniciativa do New York Times, se iniciou a investigação sobre o projeto de Whitewater, em que se procurou incriminar os Clinton. O próprio New York Times mandou fazer uma reportagem sobre esse suposto escândalo, que deu muito trabalho aos Clinton e aos amigos dos Clinton. Ganhou realce um promotor-especial, Ken Starr, que deve ter grande admiração pelo Comissário Javert dos Miseráveis, de Victor Hugo, mas que, embora tenha conseguido iniciar o processo de impeachment de Bill Clinton, por motivos exclusivamente políticos, eis que Clinton é considerado um dos melhores presidentes americanos, e pôde sobreviver politicamente ao ataque de Starr.

                  Por ocasião da presidência Clinton, Hillary ocupou-se de projeto de reforma de saúde, cuja qualidade se afigura muito superior ao do projeto pela Administração Obama, no biênio em que os democratas tinham maioria na Câmara e no Senado. De qualquer forma, a Lei sobre a Reforma Sanitária foi aprovada e sancionada pelo Presidente. Os republicanos empreenderam, como se sabe uma raivosa campanha contra o 'Obamacare', o apelido que desejam pejorativo contra a dita reforma. Diga-se a propósito que a Reforma da Saúde de Obama resistiu a exame pela Suprema Corte que tinha então maioria republicana, e está viva e operante até hoje.

                  No que concerne ao projeto de reforma Clinton, os democratas então não tinham maioria no Congresso. Além disso, tal projeto de reforma, supervisionado por Hillary Clinton, recebeu a oposição das grandes empresas da indústria farmacêutica e médica nos Estados Unidos, com anúncios enganosos nas redes de televisão sobre o que implicaria em termos de  restrições às escolhas dos cidadãos. Na verdade, o projeto de reforma era muito bom, mas não avançou pela oposição acima mencionada (a assistência médico-hospitalar na terra de Tio Sam é uma das mais caras do mundo, e conseguiu fazer engavetar o trabalho presidido pela Senhora Clinton).

                   Sem querer cansar o leitor com matéria demasiado longa, reservarei a segunda e última parte dessa tentativa de apresentar a política e intelectual Hillary Rodham Clinton, para ocupar-me de sua relação com a imprensa, em especial as peculiaridades no que concerne ao maior jornal  americano, o perfil de seu concorrente Bernie Sanders, e last but not least[2] a ambígua relação do segmento liberal nos Estados Unidos com o casal Clinton e, em especial, com Hillary.  

 

( Fontes: The New York Times, Les Misérables, de Victor Hugo )



[1] Adversário direto
[2] por último, mas não com menos importância.

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