domingo, 10 de abril de 2016

O Porvir do Exército Islâmico


                                 

      Veio à luz, agora, que o ataque inspirado pelo Estado Islâmico na Bélgica, a 23 de março último, atingindo a estação de metrô e o aeroporto de Bruxelas, visara inicialmente a França. Segundo o especialista Claude Moniquet, tal investida teria por objetivo o bairro La Défense, no XVIII arrondissement, e que só fora cancelada por causa de ultimados preparativos de segurança que levaram os planejadores terroristas  a desviarem o objetivo de sua ação criminosa para a indefesa Bélgica.

      Na Défense, esse bairro modernoso em cuja arquitetura não reconhecemos a beleza e a arte de outros distritos parisienses, e que se queda  ao final da avenida de la Grande Armée, trabalham milhares de pessoas, empregadas por diversas companhias, nos anônimos ambientes, que congregam em idênticos, assépticos compartimentos, curvadas  levas de trabalhadores ditos intelectuais, aí destinados nessas grandes, mas vazias usinas da labuta moderna, engajados que estão na sua lábil permanência laboral nesses grandes empreendimentos do capital gaulês - Areva, Total e Société Générale. Para o incauto turista, que por motivos vários se anima a descer a larga avenida que faz silencioso contraponto àquela que nos parece um pouco menos retilínea e quiçá, por conseguinte, mais humana des Champs Elysées, é bom que se diga que essa vem de outro século que é o do Barão de Haussman. Por isso, ao chegar do outro lado da colina, que o Arco do Triunfo encima, virá um tanto cansado  da gente, das calçadas, das lojas, dos cinemas e dos restaurantes, em que cada  quarteirão nessa subida pode ser uma festa  para o olhar, as vitrinas e as belas moçoilas  risonhas e tagarelas, e tudo aquilo se junta, com o tumulto do tráfego, as buzinas dos chauffeurs impacientes, até que, cansado mas com brilhos de prazer no olhar, passas por aquela grandiosa muleta na qual verás os inefáveis turistas pendurados, até chegares a um outro ambiente, mais para o cinzento e o embaçado, em que o tráfego se escorre menos alegre e quiçá menos animado. É uma área que vai descendo, rumando sabe-se lá para quê, de onde te contemplam não as janelas indiscretas dos poemas de Carlos Drummond de Andrade, mas a indiferença das persianas realmente cerradas.

       Pois, caro leitor amigo, estás, quiçá sem o saber, a caminhar para o bairro dito de La Défense, e, portanto, aí não se acomoda o andar desse promeneur, pois o passeador, por mais que se esforce, não logrará entrar no ritmo descansado, agradável, prazeroso, do flaneur.  

       Ao invés, toca-lhe deparar  a álgida frieza da arquitetura que não busca a ática beleza da coluna, o romano encanto da cor, ou o incrível rebuscado de floreios orientais, ou formosuras de estranhas culturas,  mas a funcionalidade de enormes hangares, ali postados para alojar por inteiras e bem estipuladas jornadas o labor anônimo dos intelectuais operários do século XXI.

          Mas visitemos outras realidades. Segundo Moniquet, que é francês, mas está radicado na Bélgica, dois dos homens que participaram do ataque ao Bataclan, no dia treze de novembro e que foram mortos pela polícia em raids posteriores, provinham do chamado Exército Islâmico.

       Por outro lado, há muitas indicações de que o Exército Islâmico vem recuando de muitos dos territórios antes conquistados. Em função da mudança da sorte guerreira, seja pela intervenção dos Estados Unidos e da Rússia, assim como a indústria e o empenho de povos habituados à adversidade como os valentes curdos, as posses do Califado tem diminuído o que se reflete nos salários dos militantes, que não mais lhes chegam com a largueza de ontem.

        As terras em torno da antiga Palmira foram recuperadas, se bem que as vandálicas destruições do grupo de ruínas antes bastante bem preservadas - na medida em que tal seja possível - hoje são a imagem das estúpidas ações do grupo de al-Baghdaad. No seu curto espaço de domínio sobre aquela área em torno do Iraque e da Síria, onde tantos monumentos de civilizações hoje parcialmente esquecidas tinham sido preservados, agora são destroços irreconhecíveis - chagas abertas da estúpida vandalização das construções da história da Humanidade.

         Alguns desses bens foram vendidos no mercado negro do lupino comércio de antiguidades, e deverão permanecer nos porões de seus mercadores, à espera do esquecimento que lhes permita vendê-los no todo ou em parte aos soturnos habitantes deste submundo que é o mercado de tais obras de arte, que por fruto de sorte madrasta acabam nos subterrâneos desse tráfico.

          O E.I. ou DAESH - como é chamado no mundo islâmico - ainda sobrevive, enquanto o cerco do Ocidente o constrange a perder terreno e as rendas da explotação petrolífera. Só o futuro determinará a sua parte na explotação da arte antiga. Como os tombaroli (ladrões de tumbas na antiga Etrúria, os milenares ladrões dos monumentos sepulcrais no antigo Egito - só uma descoberta como a de um faraó menor Tutankhamon desvendaria pelo acaso que lhe permitira a quase imunidade diante da velha classe dos ladrões de túmulo). Não deixará saudades, decerto, mas muito padecimento inútil, soezes atos de crueldade e a ilusão de que poderiam reconstituir entidades sanguinárias, movidas pelo ódio cego, a intolerância extrema e a impiedade dos milenaristas.

           Como foi criada e integrada em grande parte por elementos dos exércitos de Saddam Hussein, será talvez com pensamento nostálgico que tais senhores se hão de recordar - sem dúvida rodeados de huris, no islâmico paraíso - que toda essa sorte lhes caíu pelo ato temerário de atacá-los de quem se julgara um grande líder, e magno senhor dos exércitos. O seu nome é George Walter Bush, que sob a preclara orientação do vice-presidente Dick Cheney,  dos neoconservadores, como Norman Podhoretz, Paul Wolfowitz e Irving Kristol, que se julgaram a vanguarda do futuro democrático no Meio-Oriente, jogaram grandes exércitos, armados pela velha ilusão, que prevê êxitos fulminantes e que é companheira dos grandes, ruinosos conflitos, como seria esse conflito insano para acabar com as armas de destruição em massa (WMD), que seja dito de paso não existiam, mas que criariam um inferno, tanto para a superpotência, que se dessangrou em bilhões de dólares, e que doaria à comunidade estadunidense os estranhos encantos do decline, com a pobreza a invadir as cidadezinhas antes risonhas, a esvaziar galpões e a trazer a pobreza, para os largos espaços circumvizinhos, aonde antes pensavam viver felizes os interioranos. E para que não se esqueçam dos grandes espíritos orientadores nas guerras, que os atacantes sóem considerar que serão breves não nos esqueçamos das multidões alemãs que saudavam as tropas - com os capacetes pontudos da Grande Guerra - dizendo-lhes um até logo, pois estariam de volta wenn der Laub fällt (quandos as folhas caírem), pois não sabiam que o assassínio do casal real austríaco lançaria o mundo no inferno do século XX, abrindo passagem  para as trincheiras, os gases e mais tarde, na repetição geral, para os senhores Hitler, Stalin e o holocausto ! Eis que a guerra do Iraque cuidaria de destruir outros ambientes, que viriam empós a guerra da Palestina, sua não-resolução, e mais tarde, já no novo milênio, viria Don Rumsfeld que preparou tudo às carreiras, inclusive a blindagem - que para ganhar tempo e dinheiro seria leve - e com isso houve um pequeno atraso no autêntico fim da guerra do Iraque, comemorado com certa antecipação com Bush brincando de aviador no porta-aviões Abraham Lincoln, e saudando o fim da guerra - só que com a pressa dos tolos, e por isso com muitos anos de antecipação, anos esses preenchidos por mortes, desgraças, ruínas (inclusive da Superpotência) e até contribuindo para o nascimento do Estado Islâmico, cuja liderança - hoje em processo de recondução ao paraíso - animada pela guerra na Síria ainda está firmemente resolvida a prosseguir na sua marcha de destruição, a qual - sejamos justos - eles a devem à corajosa decisão do Presidente Bush, o jovem.

 

(Fontes: The New Yorker, The New York Review of Books, Carlos Drummond de Andrade, The New York Times, e outras experiências )    

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