Em imagem cara aos escritores da Antiguidade, a nave já se aproxima do porto.
A metáfora era empregada amiúde e tal se entenderá facilmente se tivermos presente o que significavam naqueles tempos travessias no Mediterrâneo. Basta ver-se nas velhas estampas o tamanho das embarcações, para que se tenha ideia dos perigos que a viagem apresentava.
Compreende-se, portanto, o alívio, a satisfação e a sensação de segurança, após as insídias da derrota marítima, que a cercania do ancoradouro em calma enseada proporcionava.
Era hora de dar as graças a Poseidon, o colérico deus dos sete mares e dos movimentos telúricos.
Dir-se-á que a campanha presidencial, se está perto do fim, longe se encontra de deixar-nos boa impressão. A lisura nos procedimentos, se não a fidalguia, pelo menos a correção, como perguntaria Mario de Andrade, jacaré viu ?
Os debates - que hoje terminam com o da Rede Globo – engessados pela prática e os temores das assessorias, mais parecem falas de surdos, em que as argumentações programáticas cedem lugar às recriminações, e muita vez sob a toada da fábula ‘se não foi seu pai, foi seu avô’.
Outra símile, esta mais próxima de nós, se reporta ao embate com todos os homens do presidente. Decerto o espírito da lei não terá sido respeitado. Nesses dias conturbados, quem há de ousar sequer mencionar a designação antes respeitada de Primeiro Magistrado da Nação ? Somente se tiver gosto pelas ironias mais calcadas, beirando o sarcasmo.
No capítulo, se assistiu à não-presença da Justiça Eleitoral, quando defrontada com o protervo desafio colocado pelo próprio Presidente da República, que não trepidou em descer à arena, tornando-se nas suas próprias palavras o cabo-eleitoral-mor de sua criatura e candidata.
Na parte adversária, como se os políticos brasileiros sentissem desconforto em ser oposição, o candidato José Serra realizou campanha a princípio errática, como se temesse aparecer como a opção alternativa para o eleitorado.
Apesar de ter o melhor currículo e de ser o único provado eleitoral e politicamente, semelhou envergonhar-se de representar proposta independente para o Povo brasileiro.
É sovado hábito de culpar o candidato em aparente desvantagem. Muitos escribas se servem da ocasião para acertar antigas contas e ressentimentos. A outros, a pecha da derrota anunciada leva a cobrir a suposta vítima de todos os defeitos, como se fora judas de sábado de aleluia.
Se existem alguns imponderáveis no ar – a abstenção, que a data designada favorece, o bicho-papão do aborto e as palavras do Papa, o esforço de Aécio Neves, em marcado contraste com o primeiro turno, e os imponderáveis de última hora – os institutos de pesquisa apontam para o favoritismo de Dilma.
Dados os tropeços do primeiro turno, a confiança na certeza do resultado não mais possui aquela firmeza das vésperas de três de outubro. As próprias hostes do Presidente, e a bem-comportada candidata, fogem da empáfia do já-ganhou e se refugiam na espera mineira e cautelosa. Nada de sessão de fotos de presidenta-eleita, e muito menos envolvida na bandeira nacional.
Primeiro, será hora de aguardar a voz do Tribunal Superior Eleitoral.
sexta-feira, 29 de outubro de 2010
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Um comentário:
É triste que a maior parte da população (a se acreditar nas pesquisas) e parte expressiva da "intelligentsia" não reconheça Dilma pelo que ela é (ou não se importe): um Collor revisited, fabricado artificialmente para manter o poder sob controle de um grupo, e imposto goela abaixo dos ignaros ou dos simpatizantes dessa agenda pouco democrática. Como o primeiro, a receita pode desandar - à custa dos que mais esperanças depositaram no projeto.
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