quarta-feira, 13 de outubro de 2010

A China e os Direitos Humanos

A recente e oportuna concessão do prêmio Nobel a Liu Xiaobo pela seção norueguesa do Prêmio Nobel tem sido qualificada como ‘corajosa’ pela mídia internacional.
Corajosa, por quê ? Supostamente porque enfrenta o poderio da República Popular da China, há pouco elevada à segunda potência econômica do planeta, após haver ultrapassado o estagnado PIB do Japão.
O chinês Fang Lizhi, asilado nos Estados Unidos e que participara no movimento pró-democracia, esmagado em 1989, por ocasião das manifestações na praça Tiananmen, aponta para a peculiar reversão de papeis que a RPC tem logrado realizar.
O Ocidente se deixou embalar por uma doce ilusão quanto à alegada irreversibilidade do avanço da democracia, acionado por forças de mercado, em função da abertura econômica na China.
Nesse sentido, a democracia seria a face política da conversão chinesa a economia despojada dos princípios marxistas por que se pautara até a abertura determinada pelo velho comunista Deng Xiaoping, a instâncias de Zhao Ziyang.
Quando Deng saíu de cena, na última década do século XX, instalou-se em Beijing uma governança de presidentes, eleitos pelo congresso do Partido Comunista Chinês para mandatos de cinco anos.
De início, havia expectativa quanto a um processo de liberalização, sob uma moderada pressão do Ocidente, com os Estados Unidos à frente. Como assinala Fang, com o progressivo crescimento da economia chinesa verificou-se uma correspondente diminuição das pressões ocidentais por maior abertura política na China.
Se na fase anterior, os líderes do poder burocrático-ideológico chinês cuidaram de firmar documentos internacionais indicativos de suas intenções liberalizantes – entre eles a Declaração das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, assim como a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura – com o que, a par de acenar com presunção de reformas democráticas, abriam igualmente caminho para aceder a metas relevantes para o Império do Meio como a participação plena na Organização Mundial do Comércio, uma vez atingidos tais objetivos e amparados na força inercial da respectiva magnitude econômico-financeira, os sucessores dos líderes burocráticos da RPC julgaram chegado o momento de enjeitar os reclamos liberalizantes de Washington e da União Europeia.
Se a ideologia do P.C.C. é um credo esvaziado do conteúdo marxista primevo, o partido continua a reivindicar e a impor a primazia política. Nesse contexto de virtual monopólio nas decisões, a corrupção é decorrência natural e inelutável.
Por outro lado, o perfil da reação da China diante da ‘afronta’ que lhe teria sido feita pela pequena Noruega bem caracteriza o atual estágio da relação de forças entre o Ocidente que se quer vetor de uma progressiva liberação da R.P.C. e o governo de Beijing.
Além das tropelias chinesas contra o Tibete e os uigures no Sinkiang, existem nas prisões e nos campos de reeducação chineses cerca de 1400 infelizes, culpados de fé democrática e religiosa, de atividade sindical livre (que atentaria contra os baixos salários que azeitam a comercialização das exportações) e até de membros de ONGs não-autorizadas.
O poder tecno-burocrático chinês vem assumindo sempre maior arrogância na afirmação dos respectivos ‘princípios’ que validariam o respectivo modelo autocrático. Para tanto, não serão de somenos os degraus grimpados em termos de pujança econômica e de implantação sólida em instrumentos de grande valia (OMC). A própria ‘moderação’ de Washington, consubstanciada na medida prudência da Administração Obama (V. a sua visita à China) e o relativo silêncio do Ocidente quanto ao autoritarismo chinês terá sido encarado como uma das causas indiretas da presente inversão de papeis.
Assistimos no episódio de Liu Xiaobo não só à retaliação interna contra a concessão do prêmio Nobel (a ‘ira’ burocrática dos gerarcas de Beijing contra a interferência em assuntos internos, traduzida em ‘manifestações de repúdio’, na ulterior vitimização do ativista e de sua esposa Liu Xia, mantida esta em prisão domiciliar, presumivelmente por culpa de associação conjugal). A audácia chinesa se explicita, igualmente, nos maus tratos à pequena Noruega, com o cancelamento da visita ministerial norueguesa àquele país.
A esse propósito, como interpretar as primeiras vozes que ponderam acerca da inutilidade prática dos prêmios Nobel da Paz. Um exemplo seria a birmanesa Aung Sui Kyi que continua em prisão domiciliar, pela junta militar de Rangun. Na verdade, os prêmios Nobel incomodam às ditaduras e aos regimes de apartheid disfarçado, como a concessão do galardão a Rigoberta Menchu (Guatemala). As causas da permanência da injustiça são outras. Desaconselhar a concessão do Nobel é água para os moinhos das ditaduras. Os generais na antiga Birmânia (hoje Mianmar) se revezam no poder por conta do apoio econômico de China e Índia. Já a inversão de papeis, ao ensejo do Nobel ao ativista Liu Xiaobo, tem mais a ver com a inação do Ocidente, do que com ‘reação patriótica’ chinesa.

( Fonte: International Herald Tribune )

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