sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Liu Xiaobo, Prêmio Nobel da Paz

As boas causas devem ser comemoradas. No blog de 20 de setembro último, ocupei-me da proposta do nome de Liu Xiaobo para o Prêmio Nobel, sob o título Um Nobel para a China. A distinção fora submetida por iniciativa do ex-presidente Vaclav Havel, e mais dois co-signatários da Carta 77, a precursora da Revolução de Veludo na Tcheco-Eslováquia.
Na verdade, o galardão se destina tanto ao encarcerado ativista de direitos humanos – atividade perigosa na República Popular da China – quanto para o sofrido povo chinês.
O Presidente da Fundação Nobel ( Noruega ), Thorbjoern Jagland, difundiu hoje a alvissareira notícia. Não creio que, como é praxe, haja conseguido contactar o prisioneiro Liu Xiaobo – condenado a onze anos de prisão em 2009 – sob a acusação de subversão contra a lei do Estado.
É flagrante o desrespeito da China aos direitos humanos. Despejadamente, não cumpre os acordos internacionais pertinentes por ela firmados, assim como a própria Constituição, que nominalmente garante a liberdade de opinião.
Tal cinismo não é novo, eis que, no passado, se algum soviético se fosse fiar na constituição estalinista da URSS – que também garantia o exercício de tais direitos – acabaria em um dos gulags do grande arquipélago descrito por Aleksandr I. Soljenitsyn.
A motivação do prêmio ora concedido refere a atividade de mais de vinte anos nesse campo - Liu Xiaobo fora um dos manifestantes da Praça Tiananmen em junho de 1989 – e a coautoria da chamada Carta 08, que pleiteia governo constitucional, respeito aos direitos humanos e outras reformas democráticas.
Como se sabe, Zhao Ziyang, então Secretário-Geral do Partido Comunista Chinês fora afastado do poder em junho de 1989 – e mantido em prisão domiciliar até à sua morte, em 17 de janeiro de 2005 - por defender reformas democráticas similares,que complementariam a abertura econômica aprovada por Deng Xiaoping.
A fatídica opção do velho Deng pela linha dita conservadora do premier Li Peng se mantém até hoje. O Partido Comunista se aferra ao monopólio do poder, que incumbe à respectiva liderança efetivar através do domínio de toda a máquina estatal. Dada a flexibilidade na área econômico-financeira, a imagem da China pode ser enganosa para a opinião internacional. Dessarte, numa aparente normalidade constitucional, a sua liderança burocrático-comunista perdura, em mandatos de cinco anos. Em geral, o Presidente pode valer-se de uma reeleição. A segunda autoridade é o Primeiro Ministro, que sói constituir o último degrau para a ascensão a presidente.
Compreende-se, portanto, a razão da animosa reação de Beijing contra a premiação de Liu Xiaobo. É considerada ‘blasfêmia’ a concessão do Nobel ao ativista que para os hierarcas chineses não passa de um criminoso condenado por subversão contra a legislação estatal. Tampouco o comunicado não deixa de acenar com a velha e sovada ameaça de que a iniciativa do Comitê pode prejudicar às relações entre a RPC e a Noruega...
Ironicamente, verifica-se quão atual continua a obra de George Orwell, ao descrever em “1984” a fobia alimentada por tais regimes contra eventuais dissidentes.
O regime chinês, sob o diáfano véu de suposta moderação – que é condicionada pela sua adesão na economia ao capitalismo – nada tem de ‘soft’ quando entrevê algum perigo para a ordenação do estado, submetido, no viés político, ao férreo controle do Partido Comunista.
A contradição existente entre as liberdades econômico-financeiras e o arrocho político há de provocar, a seu tempo, uma crise no Império do Meio, dado o caráter inconciliável da confrontação.
Daí a violência da autoridade estatal, motivada pelo temor de que a contemporização contribua para a desestabilização. Também explica a virulenta pena aplicada a Liu as conexões feitas na Carta 08 entre autoritarismo político e corrupção. É processo bastante difundido na RPC, e que constituira uma das principais motivações de Zhao Ziyang para a democratização, a fim de melhor combater a endêmica corrupção.
A esposa do Prêmio Nobel da Paz, Liu Xia pretende viajar logo para a distante província de Laoning, no nordeste chinês, para levar a boa nova. A respeito, o advogado do ativista, Shang Baojun, disse que o Nobel pode significar mais tempo na prisão para Liu Xiaobo.
Se, nas palavras de Havel, Liu está isolado mas não esquecido, na contorcida lógica ditatorial a punição extra, caso comprovada, seria um cruel reconhecimento do imensurável valor do respectivo exemplo existencial.

( Fontes: Portal Terra e CNN )

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