quinta-feira, 7 de outubro de 2010

O Outro Lado

A reunião dos partidos que apoiam a candidatura de José Serra ocorreu no dia seguinte à realizada no Palácio da Alvorada, convocada pelo Presidente Lula, e que motivara protesto do PPS, sob alegação de uso indevido de prédio público.
Se a unanimidade é difícil no campo tucano, ela foi observada ontem. A campanha de Serra no primeiro turno colhera mais críticas do que louvores. Errática, chegando a princípio a estampar o retrato de Lula, parecera envergonhada, varrendo para debaixo do tapete a presidência de FHC, e desfiando a repetição da trajetória política do candidato, como um mantra, pecou sobretudo pela postura encabulada, de quem não quer ser oposição. Ao evitar apresentar-se como alternativa, tenderá a ser um polo débil para atrair a massa dos indecisos.
Reunido em Brasília com os príncipais líderes da campanha do segundo turno, o candidato Serra ouviu palavras que estavam engasgadas em muitos de seus partidários. De todos, o mais eloquente foi o Presidente Itamar Franco, recém-eleito Senador por Minas Gerais: “Se não enfrentarmos, ficarmos falando só na nossa biografia, se não mudarmos o nosso discurso... o segundo turno é uma nova eleição. Temos que corrigir erros (...). Seja mais Serra, seja mais o senhor do que o marqueteiro. (...) Vossa Excelência tem uma vida limpa. Não precisamos esconder quem quer que seja do nosso lado. O povo quer saber o que pensamos, qual o pensamento dos problemas estruturais. Ninguém inventou o Brasil.”
Itamar ainda assinalou: “Levantaram uma tese tão absurda de que Minas não poderia eleger senadores da oposição, e demos uma resposta viril e forte.” Por sua vez, o governador eleito de São Paulo, Geraldo Alckmin disse: “Essa campanha se mostrou de valores e postura, e temos o candidato que tem um legado de coerência e compromisso. E não esse atraso de personalismo, da companheirada. Lula não é o candidato”.
De todos os presentes, o mais enfático na defesa de FHC foi o Senador eleito Aécio Neves. Ao frisar que não se deve ter vergonha de debater as privatizações, acentuou: “Devemos defender isso com altivez e iniciar o segundo turno falando dele. Não teria o governo Lula se não tivesse havido o governo Itamar, com a coragem política de lançar o Real, e se não tivesse havido o governo FH, que consolidou e abriu a economia. Se querem condenar as privatizações, estão dizendo a cada cidadão brasileiro que pegue o celular no seu bolso, na sua bolsa, e jogue na lata do lixo mais próxima.”
Pressionado pelos próceres que o apoiam a mudar de discurso, José Serra mostrou certa disposição de atacar. Criticou a postura de Lula e prometeu, se eleito, discutir mudanças na legislação para delimitar ação de chefes de estado em eleição.
“Nunca tratei e não vou tratar oposição como inimigos da pátria.(...) Mesmo na oposição, continuamos preocupados com o Brasil. Não vamos mudar de atitude no governo. A grande maioria do PT tem duas caras.”
Enquanto a oposição está animada, na campanha de Dilma Rousseff nem tudo são flores. À certeza da vitória no primeiro turno, varrida pela irrupção dos votos da menoscabada Marina, sucede apreensão de derrota no segundo turno.
Nesse sentido, há reclamos também entre os aliados da candidata Dilma, que se dirigem notadamente ao personalismo de Lula e do estado-maior petista. Na reunião do Alvorada se mencionou certa regionalização da campanha. Disso seria exemplo Ciro Gomes. No entanto, pela sua personalidade levanta questionamentos do PMDB.
Por sua vez, do PV partem sinais desencontrados. Marina não deixa esquecer a sua longa militância petista. Por outro lado, se há líderes do PV que antecipam o seu apoio a Serra, outros eludem por ora a questão, reenviando o tema para a reunião programada do partido. Se os ambientalistas correm o risco de esvaziar essa posição partidária por muita delonga, a prática ensina que as votações a candidatos são dificilmente controláveis pelas cúpulas. Lula decerto é a exceção, mas convém lembrar que o cacife de Sua Excelência, plenamente utilizado neste primeiro turno, não é inexgotável como a cornucópia de Amaltéia.[1]
Na constelação agrupada em torno do candidato José Serra, o PTB de Roberto Jefferson deverá optar pela neutralidade, cabendo a cada diretório estadual decidir por quem vota a militância petebista. Dentro do seu estilo, Jefferson disse: “O Serra, o tempo todo, recebeu constrangido o meu apoio. Não estou aqui para ser rejeitado.”
Com os alaridos das primeiras concentrações, mal se anuncia a campanha do segundo turno. Prevista para começar amanhã, em propaganda eleitoral gratuita, na versão binária, a expectativa é a de regra. Augurando que os institutos de pesquisa, chamuscados pelos erros do primeiro turno, se hajam melhor no turno final.

( Fonte: O Globo )
[1] Provém do corno da cabra Amaltéia, cujo leite alimentara o infante Zeus.

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