segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Dois Irmãos

O filme de Daniel Burman se desenvolve em torno de dois irmãos, que se aproximam da terceira idade. Marcos (Antonio Gasalla) sacrificou sua vida, como acompanhante da velha mãe.
A irmã Susana (Graciela Borges) é agente imobiliária que julga possível agir na sua atividade profissional com a mesma absoluta falta de princípios que lhe norteia igualmente a coexistência com o irmão.
A mãe (Neneca) falece no exórdio do filme. O seu desaparecimento serve para Susana como ulterior meio de lucrar à custa de Marquitos. Como se fosse um traste, ela o leva para velha casa no Uruguai, em Carmelo, às margens do Rio da Prata. Forçada a reaver a posse do imóvel, que está ameaçada de perder, segundo lhe avisa concorrente direto – que paga para ver um blefe seu -, Susana consegue transferir, com mala e cuia, o irmão, com a promessa de que lá irão residir juntos.
Na verdade, o afastamento de Marquitos de Buenos Aires serve igualmente para que ela se desfaça da residência da mãe. Aumentando o preço da casa uruguaia, ela se apropria da parte do irmão, que passa a morar de favor em Carmelo.
Os dois personagens principais do filme espelham tipos humanos opostos. Susana é pessoa vazia, sem princípios nem valores. Tudo nela é postiço, exclusive a egolatria que mascara funda mediocridade. Vivendo em mundo artificial, caça convites de embaixadas – há uma cômica presença na embaixada do Brasil em Buenos Aires, em que os dois irmãos se empenham em colocar na bolsa os hors d’oeuvres para garantir a refeição noturna.
Enquanto Marcos não dá maior importância a tais incursões, Susana parece recorrer a esse espaço como para representar presença social que jamais teve.
Conforme ao tipo, o respectivo egoismo se reflete em comportamento antissocial, que a torna insuportável seja no convívio de familiares, seja no trato de empregados. Neste aspecto, Susana é construção única, quase reedição de algum dos mais detestáveis personagens de Balzac.
O irmão solteirão, à primeira vista, é um joguete nas mãos de Susana. A relação, no entanto, se vê marcada pelo ressentimento que aflora e pela mal disfarçada agressividade. Há uma cena no apartamento, com fantasias oníricas de Marcos, que esboça muito bem essa contraposição.
Enquanto Marcos cativa seus parentes e relações ocasionais, a presença de Susana tende a desvanecer as atmosferas mais risonhas. A sua entrada – sempre tardia – na festinha de sua velha tia bem retrata o seu papel maléfico, dizendo coisas desagradáveis para gente que a vê como ave de mau agouro.
A dominação da irmã encontra, contudo, o seu limite, quando ela se permite achincalhar verbalmente o irmão Marquitos, com o doesto que não deveria ser dito. Ele reage, se desvencilha de todos os ademanes subservientes, e dela se afasta.
Assistimos então à clássica peripeteia da tragédia, em que os papeis se invertem.
Enquanto um mostra o próprio valor, a outra tem de correr atrás, ao vivenciar a sua vazia superficialidade. Susana - que menospreza Marcos e nele não distingue traços louvados por outrem – se descobre arrastada ao remanso aonde quisera enterrar o irmão, para aí descobrir que o talento pode mostrar-se nos lugares menos previsíveis.
Dois Irmãos é um ótimo filme. Modesto na aparência, exibe a mesma verdade com que a irmã se descobre de repente atordoada. Nem o seu infindo egotismo pôde defendê-la de qualidades que sempre negara a Marquitos.

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