sábado, 16 de outubro de 2010

Como no tempo das corporações

Para todo antigo eventual morador na Grécia, a par das belezas naturais e da telúrica simpatia do povo grego, constituem motivo de estranhável assombro as características de muitas atividades, seja aquelas de mais direto contato com o público, seja outras cujas peculiaridades só tendem a desvelar-se em períodos mais longos de interação.
Neste blog, que já entrou em seu terceiro ano, e segundo de edição cotidiana,
foram referidas, ainda que, en passant, uma que outra dessas particularidades.
As grandes crises causam decerto muitos infortúnios e não poucas injustiças. No entanto, os problemas financeiros que representaram a amarga colheita do novel governo socialista de Georges Papandreou, se não são de sua direta responsabilidade, tem igualmente na respectiva formação a responsabilidade de gabinetes do PASOK[1], assim como os da Nova Democracia (direita).
O Primeiro Ministro Papandreou mostrou determinação de quem parecia não ser novato nas responsabilidades do governo. A adequação do Estado e da sociedade grega é, contudo, uma luta comprida, que se choca contra muitos interesses e privilégios, os quais pela sua difusa incidência e extensa agregação em muitos setores de atividade implicam em considerável engessamento social.
Multiplicam-se, dessarte, em incontáveis segmentos de serviços e atividades ditas produtivas os privilégios de classe. A economia grega, limitada e marginal em muitos desses ramos, pensou haver dado um salto de qualidade, não só na sua adesão à Comunidade Europeia, mas sobretudo no posterior ingresso na zona do Euro, para o que se valeu de critérios bastante flexíveis.
Antes que a crise financeira internacional agravasse ainda mais a situação da economia helênica – e motivasse o tardo socorro da União Europeia -, os observadores que por lá passassem não poderiam deixar de aperceber-se de preocupantes traços do consumo grego e do respectivo nível de vida, que semelhavam subsistir na aparente segurança da perenidade do fenômeno das chamadas bolhas.
Não é aqui o lugar para discorrer acerca de tais generalidades. A crise, no entanto, tem imposto ao governo, entre outras, a tarefa de procurar adequar a atividade econômica às leis do mercado. Em meio a suas múltiplas contendas, resolveu atacar o engessamento de inúmeros serviços e segmentos. Neles prevalecem regras corporativas, que se afiguram provir dos privilégios de antigas corporações medievais, estabelecidos como se os supostos direitos das partes sobrelevassem aos da sociedade no seu conjunto.
Em matéria publicada no International Herald Tribune, se menciona assertiva de Yannis Stournaras, diretor da Fundação para a Pesquisa Econômica e Industrial (IOBE): “A Grécia é a última economia de estilo soviético na Europa. Outros países têm algumas profissões fechadas. Mas nada como na Grécia. Aqui, qualquer pedra que V. mexa, tem o seu regulamento próprio.”
Existem cerca de setenta ofícios e profissões fechadas, incluindo ‘advogados, engenheiros, taxistas, fono-terapeutas, forjadores, tabeliões, vendedores de rua, titulares de bancas de revistas, arquitetos, e donos de farmácias.’ Certos oficios têm inúmeras limitações de acesso: as licenças para operar bancas de revista só estão disponíveis para veteranos de guerra, com problemas físicos ou com famílias grandes para sustentar. Há outras licenças que estão efetivamente fechadas, como as dos caminhoneiros de longa distância, congeladas por vinte e cinco anos.
As farmácias não têm o número comparável à proliferação que se depara no Brasil. Por outro lado, de forma quase cômica, permanecem cerradas por grande parte do dia. Os horários vespertinos são bastante estreitos, e nos fins de semana, aqueles que precisam comprar medicamentos necessários por motivo de urgência, carecem de empreender longas buscas atrás de estabelecimento em outros bairros, em que um estará aberto, e não nas generosas janelas a que estamos acostumados no Brasil.
Também a profissão dos advogados está ordenada por regras bizantinas. Se na comunidade internacional, a Grécia teria ainda o direito ‘moral’de invocar regras da antiga Bizâncioembora Constantinopla haja sido tomada pelos turcos em 29 de maio de 1453 -, mesmo um habitante daquele antigo bastião da civilização ocidental poderia julgar algumas das normas a que hoje se atribue o epíteto, como injustas com as práticas da capital do defunto Império Romano do Oriente...

(Fonte: International Herald Tribune )

[1] A sigla do partido socialista na República Helênica.

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