sábado, 30 de outubro de 2010

O Aparelhamento do Estado

Na véspera da eleição, pode-se afirmar que, sem medo de erro, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva provou que, do alto de sua popularidade, ele pode tudo ou quase tudo na escolha, apresentação, promoção e – o que parece muito próximo de ser concretizado – realização de sua grande aposta.
Além de impor ao próprio partido a candidata, ele a escolheu sem consultar ninguém além de seus botões. A sua Chefe da Casa Civil, a par da competência administrativa demonstrada, não tinha passado pelo crivo eleitoral, eis que, até a data do dedazo, não havia concorrido a nenhum cargo, seja executivo, seja legislativo, que fosse submetido ao crivo do eleitor.
Dentro de um cenário dos tempos do Partido Revolucionário Institucional, o velho P.R.I. mexicano, o Presidente Lula literalmente inventou a sua candidata, a qual o Partido dos Trabalhadores, depois da queda de seus principais líderes por obra do mensalão, não tinha outra opção senão engolir.
A operação que talvez em outros países fosse impensável, aqui realizou à perfeição. A falta de qualquer experiência político-eleitoral da neocandidata, Dilma Rousseff, pôde ser superada em relativo curto espaço de tempo.
Essa inopinada dádiva, ela deve agradecê-la a um conjunto de três fatores. Em primeiro lugar, ao mais relevante deles, o empenho de Luiz Inácio Lula da Silva de transformá-la na sua sucessora.
Nos grotões interioranos e sobretudo no feudo nordestino da bolsa-família, tal condição foi epitomizada na expressão ‘mulher do Lula’. Nessas três palavras se acha gravado o essencial da mensagem do grande benfeitor: ela é a sua indicada, e como tal deve ser escolhida.
O segundo fator, que é de certo modo corolário do primeiro, se encontra no corpo eleitoral, cujo tamanho pode impressionar, mas acusa largos bolsões desprovidos de cultura política, tornando-se dessarte demasiadamente manipulável. Espanta, por exemplo, que patranha como a alegada maior experiência política da neocandidata seja repetida como se fora sólida e inegável assertiva.
O terceiro fator é, na verdade, dúplice. A incompetência da oposição, refletida na campanha errática e pouco motivante de seu candidato, conjugada com a virtual omissão da Justiça eleitoral. O TSE, talvez pelo fenômeno nunca antes deparado, permitiu a esmagadora presença do Presidente da República.
Este último, pelo aparelhamento do Estado e, sobretudo por seu inacreditável ativismo – ele próprio se autodesignou como cabo-eleitoral-mor de Dilma – transformou o que deveria ser uma eleição entre dois candidatos, em virtual referendo da gestão de Sua Excelência, do alto de sua vertiginosa, quase bielo-russa popularidade de 83% de aprovação.
Quanto ao aparelhamento do Estado, ele se afigura onipresente. A Petrobrás e a própria A.N.P., supostamente agência reguladora, se transmutaram em braços da propaganda oficial. De forma inaudita, a Petrobrás e a A.N.P., lançaram na mídia notícias sobre grandes descobertas de reservas no pré-sal, sem qualquer condicionamento ético. Com as margens de erro chegam aos 305%, assistimos a um verdadeiro festival, em que os investidores na bolsa são tidos por néscios.
Essa ubíqua presença se manifesta igualmente no Superior Tribunal Militar. Nas palavras da Ministra Carmen Lúcia, do STF, é possível ver ‘censura prévia’ na conduta do Superior Tribunal Militar (STM). No seu voto, a Ministra assinalou que “é certo que toda Justiça que tarda falha”. Para ela, a atuação do Tribunal militar e da Advocacia Geral da União (AGU) no caso, “permite entrever uma espécie perigosa, grave e inconstitucional de censura prévia judicial”.
Entretanto, apesar dessas considerações, a ministra Carmen Lúcia negou o acesso da Folha ao processo “por motivos processuais”. No seu entender, não se poderia tomar uma decisão antes do término do julgamento do mandado de segurança do jornal no STM, para não “suprimir” instância jurídica.
Verifica-se, por conseguinte, que o onipresente Lula também aqui prevalece, pois, não obstante as observações contundentes da Ministra Carmen Lúcia, na prática ela dá ganho de causa, no que interessa, à parte situacionista, por impossibilitar o oportuno acesso pretendido pela Folha, que desejava a respeito informar a opinião pública sobre o passado da petista.
Por outro lado, os debates televisivos, ao contrário do que propalam as emissoras, não atenderam ao seu precípuo objetivo, qual seja o de informar os eleitores sobre as opções respectivas dos dois candidatos. Além de não atingir a faixas substanciais, os debates, pelo processo de engessamento a que foram submetidos, beiram a inutilidade. Com efeito, como se verificou uma vez mais no último debate, se direcionou a discussão para resultados sempre mais anódinos. Na proteção obsessiva dos respectivos campeões, as assessorias, ao inviabilizarem qualquer ameaça ou perigo, lograram afinal o que, no fundo, desejavam. Emascularam a contenda, que perdeu, em consequência, todo o residual interesse.
A menos de surpresas imprevistas – que me perdoe o leitor pelo oxímoro – a casa está preparada para o triunfo da criatura de Lula a trinta e um de outubro.
O que vai ocorrer depois, só Deus sabe. Se a lei das probabilidades for respeitada, a criatura se há de afirmar, progressiva ou subitamente, livrando-se da sufocante influência de seu padrinho. Para tanto, se lhe falta experiência política, não há de carecer de um grupo de áulicos que nesse sentido a conduza.
Difícil, na verdade, imaginar que personalidade forte e voluntariosa como a de Dilma Rousseff persista no figurino presente. Hoje, como o comentarista indicou, costuma repetir – e amiúde ipsis litteris – as palavras presidenciais. Ou, como na foto do último debate, numa postura quase de boneco, vestida com traje debruado de recepcionista, a cumprimentar, cabisbaixa, o seu adversário ?
Se, no entanto, a cousa evoluir de modo diverso, como semelha desejar Sua Excelência, com a virtual instituição de espécie de maximato, em imitação cabocla do modelo de Plutarco Elías Calles, se poderia visualizar a volta de Lula ao Palácio do Planalto, em 2014,”nos braços dos velhos oligarcas e do capital financeiro”, na imagem de Marco Antonio Villa. Tudo isso, é lógico, sem esquecer, no caso, de combinar com os eleitores.

( Fontes: O Globo e Folha de S. Paulo)

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