quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Trump e Obama acaso se parecem ?


                                            
      A guerra da Síria já durava há cinco anos, quando aos chefes dos departamentos envolvidos no conflito da terra da passagem ocorreu a ideia de dar-lhe uma nova configuração, com uma participação acrescida das agências do governo estadunidense. Bashar al-Assad dispunha de exército com soldados que não se sentiam motivados, e as perdas se acumulavam.
         Como era Hillary Clinton a autoridade com maior antiguidade nos departamentos com participação no conflito,  depois se acordarem os chefes respectivos, foi a encarregada de expor ao Presidente Barack Obama o sentir das autoridades empenhadas naquela guerra civil, que favoreciam uma estruturação maior do empenho americano, para que aquela conflagração fosse levada a bom termo.
          Sem dúvida, Hillary seria a escolha natural, pois a chefia do Departamento de Estado, além de dar-lhe a natural preferência para a sua liderança das autoridades com a responsabilidade de áreas mais ligadas ratione materiae àquela interminável conflagração, a sua própria situação nacional, já no segundo mandato presidencial de Barack, estando já fazia tempo com a liderança nas pesquisas para a sucessão presidencial, tudo isso lhe conferia inelutável precedência sobre as demais autoridades com altas responsabilidades nesse campo, como a CIA e o Departamento de Defesa, entre outros.
            Tal maior participação no interminável conflito da revolução síria não implicava, no entanto, uma presença dos meninos para reforçar a causa da Revolução, mas sim maior coordenação com a guerrilha e uma presença aérea mais eficaz, para ajudar a causa da liberdade e assim assegurar à revolução síria maior defesa contra as incursões da força aérea de Bashar, até o presente incontestada.
              No entanto, nessa audiência na Casa Branca aguardava a lider do grupo de departamentos empenhados na guerra civil síria uma surpresa, eis que Obama se recusou  tanto a transformar o apoio americano já favorável à liga rebelde, em maior coordenação da presença militar estadunidense, para melhor estruturar as defesas dos rebeldes - sem esquecer a maior estruturação do apoio aéreo-militar - o que levaria a maior entrosagem nas forças rebeldes, e procedimentos mais consequentes tanto para proteger os contingentes da liga revolucionária. Esse empenho americano refletiria uma posição no campo que era claramente favorável a tudo aquilo que se fazia necessário para agilizar e apressar o processo de levar à derrota para as forças de Bashar al-Assad, e a este último para o julgamento no Tribunal Penal Internacional. Nesse sentido, a sua eventual condenação pelo Tribunal da Haia representaria um relevante progresso para o Direito Internacional Público, com inequívoca mensagem para os tiranos, máxime aqueles do mundo árabe.
              Mas desde que mundo é mundo, autoridades bem-intencionadas como os líderes a quem Hillary representava, em virtude da respectiva antiguidade de ofício, seriam surpreendidos todos com a reação de Barack Obama, que se pode supor terá visto na marche dois erros para o presidente graves: atribuir à Hillary a liderança de um novo modo de tratar do problema sírio, e o que seria ainda mais grave, aos olhos presidenciais, atribuir, ainda que virtualmente, à Secretária de Estado uma precedência política que daria ao chefe de Estado uma posição secundária. Essa suspicácia que toda a autoridade é passível de sentir, pode margear a paranóia, induzindo o Comandante em chefe a temer  uma possível inferiorização perante a opinião pública. É quase impossível determinar se tal foi o caso, mas à distância e diante da naturalidade da consequência, essa parece ter sido a causa mais provável de não assumir-se o que seria a resposta mais natural àquele desafio, dentro de uma lógica toynbeeana.
              Ao optar por mais do mesmo, Barack Obama enfraqueceu a posição do Ocidente e abriu a brecha para a iniciativa tomada pelo atribulado Bashar al-Assad. Diante de uma posição extrema, já imaginado por muitos como a caminho do Tribunal Penal Internacional (TPI),  Bashar não trepidou em transformar-se em embaixador dele próprio e rumar para Canossa.
                O herdeiro dos al-Assad não poderia ter mais ilusões. Ao pôr a sua sorte sob a guarda de gospodin Putin, sabia que se tornava vassalo do russo, eis que só teria condições de aspirar a uma intervenção russa na guerra síria se fizesse concessões de monta ao senhor do Kremlin. Se encararmos a audiência concedida por Putin - que não desdenha fazer o papel de Senhor, que é próprio  de uma grande potência - os temores que Bashar terá sentido de eventual recusa tenderiam a dissipar-se prontamente, dada a posição assaz vantajosa de que dispunha para atender às aspirações do russo. Uma base naval nas águas quentes do Mediterrâneo oriental vinha a calhar para quem tinha de lidar para a sua marinha com mares demasiado obstaculizados pelos invernos glaciais. Putin lograva ao que fora negado a tantos czares, seus antecessores,  através da História. Tampouco desdenha das bases aéreas que al-Assad lhe proporciona.
                 É oportuno não esquecer que Putin nutre grandes ambições quanto a seu papel  na política internacional. Atua como se fora uma grande potência, herdeiro que se crê da União Soviética. Se a Federação Russa é a principal sucessora da URSS, que literalmente desaparece do mapa em 1992-3, e atravessa anos borrascosos sob a liderança de Boris Ieltsin, mas acaba logrando ser incluída no Grupo dos Oito, valendo-se notadamente de um arsenal nuclear e de haver mantido a unidade das duas Rússias, a ocidental, antes da oriental e asiática, com as imensas estepes da Sibéria.                              
                   Putin age com a pompa e circunstância, a par das pretensões de grande potência, sem ter decerto a base econômica que, tutto sommato a URSS dispunha antes de seu desaparecimento. Gospodin Putin tem uma política peculiar para o chamado estrangeiro próximo, que é o caso de muitos países. Um bastante singular é o da Ucrânia, que vem sendo submetida a muitos dissabores, máxime no caso quando o seu líder não seja leitor assíduo da cartilha do Kremlin. Quando foi derrubado pela revolução da praça Maidan Viktor Yanukovich,  que era caudatário convicto de Putin, este não tardou muito em submeter o povo ucraniano a várias "provas" como a reconquista da Criméia, obtida em um só dia por um exército de soldados descaracterizados (a Ucrânia não teve condições de esboçar qualquer reação)  e rapidamente a Crimeia virou província russa, o que até hoje permanece, embora tampouco as sanções do Ocidente, e de Washington em especial hajam continuado. A derrubada de um vôo da Malaysian Airlines por um míssil russo, matou estupidamente a centenas de pessoas.  Poroshenko, o presidente da Ucrânia luta com a difícil condição de ser vizinho próximo e não-alinhado com o Kremlin.  Foi por uma série de causas - notadamente o tratamento aplicado por Putin aos países "estrangeiros-próximos" da Rússia - que Obama lograra fazer aplicar sobretudo aos cupinchas de Putin uma série de sanções (algumas são cobradas pela invasão e conquista ilegal da Crimeia, bem como outras foram aplicadas aos cupinchas milionários de Putin, inclusive pela lei Magnitsky - em homenagem ao russo opositor que foi deixado morrer na prisão pelo governo de Putin ).
                   A eleição de Donald Trump - e o envolvimento da Rússia no hackeamento do Diretório Nacional Democrata - é também outro fator importante a que os Estados Unidos vejam Putin com outros olhos.  Trump não é decerto o "amigão" de Putin que aparentou ser - depois de este último recuperar-se do seu afastamento do Grupo dos Oito, em função de suas inúmeras ações em desrespeito do direito internacional, a não-menor delas a "conquista" da Criméia, que faz pouco voltou aos jornais com o apresamento de navio ucraniano e a prisão manu militari  de marinheiros ucranianos, no mar de Azov. 
                     Se a presidência de Barack Obama não está isenta de eventuais falhas, deve-se assinalar que ele escolheu aplicar à Federação Russa sanções bastante eficazes, sobretudo se vistas sob o aspecto de dissuadir o Kremlin - uma tarefa decerto difícil, pela postura imperial russa junto aos demais países menores, que integraram no passado a URSS - ao escolher atividades vulneráveis, em especial de cupinchas do presidente russo, como objetos específicos das ditas sanções.        
                   É bom ter presente que Vladimir Putin dispõe de vasto arsenal nuclear, herdado da antiga URSS. Mas em termos de "herdeiro", a Federação Russa não comanda a muitos dos países que antes integravam a União Soviética. É difícil também configurá-la como a segunda superpotência, como era a URSS, porque além da extensa base territorial dissipada na sua implosão sob Gorbachev,  hoje a Rússia não dispõe das vantagens  desse antigo território perdido, e por conseguinte de riquezas que antes estavam a sua mercê.
                        Tutto sommato, apesar de seu caráter mussoliniano, as bravatas de Putin podem ser nucleares (em função do arsenal herdado da antiga URSS). É de notar-se que outros países também  "herdeiros" como a Ucrânia se desfizeram em boa hora do respectivo arsenal nuclear.
                            Na verdade, portanto, Barack Obama não se parece com Donald Trump, porque este último é um presidente sui generis, que, de resto - e seja dito de paso - só é presidente porque na época estava no FBI alguém  chamado James Comey, aquele que pode ser considerado como o "grande eleitor" de Trump, eis que este senhor tudo fez para desconstruir a candidata Hillary Clinton, ação que foi ao cabo capeada pelo aviso aos chamados votantes antecipados que o FBI estava procedendo à investigação no computador da ex-secretária de Hillary, Huma Abedin. Nunca uma mensagem  seria tão capciosa e inverídica como essa. O computador em tela nada continha que fosse pertinente a Hillary, mas essa notícia fez com que a vantagem de Hillary Clinton passasse a ser de Trump. O seu único efeito foi este, a par de acenar - sempre de forma críptica - que algum escândalo repontaria a fim de decidir a eleição... Infelizmente, no tal computador nada havia de pertinente. Mas o inuendo bastou, para que tivéssemos ao cabo Donald Trump, ao invés de Hillary Clinton.Daí a dizer que os Estados Unidos ganharam com isso, é outra estória, que deixo por conta do leitor.                            

( Fontes:  O Estado de S. Paulo, The New York Times )

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