A
guerra da Síria já durava há cinco anos, quando aos chefes dos departamentos
envolvidos no conflito da terra da
passagem ocorreu a ideia de dar-lhe uma nova configuração, com uma
participação acrescida das agências do governo estadunidense. Bashar al-Assad
dispunha de exército com soldados que não se sentiam motivados, e as perdas se
acumulavam.
Como
era Hillary Clinton a autoridade com maior antiguidade nos departamentos com
participação no conflito, depois se
acordarem os chefes respectivos, foi a encarregada de expor ao Presidente
Barack Obama o sentir das autoridades empenhadas naquela guerra civil, que
favoreciam uma estruturação maior do empenho americano, para que aquela
conflagração fosse levada a bom termo.
Sem dúvida, Hillary seria a escolha
natural, pois a chefia do Departamento de Estado, além de dar-lhe a natural
preferência para a sua liderança das autoridades com a responsabilidade de
áreas mais ligadas ratione materiae
àquela interminável conflagração, a sua própria situação nacional, já no
segundo mandato presidencial de Barack, estando já fazia tempo com a liderança
nas pesquisas para a sucessão presidencial, tudo isso lhe conferia inelutável
precedência sobre as demais autoridades com altas responsabilidades nesse
campo, como a CIA e o Departamento de
Defesa, entre outros.
Tal maior participação no interminável conflito da revolução síria não
implicava, no entanto, uma presença dos meninos
para reforçar a causa da Revolução, mas sim maior coordenação com a
guerrilha e uma presença aérea mais eficaz, para ajudar a causa da liberdade e
assim assegurar à revolução síria maior defesa contra as incursões da força
aérea de Bashar, até o presente incontestada.
No entanto, nessa audiência na Casa
Branca aguardava a lider do grupo de departamentos empenhados na guerra civil
síria uma surpresa, eis que Obama se recusou tanto a transformar o apoio americano já
favorável à liga rebelde, em maior coordenação da presença militar
estadunidense, para melhor estruturar as defesas dos rebeldes - sem esquecer a
maior estruturação do apoio aéreo-militar - o que levaria a maior entrosagem
nas forças rebeldes, e procedimentos mais consequentes tanto para proteger os
contingentes da liga revolucionária. Esse empenho americano refletiria uma
posição no campo que era claramente favorável a tudo aquilo que se fazia
necessário para agilizar e apressar o processo de levar à derrota para as
forças de Bashar al-Assad, e a este último para o julgamento no Tribunal Penal
Internacional. Nesse sentido, a sua eventual condenação pelo Tribunal da Haia
representaria um relevante progresso para o Direito Internacional Público, com
inequívoca mensagem para os tiranos, máxime aqueles do mundo árabe.
Mas desde que mundo é mundo, autoridades bem-intencionadas como os líderes
a quem Hillary representava, em virtude da respectiva antiguidade de ofício,
seriam surpreendidos todos com a reação de Barack Obama, que se pode supor terá
visto na démarche dois erros para o presidente graves: atribuir à Hillary a
liderança de um novo modo de tratar do problema sírio, e o que seria ainda mais
grave, aos olhos presidenciais, atribuir, ainda que virtualmente, à Secretária
de Estado uma precedência política que daria ao chefe de Estado uma posição
secundária. Essa suspicácia que toda a autoridade é passível de sentir, pode
margear a paranóia, induzindo o Comandante em chefe a temer uma possível inferiorização perante a opinião
pública. É quase impossível determinar se tal foi o caso, mas à distância e
diante da naturalidade da consequência, essa parece ter sido a causa mais
provável de não assumir-se o que seria a resposta mais natural àquele desafio,
dentro de uma lógica toynbeeana.
Ao optar por mais do mesmo, Barack
Obama enfraqueceu a posição do Ocidente e abriu a brecha para a iniciativa
tomada pelo atribulado Bashar al-Assad. Diante de uma posição extrema, já
imaginado por muitos como a caminho do Tribunal Penal Internacional (TPI), Bashar não trepidou em transformar-se em
embaixador dele próprio e rumar para Canossa.
O herdeiro dos al-Assad não
poderia ter mais ilusões. Ao pôr a sua sorte sob a guarda de gospodin Putin, sabia que se tornava
vassalo do russo, eis que só teria condições de aspirar a uma intervenção
russa na guerra síria se fizesse concessões de monta ao senhor do Kremlin. Se
encararmos a audiência concedida por Putin - que não desdenha fazer o papel de
Senhor, que é próprio de uma grande
potência - os temores que Bashar terá sentido de eventual recusa tenderiam a
dissipar-se prontamente, dada a posição assaz vantajosa de que dispunha para
atender às aspirações do russo. Uma base naval nas águas quentes do
Mediterrâneo oriental vinha a calhar para quem tinha de lidar para a sua marinha
com mares demasiado obstaculizados pelos invernos glaciais. Putin lograva ao
que fora negado a tantos czares, seus antecessores, através da História. Tampouco desdenha das
bases aéreas que al-Assad lhe proporciona.
É oportuno não esquecer que Putin nutre grandes ambições quanto a seu papel na política internacional. Atua como se fora
uma grande potência, herdeiro que se crê da União Soviética. Se a Federação
Russa é a principal sucessora da URSS, que literalmente desaparece do mapa em
1992-3, e atravessa anos borrascosos sob a liderança de Boris Ieltsin, mas
acaba logrando ser incluída no Grupo dos Oito, valendo-se notadamente de um
arsenal nuclear e de haver mantido a unidade das duas Rússias, a ocidental,
antes da oriental e asiática, com as imensas estepes da Sibéria.
Putin age com a pompa e
circunstância, a par das pretensões de grande potência, sem ter decerto a base
econômica que, tutto sommato a URSS
dispunha antes de seu desaparecimento. Gospodin Putin tem uma política peculiar
para o chamado estrangeiro próximo, que é o caso de muitos países. Um
bastante singular é o da Ucrânia, que vem sendo submetida a muitos dissabores,
máxime no caso quando o seu líder não seja leitor assíduo da cartilha do
Kremlin. Quando foi derrubado pela revolução da praça Maidan Viktor Yanukovich,
que era caudatário convicto de Putin,
este não tardou muito em submeter o povo ucraniano a várias "provas"
como a reconquista da Criméia, obtida em um só dia por um exército de soldados
descaracterizados (a Ucrânia não teve condições de esboçar qualquer
reação) e rapidamente a Crimeia virou
província russa, o que até hoje permanece, embora tampouco as sanções do
Ocidente, e de Washington em especial hajam continuado. A derrubada de um vôo
da Malaysian Airlines por um míssil russo, matou estupidamente a centenas de
pessoas. Poroshenko, o presidente da
Ucrânia luta com a difícil condição de ser vizinho
próximo e não-alinhado com o Kremlin.
Foi por uma série de causas - notadamente o tratamento aplicado por
Putin aos países "estrangeiros-próximos" da Rússia - que Obama lograra
fazer aplicar sobretudo aos cupinchas de Putin uma série de sanções (algumas
são cobradas pela invasão e conquista ilegal da Crimeia, bem como outras foram
aplicadas aos cupinchas milionários de Putin, inclusive pela lei Magnitsky - em
homenagem ao russo opositor que foi deixado morrer na prisão pelo governo de
Putin ).
A eleição de Donald Trump - e o envolvimento da Rússia no hackeamento do Diretório Nacional
Democrata - é também outro fator importante a que os Estados Unidos vejam Putin
com outros olhos. Trump não é decerto o
"amigão" de Putin que aparentou ser - depois de este último recuperar-se
do seu afastamento do Grupo dos Oito, em função de suas inúmeras ações em
desrespeito do direito internacional, a não-menor delas a "conquista" da Criméia, que faz
pouco voltou aos jornais com o apresamento de navio ucraniano e a prisão manu militari de marinheiros ucranianos, no mar de Azov.
Se a presidência de Barack Obama não
está isenta de eventuais falhas, deve-se assinalar que ele escolheu aplicar à
Federação Russa sanções bastante eficazes, sobretudo se vistas sob o aspecto de
dissuadir o Kremlin - uma tarefa
decerto difícil, pela postura imperial russa junto aos demais países menores,
que integraram no passado a URSS - ao escolher atividades vulneráveis, em
especial de cupinchas do presidente russo, como objetos específicos das ditas
sanções.
É bom ter presente que
Vladimir Putin dispõe de vasto arsenal nuclear, herdado da antiga URSS. Mas em
termos de "herdeiro", a
Federação Russa não comanda a muitos dos países que antes integravam a União
Soviética. É difícil também configurá-la como a segunda superpotência, como
era a URSS, porque além da extensa base territorial dissipada na sua implosão sob
Gorbachev, hoje a Rússia não dispõe das
vantagens desse antigo território
perdido, e por conseguinte de riquezas que antes estavam a sua mercê.
Tutto sommato, apesar de seu caráter mussoliniano, as bravatas de Putin
podem ser nucleares (em função do arsenal herdado da antiga URSS). É de
notar-se que outros países também "herdeiros"
como a Ucrânia se desfizeram em boa hora do respectivo arsenal nuclear.
Na verdade,
portanto, Barack Obama não se parece com Donald Trump, porque este último é um
presidente sui generis, que, de resto - e seja dito de paso - só é presidente porque
na época estava no FBI alguém chamado James
Comey, aquele que pode ser considerado como o "grande eleitor" de
Trump, eis que este senhor tudo fez para desconstruir a candidata Hillary
Clinton, ação que foi ao cabo capeada pelo aviso aos chamados votantes
antecipados que o FBI estava procedendo à investigação no computador da
ex-secretária de Hillary, Huma Abedin. Nunca uma mensagem seria tão capciosa e inverídica como essa. O
computador em tela nada continha que fosse pertinente a Hillary, mas essa
notícia fez com que a vantagem de Hillary Clinton passasse a ser de Trump. O
seu único efeito foi este, a par de acenar - sempre de forma críptica - que
algum escândalo repontaria a fim de decidir a eleição... Infelizmente, no tal
computador nada havia de pertinente. Mas o inuendo bastou, para que tivéssemos
ao cabo Donald Trump, ao invés de Hillary Clinton.Daí a dizer que os Estados
Unidos ganharam com isso, é outra estória, que deixo por conta do leitor.
( Fontes: O Estado de S. Paulo, The New York Times
)
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